J. Jonah Jameson, o editor-chefe do Clarim Diário, sempre esteve certo: o Homem-Aranha não é um herói, mas sim uma ameaça. Ele pode até enganar bem e fazer pose de "amigão da vizinhança" lá em Nova York, mas na Turquia, quem diria, o Cabeça de Teia é o sádico chefe de uma quadrilha de falsificadores de dólares, e diverte-se decepando a cabeça de uma garota com a hélice de uma lancha ou fazendo ratos famintos devorarem o rosto de um capanga que falhou em sua missão!!!
Mas, para a sorte das pessoas de bem, a ameaça aracnídea está com os dias contados, pois a polícia de Istambul contrata os serviços do Capitão América (!) e de sua namorada, a agente secreta Júlia (!!), para combaterem o Homem-Aranha, auxiliados pelo lutador mexicano de luta-livre El Santo (!!!).
Antes que você pense que estou bem no meio de uma viagem lisérgica, permita-me explicar que este é, em poucas palavras, o resumo do inacreditável filme turco 3 DEV ADAM, que, em bom inglês, significa "Three Mighty Men", e em bom português "Três Homens Fantásticos". Mas esta produção de 1973, dirigida por T. Fikret Uçak, correu o mundo em cópias piratas com um quilométrico e chamativo título popular: "Capitão América e Santo Contra o Homem-Aranha".
Uma explicação que é necessária, para os marinheiros de primeira viagem: entre os anos 50-70, a Turquia teve uma rica produção cinematográfica que usava e abusava das fórmulas de sucesso daquele período - no caso, os seriados norte-americanos. Os turcos filmavam versões baratas de filmes de bangue-bangue, de super-heróis, e por aí vai. A partir dos anos 70, começaram a usar sem vergonha na cara personagens populares, como Super-Homem, Batman, Homem-Aranha e Capitão América, obviamente que sem pagar um tostão de direitos autorais (os filmes só passavam nos cinemas turcos mesmo...).
Mas o auge da cara-de-pau veio com as famosas "versões turcas" de sucessos do cinema: eram quase cópias xerox, aproveitando o mesmo roteiro das superproduções norte-americanas. Foi neste período que surgiram barbaridades como "Seytan" ("O Exorcista" turco), "Dünyayi Kurtaran Adam" ("Star Wars" turco), "Turist Ömer Uzay Yolunda" ("Jornada nas Estrelas" turco), "Korkusuz" ("Rambo" turco) e "Badi" ("ET - O Extraterrestre" turco), entre outras tosqueiras engraçadíssimas.
Melhores momentos (???) do filme
3 DEV ADAM é desta época e simplesmente brilhante na sua ingenuidade: Capitão América, El Santo e Homem-Aranha mostrados na película não têm absolutamente nada a ver com os personagens originais, e só estão na trama porque eram nomes populares e chamavam público para os cinemas!
Dessa forma, Capitão América e El Santo são mostrados como dois agentes secretos que aparecem o tempo todo em "roupas civis", e só vestem seus uniformes coloridos e máscaras na hora da ação; já o Homem-Aranha aqui é um vilão cruel que mata milionários de Istambul para roubar obras de arte e revender a preço de ouro nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que distribui dólares falsos no México e... no Brasil!!! Maldito aracnídeo!
A prova de que as versões turcas não têm nada a ver com os personagens originais - além, é claro, dos nomes e das versões toscas dos uniformes - é que o Capitão América aqui não tem escudo e nem as tradicionais "asinhas" nas laterais da sua máscara, o El Santo não sabe lutar luta-livre, e o Homem-Aranha é um pançudo com uniforme desbotado e uma máscara ridícula que deixa à mostra seus olhos e as grossas sobrancelhas (que mais parecem taturanas), e que não dispara teias nem escala paredes - pelo contrário, o sujeito mais de uma vez aparece fugindo de carro!
Mesmo assim, 3 DEV ADAM bateria todos os recordes de processos judiciais da história do cinema, se houvesse alguma lei de direitos autorais na Turquia...
O filme começa com o Homem-Aranha ("interpretado" por Deniz Erkanat), acompanhado por sua amante masoquista Nadja (versão turca da Mary Jane?) e por um grupo de capangas da sua quadrilha, executando uma garota por algum motivo que o roteiro não se preocupa em explicar. Seria muito fácil dar um tiro na cabeça da coitada, mas o vilão aqui é uma espécie de Jigsaw, da série "Jogos Mortais": ele prefere enterrar a moça na areia, deixando apenas sua cabeça para fora, e então usar o motor de um barco para arrebentar a fuça da vítima, enquanto gargalha sadicamente.
Corta para o Capitão América (Aytekin Akkaya, clone turco do Dedé Santana, que também apareceu no clássico "Star Wars" turco), Júlia (Mine Sun) e El Santo (Yavuz Selekman) chegando no aeroporto de Istambul e encontrando o comissário Orhan (interpretado por Dogan Tamer, roteirista do filme). Ele pede a ajuda do trio de heróis para encerrar o reinado criminoso do vilão aracnídeo.
Porrada: Capitão América versus Homem-Aranha!
Depois de um comentário óbvio para justificar a mudança de idioma ("Puxa, Capitão América, não sabia que você falava turco tão bem!"), nossos heróis começam a procurar a localização do esconderijo da quadrilha do Homem-Aranha. Isso envolve, como nos filmes policiais norte-americanos, visitas a uma boate de strip-tease!
A partir da chegada do trio de heróis a Istambul, não tem mais muita história: eles fingem que investigam o caso e, no processo, enfrentam os capangas do Homem-Aranha e o próprio vilão infinitas vezes, a cada cinco ou dez minutos, numa seqüência interminável de barulhentos chutes e socos. Ah, e por "investigar" leia-se "olhar cenas de crimes usando lupas" (!!!), como naquelas caricaturas de detetives dos quadrinhos.
Seguindo a linha de várias produções turcas do período, 3 DEV ADAM é pura ação, violência e sensualidade. O documentário "Turkish Pop Cinema", de Andrew Starke e Pete Tombs, explica que o povo da Turquia era muito fechado e cheio de pudores, e por isso era comum que seus filmes extrapolassem nos limites de sexo e violência (mais ou menos como acontece também no Japão). Aqui não há tanto sangue, mas a violência está sempre presente, com uma sessão de pancadaria a cada cinco minutos e inclusive sopapos em garotas indefesas; também não há nudez, mas volta-e-meia aparece algum show sexy de strip-tease, alguma cena de banho ou um casal transando sem aparecer muita coisa...
As cenas de luta lembram o que faziam, comicamente, a dupla Terence Hill e Bud Spencer, ou mesmo Os Trapalhões, mas aqui são levadas a sério: os heróis nunca usam armas e fazem malabarismos circenses, sem dublês, pendurando-se no teto para realizar acrobacias e dar cambalhotas. Tem até uma cena em que El Santo vai parar no meio de uma escola de karatê, mera desculpa para mais 5 minutos de pancadaria gratuita.
Um detalhe completamente sem pé nem cabeça do filme (como se o resto fizesse sentido...) é o fato de o malvado Homem-Aranha conseguir gerar clones toda vez que morre! No primeiro confronto do Capitão América e de El Santo com o vilão, toda vez que o sujeito morre, imediatamente aparece no recinto um clone rindo sadicamente e atacando os heróis! Eu até pensei que os capangas da quadrilha usassem uniformes iguais aos do seu chefe para enganar os heróis, mas logo fica evidente que não são imitadores, mas sim CLONES mesmo! Pois é, os caras anteciparam a clássica "Saga dos Clones" do gibi do Aranha em uma duas décadas!!!
Esta maluquice dos roteiristas torna-se ainda mais bizarra no combate final do Capitão América com o vilão: o herói vai despachando os clones de maneira violenta (inclusive esmagando a cabeça de um deles numa prensa), e logo no instante seguinte pipoca um clone nas suas costas dando uma risada maléfica, do tipo "Hahaha, você matou o errado novamente!". Pena que o vilão seja muito burro, e, ao invés de "clonar-se" para escapar de fininho, logo denuncia o surgimento de uma nova cópia com sua espalhafatosa risada sádica, fazendo com que o herói parta imediatamente para trocar porradas com o "novo Homem-Aranha" que surgiu. Juro que queria saber o que tem na água que estes turcos tomam...
Para quê teias quando se tem ratos assassinos?
É realmente muito engraçado ver El Santo (que nos filmes "oficiais" do personagem está sempre mascarado) e o Capitão América (dificilmente sem uniforme nos gibis) desfilando o tempo inteiro com suas "identidades civis", e usando máscaras e uniformes apenas nas cenas de ação (não me pergunte qual o motivo, considerando que mocinhos e vilões conhecem a identidade secreta de ambos desde o início!). Pelo menos o comissário tenta explicar a roupa do Homem-Aranha ao dizer que ele é "um lunático com mente infantil e fixação por máscaras". Mas e no caso dos heróis?
Completando a lista de bobagens, o Homem-Aranha aparece até transando (sem máscara, pelo menos) com sua fogosa amante, uma cena que você dificilmente vai ver na trilogia dirigida por Sam Raimi - uma pena, porque assim quem sabe os filmes seriam mais divertidos. A transa é entrecortada por inexplicáveis cenas em que bonecos que estão numa prateleira do quarto aparecem se movendo e rindo como se estivessem vivos (terão saído da série "Puppet Master"?)! E é só o Cabeça de Teia "esvaziar o saco" para imediatamente colocar de volta a sua máscara!
Claro que o cinema turco em geral não é para qualquer um, e somente "iniciados" nesse tipo de barbaridade vão curtir, embora o filme seja um pouquinho mais convencional e fácil de acompanhar que outras produções turcas do período. Quem conseguir olhar além da ruindade evidente da película, vai encontrar em 3 DEV ADAM um filme divertido, curto (dura apenas 1h18min) e que rende algumas boas risadas pelo clima geral de insanidade e principalmente pela pilantragem da produção.
Infelizmente, os negativos originais foram destruídos, e hoje só circula pela net uma cópia muito ruim gravada da TV, com qualidade quase zero de imagem. Há alguns anos saiu também um DVD pirata, já fora de catálogo, mas quem viu garante que a imagem tratada está só um pouquinho melhor que a da cópia mais conhecida, porém ainda bem longe do ideal.
Como o filme foi originalmente produzido com uma merreca e é bastante mal-finalizado (aparecem até as emendas dos rolos de filmes em alguns trechos!), a baixa qualidade da coisa toda acaba até fazendo parte da brincadeira. E o melhor: se há pouco tempo era preciso encará-lo "a seco", em turco e sem legendas (acredite, eu fiz isso, sem entender absolutamente nada do que se passava), hoje já tem legendas em inglês dando sopa nos sites do gênero. Mais um motivo para conferir esta preciosidade.
Vale destacar, também, que por enquanto 3 DEV ADAM é a melhor adaptação do Capitão América para o cinema (muito mais divertida que aquela bomba dirigida pelo Albert Pyun, pelo menos). E agora é esperar que a Marvel produza a sua versão oficial. De preferência sem clones do Homem-Aranha...
Trailer (satírico) de 3 DEV ADAM
**************************************************************** 3 Dev Adam/Three Mighty Men/Captain America and Santo Vs. Spider-Man (1973, Turquia) Direção: T. Fikret Uçak Elenco: Aytekin Akkaya, Deniz Erkanat, Yavuz Selekman, Teyfik Sen, Dogan Tamer, Mine Sun, Altan Günbay, Ersun Kazançel e Osman Han.
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