Filmes Legais
Faroeste caboclo
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Um policial jovem e idealista passa a fazer parte de um grupo de elite da polícia e fica revoltado com os métodos violentos dos colegas, que são incentivados pelo seu superior. Porém, à medida que o combate ao crime revela-se cada vez mais violento e desleal, o próprio protagonista rende-se à brutalidade que antes condenava, tornando-se "um deles".
Parece até "Tropa de Elite", mas não é. Este é o argumento de
FEDERAL, filme policial de Erik de Castro (do documentário "Senta a Pua!", sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial), que finalmente chegou aos cinemas.
O filme começa com um múltiplo assassinato numa área nobre de Brasília. O Comando de Operações Táticas (COT) da Polícia Federal, espécie de Bope da PF, entra em cena, representado pelo veterano delegado Vital (Carlos Alberto Riccelli, ótimo), pelo novato Dani (Selton Mello) e pelos policiais civis Rocha (Christovam Neto) e Lua (Cesário Augusto), dupla recentemente convocada por Vital para integrar um grupo de "intocáveis" na PF.
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"Investigando" o crime (o que inclui, claro, a violenta tortura de um suspeito com a técnica do saco plástico), Rocha e Lua acabam recebendo uma pista não-relacionada aos assassinatos, sobre uma nova boca de tráfico que abriu no subúrbio. Pode ser a chave para prender Béque (o músico Eduardo Dussek!), um perigoso traficante de drogas que a polícia procura há anos.
Ao longo da caçada (e do filme), o personagem de Selton Mello passará por um processo de "brutalização". Inicialmente revoltado com os métodos usados pelos seus colegas - e incentivados por Vital -, Dani compara-os à Ditadura Militar. Mas, à medida que progride na investigação, acabará tragado para dentro desse mundo violento.
Era inevitável: a crítica dita especializada (os mesmos de sempre, que eu e você conhecemos bem) logo sentou o pau no filme, sem dó nem piedade, taxando-o de mera cópia carbono de "Tropa de Elite", e usando termos "sofisticados" como "mise-en-scène" e "contra-plongeé" para desmerecer o trabalho do cineasta brasiliense.
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O fato de
FEDERAL trazer o personagem de um superior violento à la Capitão Nascimento, cuja esposa também está grávida, ou ainda a cena em que um suspeito é torturado com um saco plástico na cabeça, também depõem contra ele na acusação de ser uma mera cópia de "Tropa de Elite".
A própria cena final, em que o policial idealista entrega-se à barbárie e "se transforma" no seu superior, é muito parecida com a do filme de José Padilha.
Falando em sua defesa, o diretor e co-roteirista Erik garantiu que seu roteiro foi escrito ainda nos anos 80, e que
FEDERAL estava sendo produzido nos últimos quatro anos, portanto antes de "Tropa de Elite" ser lançado. Não sei de quando é o roteiro, mas atesto que já sabia do projeto de
FEDERAL há no mínimo uns três anos - esta é mais uma produção brasileira que sofreu com as incontáveis dificuldades de se fazer cinema no país.
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Pessoalmente, acho que as semelhanças com "Tropa de Elite" não tiram os méritos desse filme policial bem interessante. Até porque se formos reclamar de "argumentos parecidos", 90% dos filmes de ação norte-americanos precisariam ser criticados pela mesma ótica.
A própria sessão de
FEDERAL que peguei, no Shopping Santa Cruz, foi precedida pelo trailer de "Centurião", de Neil Marshall, e o casal na minha frente logo reclamou:
"Ah não, outra cópia de 'Gladiador'!". Como se qualquer filme sobre a Roma Antiga feito pós-"Gladiador" fosse cópia dele. Aliás, como se ninguém tivesse feito filmes sobre a Roma Antiga ANTES de "Gladiador"! Quando são espectadores com pouca cultura cinematográfica eu até entendo; duro é a crítica embarcar na onda.
Portanto, é uma pena que o filme brasiliense tenha estreado logo agora, quando as pessoas ainda estão maravilhadas com "Tropa de Elite 2" (ainda em cartaz e ainda com filas na entrada do cinema).
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A concorrência é injusta, porque
FEDERAL também toca (de leve) nos mesmos temas dos dois filmes de José Padilha: a corrupção no Palácio do Planalto (de onde vem um telefonema anônimo para o vilão, garantindo impunidade, em certo momento do filme), as ONGs de fachada, a relação de figurões (advogados, pastores de seitas moderninhas) com o tráfico de drogas, e as festas descoladas onde a classe média alta se esbalda de drogas.
A diferença é que a Erik de Castro, ao contrário de Padilha, não interessa tanto a crítica social, a investigação das raízes da corrupção e a denúncia;
FEDERAL é, para todos os efeitos, um filme de AÇÃO, onde esses elementos aparecem, mas sem o mesmo destaque que em "Tropa de Elite".
Repleto de defeitos (a única coisa que a crítica brasileira viu),
FEDERAL também tem muitas qualidades, que apontam um caminho para a produção nacional de filmes policiais e/ou de ação, dando ao público exatamente o que ele quer ver: tiroteios, socos, sangue e até um festival de nudez gratuita e cenas de sexo que não existem em "Tropa de Elite".
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Eu diria que este é um filme bem mais popularesco que a obra de José Padilha, e certamente será melhor apreciado por aquele público que não gostou tanto de "Tropa de Elite 2" por ter poucos tiroteios e muitos diálogos. Porque aqui o bicho pega.
A dobradinha "sexo e violência" aproxima
FEDERAL do inconsequente cinema de ação dos anos 80, quando o roteiro teria sido originalmente escrito - como comprova a participação de Eduardo Dussek como ator e da banda brasiliense Plebe Rude na trilha sonora, músicos populares daquela década.
Falando em termos de Brasil, lembra a produção do prolífico Tony Vieira, que dirigia filmes policiais cheios de tiros, mulher pelada e sem frescuras justamente para o povão.
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Para alguns críticos (como o conhecido P.V.), essa semelhança é motivo de vergonha. Aqui no
FILMES PARA DOIDOS não.
FEDERAL é Tony Vieira para o século 21: sem frescura e sem freios. Torço muito para que consiga atingir seu público, algo que "Segurança Nacional" (outra tentativa recente de se fazer cinema de ação brasileiro) não conseguiu.
E já que falamos nele,
FEDERAL é superior a "Segurança Nacional". Mas aí também não precisava muito: aquele era mais válido pelo ar trash do que por seus méritos.
Mesmo com os óbvios problemas técnicos da produção (os tiroteios e cenas de ação ainda soam muito falsos, especialmente em comparação a "Tropa de Elite"),
FEDERAL traz algumas boas surpresas, principalmente na caracterização do seu quarteto de protagonistas: todos são "heróis" cheios de defeitos.
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O personagem de Selton Mello, por exemplo, reclama dos métodos dos colegas, mas esconde o fato de ser viciado em drogas (algo meio hipócrita quando se está combatendo justamente o tráfico). Outro dos "heróis", Lua, é um alcoólatra em recuperação que não suporta a tensão do trabalho e passa os momentos de folga limpando sua arma ao invés de dialogar com a esposa.
Já o Rocha de Christovam Neto surge como alívio cômico, e tem uma cena impagável em que transa com uma mulata apenas para descobrir que um dos seus amigos já havia "feito o serviço" na moça momentos antes.
O melhor do filme, entretanto, é o Vital de Carlos Alberto Riccelli. É muito fácil compará-lo ao Capitão Nascimento de Wagner Moura, já que ambos compartilham esposa grávida, métodos truculentos e frases reacionárias como
"A única coisa que não pode acontecer é perder pra vagabundo". Numa cena, Vital orienta seus subordinados a atirarem na cabeça de uma testemunha que está no hospital, caso seus cúmplices tentem resgatá-la.
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A diferença entre Vital e Nascimento é que o personagem de Riccelli não está puto com a situação desde o início, como Wagner Moura em "Tropa de Elite". Vital é apresentado como um policial que gosta e acredita no seu trabalho, e que vai "perdendo a fé" aos poucos, percebendo que luta uma guerra sem chance de vencer.
Para isso contribui a presença do ator norte-americano Michael Madsen como Sam Gibson, um agente corrupto do DEA (órgão de combate às drogas dos Estados Unidos) que facilita o acesso dos traficantes brasileiros a materiais ilegais. Quando Vital encara Gibson, o gringo dá a mesma desculpa dos policiais corruptos de "Tropa de Elite": que passou a vida inteira arriscando o pescoço em troca de nada e agora quer garantir sua aposentadoria.
(É uma pena que Madsen seja sub-aproveitado no filme. Confesso que queria vê-lo numa cena de ação, e não apenas gastando seu inglês com Riccelli.)
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Uma das coisas que mais me agradou em
FEDERAL é a coragem do diretor em não poupar seus protagonistas. Lembrando filmes policiais estrangeiros recentes, como "Atraídos pelo Crime" e "Os Infiltrados" (e o filme em que este se baseia, "Conflitos Internos"), quase todo mundo se dá mal na conclusão, e o roteiro chega a eliminar dois personagens principais de uma só vez, numa cena surpreendente e totalmente inesperada!
Infelizmente, a narrativa apresenta alguns problemas graves (e olha que o roteiro estaria sendo trabalhado desde os anos 80!). A apresentação dos personagens principais é truncada, e demora para descobrirmos quem são os protagonistas; o vilão, Béque, só aparece depois de meia hora, participa pouco da trama e praticamente não oferece nenhum perigo (as notas de produção dizem que ele é filho de políticos influentes de Brasília, mas isso nunca é mencionado).
Na metade do filme, quando um dos personagens diz que Vital criou um grupo de policiais incorruptíveis e bons atiradores (à la "Os Intocáveis") para combater o vilão, eu até imaginei que teríamos uma cena de flashback para explicar como e porquê aqueles homens foram selecionados, mas é outro ponto em que o roteiro fica devendo mais profundidade.
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Também aconteceu algo semelhante a "Tropa de Elite": Selton Mello deveria ser o protagonista, mas a câmera está sempre acompanhando o personagem de Carlos Alberto Riccelli, de forma que Selton se transforma quase em coadjuvante.
A mim não incomodou, já que acho Selton Mello intragável (como Lázaro Ramos, ele parece interpretar sempre o mesmo papel, e não faz diferente aqui). Mas a idéia do policial dividido, que combate o tráfico enquanto é usuário de drogas, infelizmente é pouco aproveitada.
E tem aqueles problemas tradicionais de diretor de primeira (ou segunda) viagem, como um tiroteio, no final, filmado e editado de maneira confusa (não se sabe quem atira em quem), e uma cena pavorosa em que a "câmera na mão" segue Ricceli e Madsen enquanto eles descem uma escada (a câmera treme tanto que parece até "A Bruxa de Blair 3"!).
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Apesar desses defeitos, encarei
FEDERAL como um filme despretensioso e bem divertido, que cumpre o que promete - além de trazer as tais reviravoltas no ato final que realmente pegam o espectador de surpresa.
Sem contar que, como em "Tropa de Elite" e "Rota Comando", temos aqui um dos raros filmes brasileiros a enfocar o papel da polícia, e não do bandido (pois cineasta brasileiro adora glorificar o mundo do crime, algo que não é de hoje).
Diferente de "Tropa de Elite", em que tudo se resolve na porrada, aqui até tem algumas cenas que mostram os policiais investigando o caso (acompanhando o movimento de uma boca de tráfico, por exemplo), algo que levou o diretor a comparar, exageradamente, o seu filme com o clássico "Operação França", de William Friedkin.
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Meu conselho é que corram aos cinemas para ver
FEDERAL na tela grande, com todos os seus defeitos e qualidades, pois, como "Segurança Nacional", o filme de Erik de Castro dificilmente permanecerá muito tempo em cartaz.
E não dê bola para críticas toscas com frases como
"O Brasil começou a investir há pouco tempo no gênero policial" (claro, "Assalto ao Trem Pagador" é APENAS de 1962!).
Se estivéssemos nos anos 80,
FEDERAL certamente seria produzido pela Cannon e lançado em VHS pela América Vídeo, o que já dá uma idéia da proposta.
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Que venham mais filmes nacionais como este, pois não é só de "Tropa de Elite" que vive o espectador brasileiro fã de ação ou de histórias policiais. E há MUITAS boas histórias do gênero para contar aqui no país, como mostram os seriados "9MM: São Paulo" e "Força Tarefa" (e vem aí o longa "Assalto ao Banco Central", que também promete).
Como se sabe, o que falta é investimento, e quem sabe um pouquinho de valorização. Mas aí o buraco é mais embaixo.
PS 1: Sérgio Farjalla Jr. assina os efeitos especiais do filme. Ele é filho de Sérgio Farjalla, um dos primeiros técnicos de FX do país, que trabalhou em clássicos como "Perdidos no Vale dos Dinossauros" e "O Segredo da Múmia".
PS 2: O amigo Osvaldo Neto, do blog Vá e Veja, postou uma seleção de entrevistas com Michael Madsen sobre
FEDERAL. Vale uma olhada, porque o ator também fala sobre a sua carreira e a amizade com Quentin Tarantino.
PS 3: Sua personagem não faz muita coisa, mas é injustiça não citar a bela Carolina Gómez (a lindinha aí embaixo), ex-Miss Colômbia que enfeita diversas cenas com seu corpão seminu, "interpretando" a namorada de Selton Mello.
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