A ILHA DOS HOMENS-PEIXE (1979)
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A ILHA DOS HOMENS-PEIXE (1979)



Em 1979, os irmãos Luciano Martino (produtor) e Sergio Martino (diretor) lançaram um famoso filme misturando aventura, terror e trash não-intencional, A ILHA DOS HOMENS-PEIXE - que se transformou no clássico de toda uma geração aqui no Brasil graças ao Silvio Santos e sua extinta Sessão das Dez do SBT. Pois eis que um tal de H.G. Wells, inglês safado, cara-de-pau e oportunista, plagiou praticamente todo o argumento da produção italiana num livro sem-vergonha chamado "A Ilha do Dr. Moreau"!

Tanto no filme como no livro que o copiou, um cientista isolado numa ilha misteriosa dá vida a criaturas híbridas de homens e animais; a única diferença é que enquanto A ILHA DOS HOMENS-PEIXE tem criaturas aquáticas, a cópia "A Ilha do Dr. Moreau" envolve misturas de humanos com diferentes animais, inclusive felinos, numa artimanha ardilosa do picareta Wells para que ninguém percebesse que ele estava plagiando o filme italiano. E é um verdadeiro milagre que os produtores italianos não tenham processado este inglês sem-vergonha para que ele aprendesse a ter suas próprias ideias ao invés de copiar as dos outros!


Bom, qualquer pessoa com um mínimo de informação (e noção) já deve ter entendido que os dois primeiros parágrafos deste texto não passam de uma brincadeira. H.G. Wells já estava morto, enterrado e transformado em pó há muito tempo quando a italianada lançou A ILHA DOS HOMENS-PEIXE, que é, ela sim, uma cópia bagaceira da obra de Wells "A Ilha do Dr. Moreau", que foi lançada bem antes, em 1896.

As aventuras do Dr. Moreau e sua ilha de criaturas mutantes renderam três versões cinematográficas oficiais (por enquanto): a primeira, "Island of Lost Souls" (“A Ilha das Almas Perdidas”), em 1933, com Charles Naughton no papel-título; a segunda em 1977, com Burt Lancaster interpretando o cientista louco (foi esta que inspirou os irmãos Martino a realizarem sua própria produção “não-oficial” baseada "livremente" na mesma história); e a terceira e última em 1996, com Marlon Brando. Já A ILHA DOS HOMENS-PEIXE não teve a mesma repercussão e rendeu, quando muito, uma sequência improvisada que o próprio Sergio Martino dirigiu em 1995.


Mas, verdade seja dita, taxar A ILHA DOS HOMENS-PEIXE de uma mera cópia carbono - e pobre, ou trash - do livro de H.G. Wells, ou mesmo da versão cinematográfica "rica" de 1977, é uma grande injustiça. Isso porque o filme de Martino tem vida própria. É uma história maluca como convém às aventuras classe B daquele período, e com uma excelente produção, que destoa da média de pobreza dos filmes italianos feitos na cola de sucessos do cinema americano.

Tem, por exemplo, uma belíssima e bem cudada fotografia de Giancarlo Ferrando, um ótimo trabalho de direção e um elenco bastante acima da média, que inclui Claudio Cassinelli, Barbara Bach (ex-Bond Girl e atual sra. Ringo Starr), Richard Johnson (um respeitado ator shakesperiano que não tinha vergonha de aparecer nos filmes de horror italianos) e até o norte-americano Joseph Cotten (abaixo), que nos bons tempos foi coadjuvante em clássicos como "Cidadão Kane", mas, depois de velho, decadente e esquecido, tinha que pagar mico em produções italianas baratas para pagar as contas.


O roteiro foi assinado em conjunto pelos irmãos Martino, com a ajuda de Sergio Donati e Cesare Frugoni. A história começa com uma legenda informando que estamos no Mar do Caribe em maio de 1891, onde um bote à deriva em algum lugar do oceano leva diversos homens vestindo farrapos. São prisioneiros que estavam sendo transportados até uma colônia penal quando sua embarcação afundou - mas, para economizar os trocados da produção, o naufrágio não é mostrado.

O único homem do lado da lei entre os sobreviventes é o tenente Claude de Ross (Cassinelli, muito bem no papel), médico-militar que conquistou o respeito de alguns dos bandidos ao soltá-los do cárcere enquanto o navio afundava, e o ódio de outros por garantir que irá levá-los de volta à prisão caso sobrevivam e consigam chegar a terra firme.


Não demora para misteriosas criaturas aparecerem nadando ao lado do bote, impulsionando-o até um monte de rochedos, onde o barquinho se arrebenta como uma casca de ovo; diversos dos sobreviventes são atacados pelas criaturas e desaparecem submergindo nas águas turvas. E como o dinheiro da produção foi aparentemente todo gasto em outro departamento, as cenas dos ataques dos monstros são confusas, escuras, feitas em closes e com cortes rápidos, sem permitir que o espectador veja muita coisa!

Claude e cinco prisioneiros acordam já em terra firme, numa ilha com um vulcão que ninguém imaginava existir naquele ponto do oceano. Ali, uma série de infortúnios trata de matar quase todos os personagens secundários, desde uma fonte com água sulfurosa envenenada (e é de se espantar que Skip, o mané que morre envenenado, não tenha desconfiado daquela água embranquecida e esfumaçante...), até uma daquelas clássicas armadilhas no meio da selva (no caso, um buraco repleto de estacas de madeira coberto com galhos de árvore para enganar os incautos).


Outro dos prisioneiros, François (Francesco Mazzieri), vai caçar para que o grupo possa comer e acaba sendo dilacerado pela garra de um dos homens-peixe, numa cena pra lá de tosca que me dava pesadelos quando eu era criança. Ao encontrarem o cadáver mutilado de François, seus amigos discorrem sobre o fato: “Deve ter sido devorado por um crocodilo”, diz José (Franco Iavarone), um prisioneiro enorme que parece um clone careca e estrábico do Bud Spencer. Mas Claude, do alto de sua posição de especialista em crocodilos, declara convicto: “Crocodilos não despedaçam uma pessoa assim!”.

Após todos estes contratempos (passaram somente uns 10 minutos e já morreu quase todo mundo!), o grupo acaba reduzido a um modesto trio: Claude, José e o maldoso Peter (Roberto Posse), sendo que este último quer ver o tenente morto a qualquer custo, algo a se esperar de um assassino e estuprador condenado, não é mesmo? E eis que surge Amanda (Barbara Bach, quem mais?), toda bela e formosa montada num cavalo, sugerindo aos três que partam imediatamente - claro, se fosse assim tão fácil...


Os homens preferem seguir a moça e chegam até uma mansão construída na beira da praia, onde Amanda vive com Edmund Rackham (Richard Johnson, quem mais?). O cara é o bam-bam-bam da ilha: domina os nativos que praticam vodu, domina Amanda mesmo não sendo casado com a moça, e ainda parece saber muita coisa sobre os segredos do lugar. Rackham convida o trio para uma temporada em sua casa. Sem muitas opções, já que a ilha não tem hotéis, pousadas ou albergues, os homens aceitam a hospitalidade do “simpático” Rackham. Ah, se eles soubessem...

Logo o espectador vai descobrir que Rackham domina os nativos através da sua fiel ajudante Shakirah (Beryl Cunningham), uma sacerdotisa vodu. Apesar do nome, Shakirah não canta e nem dança como sua genérica latina; infelizmente, também não é gostosa como a contraparte que canta e dança! Aliás, sua presença no filme é completamente gratuita, já que a moçoila se limita a fazer vodu e balbuciar bobagens proféticas com os olhos arregalados, tipo “Eu vejo a morte!”, e coisas do gênero.


Mas e os homens-peixe do título? Ah, estes reaparecem numa cena que pode ser considerada ao mesmo tempo poética e sensual ou ridícula e apelativa, quando Amanda caminha até a beira da praia e entra no mar (uma mera desculpa para mostrar Barbara Bach com a roupa molhada e colada ao corpo escultural), sendo logo cercada por um montão de homens-peixe.

Esta é a primeira vez, no filme inteiro, que os bichos aparecem sem ser de relance, e aí finalmente podemos dar uma boa olhada no figurino de carnaval de quinta categoria dos monstrengos! Amanda é a responsável por alimentar os bichos com uma poção que os coloca sob o controle do maléfico Rackham. Mas de onde vieram os homens-peixe? Quem os criou? E para quê?


Acontece que, como boa cópia de "A Ilha do Dr. Moreau", A ILHA DOS HOMENS-PEIXE precisa do seu próprio cientista maluco. Aqui, ele é o Dr. Ernest Marvin (Joseph Cotten), o pai da doce Amanda, e um famoso biólogo mantido em cárcere privado por Rackham.

E como o roteiro ainda não estava maluco o suficiente com sua mistura de Dr. Moreau, ilha com vulcão, vodu e homens-peixe, os irmãos Martino adicionam mais um elemento fantástico à trama: o continente perdido de Atlântida! Sim, amiguinhos, a assim chamada "Ilha dos Homens-Peixe" fica exatamente sobre as ruínas submersas do continente perdido de Atlântida!!!


Como os templos e palácios do antigo povo não podem ser alcançados por homens comuns, já que estão muitos mil metros abaixo da superfície do mar, o diabólico Rackham planejou obrigou o professor Marvin a criar homens-peixe a partir de seres humanos, para depois utilizar os monstruosos cabeças-de-bagre (literalmente) como escravos para mergulhar até as ruínas do continente perdido e resgatar o ouro lá existente!

O heroi Claude descobre a trama nefasta da pior forma possível quando ele e Amanda encontram o pobre José (um dos prisioneiros que se salvou do naufrágio, lembra?) dentro de um tanque, numa espécie de etapa intermediária da transformação em peixe. Quem viu essa cena quando criança provavelmente teve pesadelos. Brrrr!!!


Trabalhando com o orçamento merreca típico das produções-italianas-xerox-de-filmes-americanos da época, mas com um roteiro mais interessante que a média das cópias bagaceiras carcamanas, o diretor Martino utiliza sabiamente os efeitos especiais apenas razoáveis, os cenários criativos e até cenas de documentários para baratear a produção (quando o vulcão da ilha entra em erupção, por exemplo, vemos cenas reais de um vulcão cuspindo lava, mescladas a cenas até razoáveis da miniatura de uma mansão pegando fogo).

Vale um elogio, também, para o diretor de arte Giacomo Calò Carducci e sua belíssima e inspirada cenografia, principalmente no laboratório do Professor Marvin, repleto de equipamentos “modernos” para a época e até desenhos que lembram os esboços do italiano Leonardo DaVinci! Tem uma cena em que Claude e Rackham entram num submarino rudimentar, na verdade uma cápsula metálica com janelinhas de vidro presa a um cabo de aço, que também remete aos estudos de DaVinci. Muito bem bolado!


O que pode frustrar o espectador são os monstros do título, que aparecem poucos e são pobres de dar dó, resumindo-se a figurantes vestindo umas fantasias pobres e imóveis projetadas por Massimo Antonello Geleng (que já trabalhou com Fulci, Argento, Bava e outros mestres italianos). As máscaras são inexpressivas e só os olhos se mexem, mas pelo menos o diretor foi esperto para mostrar as criaturas ou muito de longe ou muito de perto (com closes dos olhos, das bocas e das garras), mantendo o nível dentro do suportável.

Agora, um pouco mais de violência explícita faria bem ao filme, já que os homens-peixe atacam usando suas afiadas garras, mas sempre arranhando as vítimas muito superficialmente, e mesmo assim elas morrem com a maior facilidade - menos quando o arranhão em questão é feito no herói Claude, é claro!


A ILHA DOS HOMENS-PEIXE ganhou duas versões diferentes. Os brasileiros conhecem a italiana/européia, que estreou nos cinemas da Itália em 18 de janeiro de 1979. A outra versão é a americana, uma picaretagem da grossa; não por acaso, o nome do famoso produtor classe B Roger Corman está associado a ela. A história começa em 1981, quando Corman, através da sua distribuidora de então (New World Pictures), comprou os direitos para exibição do filme de Sergio Martino em território americano.

Ele rebatizou a película com o título “Something Waits in the Dark” (Algo Espera na Escuridão), para lançá-la nos cinemas barateiros que exibiam esse tipo de produção. O problema é que, ao contrário de outros exploitation movies produzidos na Itália, A ILHA DOS HOMENS-PEIXE não tem violência nem nudez suficientes para atrair a atenção do público que frequentava esses cinemas na época! Para resolver o problema, Corman tirou o filme de cartaz e mandou alguns colaboradores habituais filmarem cenas alternativas (!!!), que foram inseridas à montagem original sem a menor cerimônia. Esta versão "anabolizada" foi rebatizada "Screamers".


O hoje famoso Joe Dante, que na época trabalhava com Corman, foi um dos responsáveis pela edição dos enxertos (e sua participação foi creditada em italiano, como "Giuseppe Dantini"!). As cenas adicionais foram escritas e filmadas por Miller Drake, que posteriormente faria uma renomada carreira como técnico de efeitos especiais. Assim, o filme ganhou um prólogo diferente do original, mostrando um grupo de piratas que vai parar na Ilha dos Homens-Peixe, apenas para serem esquartejados violentamente pelas criaturas (afinal, nenhum deles poderia aparecer no restante da trama "normal").

Corman nem mesmo mandou construir uma roupa de monstro igual à da versão europeia: simplesmente mandou seus subalternos NÃO mostrarem os homens-peixe, filmando apenas closes de uma garra qualquer dilacerando as vítimas!  Com quase 12 minutos de duração, o "prólogo americano" foi exibido antes das cenas com os prisioneiros na jangada (o início “oficial” da versão européia), e cinco atores americanos participaram - dois deles Cameron Mitchell e Mel Ferrer, nomes conhecidos daquela época!


Os homens-peixe de Roger Corman




A cena em que Cassinelli encontra José parcialmente transformado em homem-peixe também ganhou novos takes que evidenciavam a dolorosa mutação. O responsável por esses efeitos adicionais foi outro famosão: ninguém menos que Chris Wallas, então um iniciante em seus primeiros trabalhos, mas que em seguida ganharia até Oscar pelos seus efeitos especiais em "A Mosca", de David Cronenberg! Não por acaso, o gore e a maquiagem dos enxertos ianques são bem melhores do que tudo que aparece na versão original italiana!

Isso transforma esses minutos a mais em algo tão interessante quanto o filme em si. A “versão estendida” de Corman nunca chegou a ser lançada em DVD, mas as cenas adicionais aparecem como extras no DVD europeu do filme de Martino, e hoje já podem ser vistas no YouTube.


Aparentemente, o velho Roger gostou tanto da experiência com as criaturas oceânicas que, apenas um ano depois do lançamento de A ILHA DOS HOMENS-PEIXE, produziu seu próprio filme com monstrengos vindos do mar, o espetacular "Humanoids from the Deep" (1980), este sim com muito gore e mulher pelada, mostrando inclusive os monstrengos estuprando umas garotas peitudas!!!

Bastante popular para a geração que foi criança nos anos 1980, A ILHA DOS HOMENS-PEIXE anda um tanto esquecido hoje em dia, principalmente para esta nova geração acostumada a horrores criados por computação gráfica. A emissora do Homem do Baú não o reprisa há um bom par de décadas, e provavelmente devem ter gastado o rolo de tanto que o exibiram “pela primeira vez na televisão”.


Quase 20 anos atrás, em 1995, Sergio Martino revisitou sua famosa obra com uma produção bem picareta filmada para a TV italiana, e chamada "La Regina degli Uomini Pesce" (A Rainha dos Homens-Peixe). Mas o filme é menos uma continuação e mais um engodo, reaproveitando cenas do original e de outro filme do diretor, "2019 - After the Fall of New York (1983). A história agora se passa no futuro e mostra dois jovens punks abandonando a decadente Nova York e indo parar na famosa ilha. É simplesmente horrível, em todos os sentidos.

O melhor mesmo é rever o original. Afinal, numa época de homens-mosquito, homens-tubarão e homens-cobra feitos por computação gráfica (em produções paupérrimas), sempre é ótimo rever os homens-peixe de Sergio Martino, com todo o seu charme pobretão e mambembe. E é uma pena que hoje não se façam mais filmes como A ILHA DOS HOMENS-PEIXE.

Vai ver é por isso que as crianças do século 21 crescem tão infelizes...


Trailer de A ILHA DOS HOMENS-PEIXE



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L'isola degli Uomini Pesce / The Island 

of the Fishmen (1979, Itália)
Direção: Sergio Martino
Elenco: Claudio Cassinelli, Barbara Bach, Richard
Johnson, Beryl Cunningham, Joseph Cotten, Franco

Iavarone, Roberto Posse e Bobby Rhodes.



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