Um ano antes dele, a mesma dupla emplacara o sucesso A ILHA DO DESEJO (o segundo filme produzido por David Cardoso e o primeiro escrito e dirigido por Jean Garret) que, para surpresa de seus realizadores, foi um grande sucesso de público, atraindo mais de 700 mil pessoas, e transformando a produtora de David Cardoso – a Dacar – em uma das maiores do cinema paulista.
O tema de A ILHA DO DESEJO era a morte de prostitutas agenciadas pelo personagem interpretado por David Cardoso. A mesma idéia do assassinato em série daria o plot do filme seguinte de dupla, AMADAS E VIOLENTADAS (1975). Em AMADAS E VIOLENTADAS, Cardoso interpreta Leandro, um escritor de livros de ficção sobre crimes insolúveis, que vive recluso, no interior de São Paulo, numa casa enorme, acompanhado apenas da governanta que o criou e de alguns fiéis empregados. Leandro é um homem problemático, que nunca conseguira se curar do trauma de ver a própria mãe ser assassinada pelo pai suicida, e, por isso, enfrenta várias dificuldades para relacionar-se com as mulheres. Mas, rico e cobiçado, é um ótimo partido, e não faltam beldades em seu encalço. Então, para se defender delas, ele desenvolve o “hábito” secreto de matar, antes do sexo, todas com quem se ele envolve amorosamente, o que lhe permite manter-se virgem e puro sem rejeitar publicamente as mulheres. Um dia, voltando para casa à noite, no meio da estrada, ele encontra uma jovem órfã perseguida por uma seita satânica. Compadecido, leva a moça para casa e acaba se apaixonando por ela. Os dois se casam, mas, durante a lua de mel (e antes de consumar suas bodas), Leandro tem seus crimes descobertos. Ele então decide se suicidar, deixando a noiva viva e sozinha. Apesar das evidentes falhas do roteiro (sobretudo a gratuidade da seita satânica, e uma certa confusão entre a história de Leandro e a de seus devaneios literários) o filme já indicava o cuidado de Garret e Cardoso na direção de arte e na encenação, além de revelar, em seu roteiro, evidentes pretensões psicologizantes.Mas talvez o elemento mais importante de AMADAS E VIOLENTADAS seja sua autoconsciência em relação ao próprio gênero e ao espírito do cinema de exploração, como se pode perceber nesta fala de Leandro/David Cardoso, na noite de lançamento de um de seus livros. A repórter pergunta: “Por que, em seus livros, o assassino é sempre um homem, e a vítima é sempre a mulher?”. Com ar intelectualizado, Leandro responde: “Isso não acontece só nos meus livros. Tem acontecido através da história. A mulher, na sua constituição política, social e física, é quase sempre a candidata principal à vítima”.
AMADAS E VIOLENTADAS foi um enorme sucesso, atraindo um público de mais de um milhão de pessoas, e confirmando a atração exercida pelo tema. Nos anos seguintes, outros realizadores brasileiros aproveitariam a lição da DACAR, produzindo cerca de uma dezena de filmes sobre assassinatos seriais entre os anos 1970 e 1980.
Leia e veja mais sobre o filme e a equipe:
Amadas e violentadas em imagens
Jean Garrett, artesão da Boca, por Ruy Gardnier
Ficha técnica completa da Cinemateca Brasileira do filme AMADAS E VIOLENTADAS (Jean Garrett, 1976).