O período 1984-85 marcou uma bela safra de filmes de ação casca-grossa estrelados pelos astros daquele momento. Entre os maiores sucessos, "Braddock - O Super Comando" (com Chuck Norris), "Comando para Matar" (com Schwarzenegger) e "Rambo 2 - A Missão" (com Stallone), que viraram referência e deram origem a um festival de imitações de pouco ou nenhum brilho.
Nunca foi tão fácil fazer filmes de ação quanto nessa fase pós-Braddock-Commando-Rambo: bastava você pegar um sujeito fortinho e mal-encarado e colocá-lo para correr suado e sem camisa no meio da selva, com um montão de armas nas mãos para matar gente e explodir coisas.
E quando Norris, Schwarzenegger e Stallone não estavam disponíveis, bastava encontrar um nome alternativo para colocar como protagonista e torcer para dar certo.
Produção de 1987, OLHO POR OLHO foi justamente uma tentativa frustrada de lançar um novo astro do gênero: Martin Kove. Não funcionou, e vendo o filme dá para entender perfeitamente o porquê.
O engraçado é que, revisto hoje com outros olhos (ops, trocadilho não-intencional), OLHO POR OLHO funciona por dois outros motivos. Primeiro, é uma fantástica comédia não-intencional, quase uma sátira dos filmes de ação do período, com todo clichê possível e imaginável já visto antes nos filmes de Norris, Schwarzenegger e Stallone. Segundo, tem um elenco tão bizarro que poderia ser redistribuído atualmente como uma brincadeira para fãs de ação estilo "Os Mercenários" ou "Machete".
O fato de ter Martin Kove como protagonista e HERÓI lembra um pouco a brincadeira de Robert Rodriguez em "Machete". Afinal, assim como Danny Trejo (o astro do filme de Rodriguez), Kove até então estava marcado por papéis de vilão no cinema, entre eles o instrutor de karatê malvado da trilogia "Karatê Kid" e o piloto de helicóptero que abandona Rambo no Vietnã em "Rambo 2 - A Missão".
O público não engoliu, e apesar de ter participado de mais alguns filmes "direct-to-video" como protagonista (como "Projeto Mortal", já resenhado por aqui), Kove logo voltou ao seu posto tradicional de vilão e/ou figurante em produções cada vez mais mequetrefes.
Também como "Machete" ou "Os Mercenários", OLHO POR OLHO tem um elenco repleto de caras famosas ou conhecidas, daquele tipo que você bate o olho e diz: "Já vi ele em algum lugar". Veja só: tem Sela Ward como esposa do herói e Soon-Tek Oh como vilão (ele que já tinha enfrentado Chuck Norris em "Braddock 2"). Do lado da lei, temos Ronny Cox ("Um Tira da Pesada", "Robocop"...) e Bernie Casey (Felix Leiter em "007 - Nunca Mais Outra Vez"). Do lado dos malvados, aparecem também Peter Kwong (um dos ninjas voadores de "Os Aventureiros do Bairro Proibido"), Eric Lee (um dos heróis do mesmo filme) e Al Leong (aquele cabeludo de barbicha que é sempre o capanga do vilão em aventuras como "Duro de Matar" e "Máquina Mortífera").
É pouco? Quer mais? Então, também aparecem em estilo "piscou, perdeu" Sarah Douglas (a vilã kriptoniana de "Superman 2") como advogada, Shannon Tweed (estrela da finada Sexta Sexy) como gostosa de biquíni, e o anão Phil Fondacaro ("Bordel de Sangue", "Terra dos Mortos") como bartender. Ah, o IMDB também informa que a ex-esposa de Kurt Russell, Season Hubley (a prostituta devorada pelos canibais em "Fuga de Nova York"), também aparece no filme, mas essa eu não reconheci.
OLHO POR OLHO começa no Vietnã, nos dias que antecedem o final do conflito, e a primeira cena já mostra que é impossível levar o filme a sério: o sub-galã Kove aparece vestido e camuflado como Schwarzenegger no final de "Comando para Matar", coberto de armas e com sua cobra venenosa de estimação (!!!) enrolada no pescoço!
Após uma ação desastrosa que inclui a ameaça de ratos com granadas amarradas ao corpo (ratos-bombas?!?), o herói John Steele (Kove) e seu parceiro Lee (Robert Kim) descobrem que há um traidor no seu batalhão, o tenente Kwan (Soon-Tek Oh), que pretende aproveitar que a guerra acabou para fugir para os Estados Unidos com uma fortuna roubada.
A "discussão" termina com a dupla de heróis baleada e Kwan mortalmente ferido com a lâmina de uma baioneta. Mas é claro que ele sobrevive para infernizar o herói anos depois...
...nos dias atuais (no caso, 1987). Enquanto Steele transformou-se num veterano do Vietnã alcoólatra que não consegue parar num emprego e nem segurar a esposa insatisfeita Tracy (Sela Ward), Kwang tornou-se um milionário e cidadão respeitável, embora por baixo dos panos seja um dos grandes traficantes de cocaína dos EUA. Ele é aquele tipo de vilão de respeito que executa uma família a sangue-frio e horas depois doa milhões de dólares para a construção de um hospital.
Pois embora vivam na mesma cidade, nem Kwang nem Steele conhecem o paradeiro um do outro (aham). Seus destinos voltam a se cruzar quando o vilão ordena a chacina da família de Lee, que agora é um policial da Narcóticos. Todos são mortos, mas, para o azar dos bandidos, Steele estava na casa como convidado para o jantar, e consegue matar alguns dos capangas do vilão e proteger a filha de Lee, Cami (Jan Gan Boyd).
A partir de então, os velhos inimigos voltam a entrar em rota de colisão. Kwang insiste que precisa terminar o serviço e matar Cami a qualquer preço, mesmo que para isso precise mandar homens armados com metralhadoras para um tiroteio num hotel de luxo durante a filmagem de um videoclipe (sutileza zero).
Já Steele declara guerra a Kwang e seu filho Pham (Peter Kwong), e isso envolve entrar com a maior facilidade no arsenal de um quartel do exército (!!!) para roubar armas de grosso calibre - e até um tanque experimental!!! - para o confronto final com os vilões!
OLHO POR OLHO está repleto de todo e qualquer clichê dos "macho action films" do período. Cena inicial no Vietnã, onde começa a desavença entre herói e vilão? Confere. Herói suado e sem camisa, com faixinha amarrada na testa e camuflagem preta no rosto? Confere. Vilões vietnamitas e traficantes de drogas? Confere. Briga no bar? Confere. Interrogatório a pancadas? Confere. Briga na prisão? Confere. Fuga da cadeia vestido com uniforme do guarda? Confere. Vilão usando a amada do herói como refém? Confere. Tiroteio final num armazém abandonado perto do porto? Confere. Melhor amigo morto? Confere. Herói protegendo filho do amigo morto? Confere. Montagem de cenas do treinamento do herói ao som de uma música pop sofrível dos anos 80? Confere. Montagem de cenas em close do herói preparando suas armas para a batalha final? Confere. E por aí vai...
Enfim, é quase uma enciclopédia de clichês dos filmes de ação dos anos 80, com direito a frase de efeito no trailer e no pôster de cinema ("You Don't Recruit John Steele. You Unleash Him."), e um herói com nome curto e fácil de lembrar, Steele, que ainda por cima tem pronúncia parecida com a palavra inglesa steel (aço), o que só pode ter sido intencional.
Se isso, mais a presença de tantos atores conhecidos no elenco, já não fosse motivo mais do que suficiente para recomendá-lo, OLHO POR OLHO ainda tem outras qualidades para confirmá-lo como autêntico "Filme para Doidos".
As cenas de ação, por exemplo, funcionam, embora não tenham nada de muito espetacular. Há um montão de tiroteios, carros explodindo e um pequeno massacre no final, quando também rola uma rápida luta de espadas entre herói e vilão. Está na cara que o filme é barato, mas ainda assim com uma realização bem-cuidada, diferente de quase tudo que Kove faria depois.
Também tem momentos hilários, como quando Kwang usa a esposa de Steele como refém e o herói simplesmente responde "Ex-esposa" antes dar ele mesmo um tiro na moça (depois descobrimos que ela está bem e que o tiro foi apenas de pressão, mas mesmo assim é uma surpresa na hora em que acontece!). Ou a "auto-medicação" de Steele após ser atingido por um dardo envenenado (não pergunte...), cauterizando o ferimento com uma frigideira quente sem nem sequer fazer cara feia! Ou, ainda, a hilária cena da luta na prisão, quando Steele usa um cabo de vassoura como arma, já que algum faxineiro desleixado deixou sua vassoura abandonada EXATAMENTE na porta da cela!!!
O curioso é que Martin Kove tinha potencial para se transformar num divertido herói de ação classe B, mas desperdiçou essa sua chance de ouro por levar o papel de Steele muito mais a sério do que deveria. Na cena final, quando ele se despede do capitão de polícia (Ronny Cox, quem mais?) com um sorrisão maroto na cara, é impossível não ficar pensando que Kove devia ter feito o filme inteiro daquele jeito bonachão, ao invés de tentar "atuar" (ele saiu-se muito melhor no posterior "Projeto Mortal" como herói engraçadinho).
Para encerrar, não sei se Quentin Tarantino viu OLHO POR OLHO (e deve ter visto, porque aquele mala viu tudo), mas é muito provável que tenha se inspirado numa cena daqui. (SPOILER)Acontece que a cobra de estimação de Steele chama-se "Três Passos", porque seu veneno é tão forte que a vítima picada só consegue dar três passos antes de morrer. Dito e feito: um vilão picado pela cobra dá três passos (contados lentamente pelo herói) antes de cair estatelado no chão, exatamente como David Carradine após receber o golpe dos "cinco pontos que explodem o coração" no final de "Kill Bill - Volume 2"!(FIM DO SPOILER)
E se a carreira de Martin Kove não decolou depois dessa bagaça, tampouco a do diretor-roteirista Robert Boris. Depois desse, ele só dirigiu mais três filmes, sendo que o mais conhecido é "Frank & Jesse - Fora-da-Lei", um western de 1995 que quase ninguém viu (apesar do elenco liderado pelos famosões Rob Lowe e Bill Paxton).
Se você está com saudade daquelas aventuras toscas, absurdas e engraçadíssimas da década de 80, em que um sujeito só enfrenta dezenas de vilões e vence, sem nenhuma pretensão de ser realista ou "passar mensagem", não deixe de procurar uma cópia de OLHO POR OLHO. Ele é tudo que "Os Mercenários" quis ser e não conseguiu.
Aliás, falando nele: Ei, Stallone!!! Não deixe de convidar Martin Kove para "Os Mercenários 2"!!!
PS 1: Só para nos lembrar que essa é uma típica produções dos anos 80, temos a participação especial de Astrid Plane (vocal da banda Animotion) cantando num music video que está sendo filmado antes de um tiroteio dos diabos. Para quem não lembra da banda e nem da moça, um de seus maiores sucessos era "Obsession", que você pode ouvir clicando aqui.
PS 2: "Olho no Olho" foi o título nacional que o filme recebeu quando lançado inicialmente no país, pela Transvídeo. Anos depois, a Reserva Especial mandou-o de volta para as locadoras rebatizado como "Steele Justice - O Justiceiro".
Trailer de OLHO POR OLHO
******************************************************* Steele Justice (1987, EUA) Direção: Robert Boris Elenco: Martin Kove, Sela Ward, Soon-Tek Oh, Ronny Cox, Bernie Casey, Joseph Campanella, Peter Kwong e Robert Kim.
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