OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS (1978)
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OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS (1978)



Alguns filmes são "hors concours" nas listas de piores de todos os tempos, como "Plan 9 From Outer Space", de Ed Wood, ou "Robot Monster". Injustamente, ninguém nunca lembra do cinema brasileiro ao fazer essas listas. E digo injustamente porque OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS deveria estar no topo de qualquer lista das maiores bombas da história fílmica.

Para quem achou que "As Aventuras de Sergio Mallandro" era o grande clássico do trash nacional, conferir essa produção dos Trapalhões, produzida em 1978, será uma verdadeira prova de fogo. Inassistível por qualquer ser humano com idade mental acima dos 6 anos, talvez seja o grande "trash dos trashes" do cinema brasileiro, e uma lenda no exterior por causa do seu título alternativo: "Brazilian Star Wars"!


O título em português (Guerra dos Planetas) já entrega a fonte de inspiração do roteirista Renato Aragão: "Guerra nas Estrelas" (ou, atualmente, "Star Wars Episódio 4 - Uma Nova Esperança", como é chamado pelos nerds), o primeiro filme da saga interplanetária de George Lucas, lançado no ano anterior (1977) e um sucesso de bilheteria também no Brasil.

A farta bilheteria das aventuras de Luke Skywalker animou produtores inescrupulosos ao redor do globo. Os italianos, reis da picaretagem cinematográfica, não demoraram a realizar as mais diversas cópias de "Star Wars" (diversas também em criatividade e qualidade), de "Star Crash", de Luigi Cozzi, ao hilário "O Humanóide", de Aldo Lado. Mas o auge da loucura plagiadora certamente é o clássico "Dünyayı Kurtaran Adam", ou "Star Wars Turco", realizado em 1982.


Pois OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS rivaliza em ruindade com o "Star Wars Turco".

O cinema brasileiro várias vezes utilizou a paródia para brincar com superproduções hollywoodianas, especialmente nos tempos da chanchada - quando saíram filmes tipo "Matar ou Correr" e "Nem Sansão Nem Dalila".

Para os Trapalhões, paródia não era novidade. Afinal, quase todos os seus filmes até então eram versões cômicas de clássicos da literatura ("A Ilha do Tesouro", "As Minas do Rei Salomão", "Robin Hood"...), e eles já haviam se aventurado com a sátira cinematográfica no anterior (e superior) "O Trapalhão no Planalto dos Macacos" (1976).


O próprio diretor de OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS, Adriano Stuart, egresso da Boca do Lixo, era um notório parodiador, tendo realizado dois outros clássicos do trash brasileiro: "Bacalhau" (1976), uma sátira a "Tubarão", e "Kung Fu Contra as Bonecas" (1975), brincadeira com os filmes de Bruce Lee e com o seriado "Kung Fu".

O problema do filme dos Trapalhões é que a paródia não funciona. Ao invés de brincar com os elementos de "Guerra nas Estrelas", o roteiro de Renato Aragão apenas empresta os seus principais elementos: a vila no deserto com iglus, que parece Tatooine; o herói que é cópia xerox de Luke Skywalker e que tem um ajudante com cara de cachorror à la Chewbacca; o vilão que é a cara (e a máscara) do Darth Vader; cenas como a da taverna de Mos Eisley...

SEPARADOS NO NASCIMENTO


Só que estes elementos são jogados na trama sem que se faça piada com eles. O Luke Skywalker brasileiro pode ser pobretão, mas é heróico, e não engraçado como deveria ser; o Darth Vader brasileiro pode vestir uma fantasia de baile de carnaval, mas é um vilão patético levado a sério, ao invés de ser tratado como piada - algo que Mel Brooks faria posteriormente com o "Darth Vader" de Rick Moranis em "Spaceballs", uma sátira de "Star Wars" feita quase 10 anos DEPOIS dos Trapalhões, e infinitamente mais engraçada.

Enfim, o riso vem da precariedade da produção, dos figurinos e dos efeitos especiais, mas sempre involuntariamente, e não porque era essa a proposta. As piadas "prontas", que deviam provocar risadas, nada causam além de tédio. O riso vem sempre nas horas erradas; por outro lado, a sensação de tempo perdido, e de "Porra, como esse filme é ruim", é constante.


OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS marca um momento importante dos Trapalhões. Primeiro, eles estavam mudando de trio para quarteto com a entrada de Mauro Gonçalves, o Zacarias (este é seu primeiro filme como Trapalhão; os outros traziam apenas Didi, Dedé e Mussum). Segundo, o grupo deixava a TV Tupi, onde fazia o maior sucesso com seu programa semanal, para ir à TV Globo, onde alcançaria uma projeção ainda maior.

O dedo da Globo na produção é perceptível, até porque o filme todo foi gravado não em película, como os anteriores, mas em videotape, um formato televisivo, que permitia maior rapidez e menos custos para filmar. A imagem em VT depois foi ampliada para 35mm, mas mesmo assim ficou muito estranha, mais com cara de "especial de televisão" do que de filme.

A aventura começa com uma interminável perseguição de automóveis sem diálogos, em que Didi e sua turma fogem de perseguidores anônimos (mais tarde, Dedé xinga Didi dizendo que ele deve aprender a não se meter com a mulher dos outros).


A seqüência já dá o tom do que vem pela frente: gigantesca, sem qualquer noção de ritmo, usa e abusa da inexpressiva trilha musical de Beto Strada, que praticamente martela os tímpanos do espectador.

Depois de despistar os perseguidores, os quatro amigos resolvem dormir ao relento no meio de um bosque, onde testemunham o pouso de uma tosquíssima nave espacial em esquema "chroma-key" (os discos voadores de "Plan 9..." parecem coisa do George Lucas depois disso).


Da nave sai o Luke Skywalker tupiniquim, rebatizado Príncipe Flick, e interpretado por Pedro Aguinaga - que à época era considerado um dos maiores gatões do Brasil, se é que essa informação serve para alguma coisa.

Flick pede a ajuda dos Trapalhões para combater o maligno Príncipe Zuco (que algumas fontes indicam ser interpretado por Carlos Kurt, vilão de quase todos os filmes do grupo na época). O vilão quer a outra metade de um poderoso computador para dominar a galáxia, mas pode esquecer, isso não faz diferença alguma na trama.

Diante da promessa do seu peso em ouro como prêmio, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias embarcam no disco com Flick e seu navegador, Bonzo (!!!), o Chewbacca brasileiro ("interpretado" por Emil Rached).


Chegando no planeta - um grande deserto imitando Tatooine -, o grupo entra numa gigantesca (literalmente) briga com os monstros de Zuco. Sem diálogos e repleta de efeitos digitais ridículos (como se alguém estivesse brincando com um velho teclado eletrônico Casio), esta cena de pancadaria é dose pra leão: dura uns 10 minutos, e parece ainda maior por causa dos efeitos de repetição (estilo replay) usados à exaustão.

Sabe aquilo que o "Pânico na TV" faz hoje, de repetir alguma bobagem qualquer até três ou quatro vezes? Pois devem ter aprendido aqui nesse filme dos Trapalhões, onde cada macacada ganha replay e repete três vezes, para desespero do espectador! (Se tiver paciência, veja a cena no vídeo no final desse texto.)

No meio da briga, Zuco foge com a amada de Flick, a princesa Myrna (Maria Cristina Nunes). A partir de então, o príncipe, Bonzo e os Trapalhões ficam circulando pelo filme sem muito rumo, visitando lugares como uma danceteria alienígena (emulando a "cena da cantina" de "Guerra nas Estrelas"), florestas com seres invisíveis e cavernas com aranhas gigantes (que ganham vida através de efeitos à la "Chapolim"!).


OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS devia se chamar "Zorra Total", já que do roteiro às piadas, dos personagens aos cenários, dos figurinos aos efeitos especiais, da música aos efeitos sonoros, NADA funciona!

Quase todas as cenas com "efeitos especiais" usam o "chroma-key", um dos recursos mais simplórios e artificiais da televisão (o mesmo utilizado nos episódios do "Chapolim", para o leitor ter uma idéia). Na cena dos homens-invisíveis, o chroma-key é tão vagabundo que você percebe pedaços das pernas e das mãos dos homens invisíveis, que "vazam" para dentro da imagem.

Chroma-key ruim de doer



Aliás, toda a parte técnica do filme é um fiasco, com destaque para o disco voador de brinquedo (cujo "trem-de-pouso" foi feito com desentupidores de pia!) e para a cena em que, no meio da pancadaria em "Tatooine", várias das "criaturas alienígenas" caem no chão revelando pernas humanas, meias humanas, tênis humanos e até as CUECAS HUMANAS dos figurantes por baixo da roupa de ET! Morra de inveja, Ed Wood!!!


Ainda assim, é possível encontrar alguns momentos marcantes nessa agonia.

Um destes momentos, de tão "sem noção", salta aos olhos. A cena mostra Didi comprando armas de raios de um vendedor alienígena. "Testando" as pistolas, o trapalhão desintegra (isso mesmo, DESINTEGRA) dois grupos de alienígenas e uma nave espacial!

Depois, quando o vendedor não aceita seus "cruzeiros" pela compra das armas, Didi simplesmente usa uma das pistolas para desintegrar o sujeito! A patrulha do "politicamente correto" certamente crucificaria os realizadores do filme caso ele fosse feito hoje.


Mas nada pode preparar o espectador para a conclusão, de longe uma das mais tristes e depressivas da história dos Trapalhões.

Em vários dos filmes anteriores do grupo, o personagem de Renato Aragão se apaixonava pela mocinha e a perdia para o "galã" secundário da trama. Aqui isso também acontece, mas de uma maneira muito dramática.

Acontece que o vilão Zuco confessa a Flick que sua amada princesa morreu durante o processo de preparação de um clone da moça (exato, a mocinha do filme MORREU!). Aí, Flick precisa contentar-se com a irmã dela, que vem a ser Loya (Wilma Dias), a namorada do Didi.


A cena é de partir o coração, e me espanta estar num filme "infantil": num momento, Didi e Loya estão fazendo planos de casar e morar para sempre no planeta alienígena; no minuto seguinte, Flick levanta e tasca um abraço e um beijo na namorada do "amigo", diante dos olhos estupefatos do Didi! Jamais uma cena igual seria feita hoje!

Outra qualidade de OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS é a participação (pequena) de uma das deusas da Boca do Lixo da época, a loira Arlete Moreira (que fez "Perversão", do Mojica), como namorada do Mussum.

Ela é um dos poucos motivos para ficar de olho no filme, ao invés de fazer qualquer outra coisa enquanto a "trama" se desenrola.


Apesar do humor do filme ser praticamente nulo, às vezes é possível dar algumas risadinhas de leve, especialmente em momentos que parecem ser os tradicionais improvisos de Renato Aragão.

Ao "imobilizar" o vilão Zuco com seus raios, por exemplo, Didi começa a fazer todo tipo de palhaçada com o sujeito, inclusive tirando seu capacete de Darth Vader para colocar na própria cabeça! É tanta micagem que parece que baixou o Sergio Mallandro no Didi!


OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS dificilmente seria lembrado, hoje, se não fosse pela sua associação com "Star Wars". Tanto que, lá fora, virou cult e peça disputada a tapa por colecionadores - principalmente quando o primeiro DVD do filme, lançado pela Som Livre ainda nos anos 90, esgotou.

É hilário ler as críticas dos gringos sobre a obra e vê-los questionando o humor "sem pé nem cabeça" (eles obviamente não conhecem os Trapalhões como nós), como na cena em que Didi rebola diante de uma aranha gigante (coisa que nós esperamos que o Didi faça, mas os gringos não). Aliás, Trapalhões lá fora é "The Tramps", e Didi é "Dee Dee". hehehehe.

Temos, assim, mais um FILME PARA DOIDOS com louvor, e só mesmo sendo doido para agüentar esse martírio até o final. Mesmo assim, confesso que já revi OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS umas dez vezes - e a cada reprise, continuo espantado com a ruindade da coisa toda!


E pensar que este é um dos maiores sucesso de bilheteria dos Trapalhões, quase empatando com a renda que o próprio "Star Wars" fez nos cinemas brasileiros na época: a "sátira" levou 5 milhões de espectadores aos cinemas, tornando-se uma das maiores bilheterias do cinema nacional de todos os tempos (mais que o público que foi ver "Tropa de Elite" e "Cidade de Deus", para dar uma idéia).

Também é o 3º filme mais rentável dos Trapalhões, atrás apenas do grande recordista "O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão" e de "Os Saltimbancos Trapalhões"!


É, assim, a prova de que Renato Aragão não tem nada de bobo, e estava antenado com o que acontecia no mundo do cinema da época.

Até porque, além de copiar "Star Wars", o filme traz uma coincidência estranhíssima: Didi aparece vestindo uma camiseta vermelha com a palavra "Flash" em letras brancas, IDÊNTICA àquela que seria utilizada por Sam Jones no filme "Flash Gordon" - que só foi filmado dois anos DEPOIS, em 1980!!! Eu jurava que era uma citação ao filme gringo até descobrir que os Trapalhões vieram antes.

Ah, e se você pensa que o diretor Adriano Stuart aprendeu com seus erros, pense de novo: dez anos depois, ele seria o responsável por "Fofão e a Nave Sem Rumo", outro escalafobético clássico trash brasileiro!

A pancadaria na Tatooine tupiniquim



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Os Trapalhões na Guerra
dos Planetas (1978, Brasil)

Direção: Adriano Stuart
Elenco: Renato Aragão, Dedé Santana, Mussum,
Zacarias, Pedro Aguinaga, Carlos Kurt, Emil Rached,
Maria Cristina Nunes e Arlete Moreira.



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