Exorcismo negro
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Exorcismo negro



Último grande filme de Mojica antes de
Encarnação do Demônio, EXORCISMO NEGRO foi realizado na esteira do sucesso internacional de O EXORCISTA (William Friedkin, 1973).

Se a vida de Mojica não estava fácil no Brasil no começo dos anos 1970, pelo menos o cineasta conseguia fazer certa fama internacional. Com seu filme de 1964 incluído numa “leva” lançada pela Embrafilme no Festival de Cannes, em 1971, teve algumas reportagens dedicadas a ele em revistas importantes (como a francesa L’Écran Fantastique) e acabou sendo convidado para a 3ª Convenção do Cinema Fantástico, realizada em Paris, em 1974, onde recebeu homenagens e tirou fotos com Christopher Lee, atraindo alguma atenção da imprensa nacional. Em meio a esse burburinho, o sucesso de O EXORCISTA no exterior sugeria que o gênero eleito por Mojica tinha grande viabilidade comercial.

Então, Aníbal Massaini Neto, filho do lendário produtor da Boca do Lixo, Oswaldo Massaini, resolveu produzir um filme de exorcismo com Mojica, para lançar junto com o de William Fredkin, cuja estréia no Brasil estava marcada para novembro de 1974. Massaini encomendou uma história sobre possessão demoníaca ao cineasta, que entregou o projeto ao roteirista Rubens Francisco Luchetti. O escritor criou (mais) um roteiro auto-referente, no qual o cineasta José Mojica Marins, em crise criativa, vai visitar uns amigos numa fazenda e se vê ameaçado por seu próprio personagem.

O plot, conforme descrito no trailer, já anunciava a plataforma de seus criadores: “O desespero de um homem tentando se livrar da demonológica encarnação do seu personagem. Zé do Caixão, pela primeira vez, enfrenta um oponente tão poderoso quanto ele próprio. Onde começa a realidade do cineasta José Mojica Marins? Onde fica a ficção do diabólico personagem Zé do Caixão? Zé do Caixão seria apenas uma possessão demoníaca no trabalho de José Mojica Marins?”.

De fato, a história de EXORCISMO NEGRO está menos preocupada com a possessão demoníaca do que com a relação entre criador e criatura – com isso, torna-se bastante diferente dos filmes que se aproveitaram do sucesso de O EXORCISTA ao redor do mundo. O longa de Mojica/Luchetti também marca mais uma tentativa de retratar o cineasta como um criador consciente e intelectualizado: começa com o próprio Mojica recebendo a imprensa para falar de seu recente sucesso na Europa e de seu “bloqueio criativo”. Então, ele conta que aceitou o convite de um amigo, Álvaro (Walter Stuart) para um temporada no campo, onde pretende conceber seu próximo filme.

Chegando à casa de campo, em meio a conversas sobre parapsicologia, Mojica percebe que algo estranho acontece na casa: móveis caminham sozinhos, tridentes aparecem no espelho e livros voam das estantes. Em seguida, o cachorro da família aparece morto, e cada um dos membros da família começa a passar por episódios de possessão. O que Mojica e Álvaro não sabem é que, vinte anos antes, a esposa de Álvaro, Lúcia (Georgia Gomide) fizera um pacto com uma bruxa (Wanda Cosmo) para ter uma filha, e prometera que a mesma se casaria com o jovem Eugênio (Adriano Stuart), filho de Satã. Porém, quando a filha, Wilma (Ariane Arantes) anuncia o casamento com Carlos (Marcelo Picchi), a bruxa se revolta e convoca a própria entidade maligna Zé do Caixão para cobrar a dívida.

Zé não deixa por menos, e celebra uma missa negra na qual ordena o sacrifício da filha mais nova de Álvaro, a menina Betinha. Então, o cineasta descobre os planos malignos de sua criatura, e, apesar de apavorado, interfere na celebração maldita, lutando em nome de Deus para salvar a família ameaçada. Mas, no final, o espectador percebe que Zé não se deixou destruir, pois ele ainda está presente nos olhos da filha de Betinha – interpretada, não por acaso, por Merisol Marins, filha de Mojica...

Com mais dinheiro à disposição do que em toda a sua carreira (150 mil dólares), uma equipe profissionalizada (o fotógrafo Antonio Meliande e o elenco estrelado por Jofre Soares, Geórgia Gomide, Walter Stuart e Wanda Kosmo), EXORCISMO NEGRO tinha tudo para estourar nas bilheterias. Mojica e Massaini bem que tentaram lançar o filme junto com O EXORCISTA, mas, como revela Mojica, isso foi impossível:

Mojica - A idéia do Aníbal Massaini era ... fazer EXORCISMO NEGRO. Ele, já sabendo da minha rapidez, achava que eu faria a fita para lançar antes de O EXORCISTA. Na época [quando o lançamento do filme de Friedkin foi anunciado no Brasil, meses antes da estréia], cheguei a fazer discurso na Avenida Ipiranga, descendo o pau em O EXORCISTA. A polícia me levou preso, ... mas os caras eram fãs meus e aí fomos em uns bares, enchemos a cara e só fui proibido de fazer discurso na rua – dentro do cinema podia. O “discurso do Zé do Caixão” era idéia minha, e o Aníbal foi atrás. Ninguém podia me prender porque era dentro do cinema (...). Encontrei com o Luchetti e pedimos cinco dias para escrever a história ... Em uma semana, estava pronta. O Luchetti roteirizou enquanto eu ia para a França, onde participei do festival L’Écran Fantastique (...). De volta ao Brasil, puseram na minha mão um elenco de primeira ... e, pela primeira vez, eu estava dirigindo um filme em que não faltavam recursos financeiros. Só não deu tempo de a gente lançar antes de O EXORCISTA.

EXORCISMO NEGRO acabou sendo lançado em 23 de dezembro de 1974, um mês depois de O EXORCISTA, que faria 8 milhões de espectadores no Brasil (até hoje uma das maiores bilheterias da nossa história). O filme de Mojica ficaria em cartaz por dois meses em São Paulo, arrecadando um público de cerca de 600 mil pessoas – insuflado por alunos da sua escola de atores, que simulavam transes hipnóticos durante as sessões do filme, atraindo a atenção da mídia sensacionalista.

Visto de forma distanciada de suas condições de produção, EXORCISMO NEGRO representou algumas mudanças no cinema de Mojica – e, se tivesse tido alguma continuidade, poderia ter significado um momento de inflexão em sua carreira. Pois, desta vez, o cineasta se distanciava do exagero, dos cenários precários e dos atores amadores para se aproximar do que havia de mais “sofisticado” no cinema paulista – as produções de Massaini. Além disso, a equipe comandada por Antonio Meliande (que assumiu a direção de fotografia, no lugar de Giorgio Attili) imprimiu uma estética mais acadêmica, apenas transgredida na missa negra celebrada por Zé do Caixão e em alguns momentos pontuais do filme.

Mas se, à distância, EXORCISMO NEGRO tem seu interesse na carreira de Mojica, para a maioria dos críticos da época, era apenas mais uma aventura canhestra do diretor tentando se fazer passar por intelectual. O longa também não empolgaria Massaini o suficiente para que sua produtora, a Cinedistri, fizesse outras experiências com Mojica

Saiba mais sobre o filme:
Trecho do filme (1)
Trecho do filme (2)
Trecho do filme (3)
EXORCISMO NEGRO por Ruy Gardnier
BLOODY EXORCISM OF COFFIN JOE na Wikipedia
Curiosidades sobre EXORCISMO NEGRO
Site oficial do Zé do Caixão
Catálogo completo online da Mostra Zé do Caixão (2008)
Ficha técnica completa da Cinemateca Brasileira do filme EXORCISMO NEGRO (José Mojica Marins, 1974)



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