O inglês Roger Moore ficou eternamente marcado como o terceiro intérprete do espião James Bond no cinema (quinto, se contarmos as interpretações "não-oficiais" de David Niven e Barry Nelson nas versões anteriores de "Cassino Royale"). Seu Bond foi o mais cínico e engraçadinho, e acabou se transformando no preferido de toda uma geração que cresceu acostumada com o clima mais humorado e menos realista dos anos 80. Mas interpretar o famoso agente 007 ofuscou a carreira de Moore, e a maior parte do público hoje só lembra dele como "aquele cara que interpretava o James Bond engraçadinho". É uma pena, pois, numa carreira repleta de (poucos) altos e (muitos) baixos, o ator inglês envolveu-se neste divertido policial italiano chamado A CRUZ DOS EXECUTORES.
Rodado na Itália e em San Francisco em 1976, enquanto Moore descansava de interpretar Bond em "007 Contra o Homem da Pistola de Ouro" (1974) e se preparava para entrar no set de "O Espião que me Amava" (1977), A CRUZ DOS EXECUTORES não é exatamente um clássico entre os "poliziotteschi" da era de ouro, por uma série de problemas que acabam estragando aquele filmaço que o trailer desenhava.
O principal destes problemas é o fato de SEIS roteiristas terem colocado a mão no roteiro, e o que parece é que cada um tentou fazer a coisa à sua maneira: uns tentaram escrever um "poliziotteschi" típico, outros preferiram fazer um filme de Máfia, outros pensavam que era para ser um filme de ação com a tradicional dupla de parceiros engraçadinhos, e outros ainda provavelmente acreditaram estar fazendo uma versão macarrônica do clássico "Operação França", de William Friedkin.
A comparação não é exagero: além da trama aqui também envolver um carregamento de heroína enviado da Europa para os Estados Unidos, como no filme de Friedkin, um dos seis roteiristas (o responsável pelos diálogos) é Ernest Tidyman, que escreveu o roteiro de "Operação França"!
É até espantoso que, entre os muitos títulos alternativos que A CRUZ DOS EXECUTORES recebeu ao redor do mundo, um deles não tenha sido "The Sicilian Connection", para deixar ainda mais evidente que se trata de um rip-off do policial assinado por Friedkin. Já o título brasileiro não tem nexo: a Poletel, que lançou o filme em VHS no Brasil, simplesmente juntou, sem qualquer critério, dois dos títulos alternativos da película, "Gli Esecutori" (Os Executores) e "La Croce Siciliana" (A Cruz Siciliana). Parece que outras opções dos manés eram "A Execução da Cruz Siciliana" e "A Cruz dos Executores Sicilianos"...
Os outros cinco roteiristas são gente tão diferente quanto o norte-americano Randal Kleiser (diretor de "Grease" e "A Lagoa Azul"!!!), e os italianos Roberto Leoni (que ajudou a escrever "Santa Sangre", do Jodorowsky), Franco Bucceri, Nicola Badalucco e Maurizio Lucidi. Não é de se espantar que cabeças pensantes tão diversas tenham se atrapalhado na hora de decidir o encaminhamento que dariam à trama.
De todo jeito, o filme gira em torno de Ulysses (Moore), um advogado siciliano que passou a juventude estudando na Inglaterra (a forma encontrada pelos roteiristas para explicar seu carregado sotaque inglês). Ele trabalha para um chefão da Máfia em San Francisco, Salvatore Francesco (Ivo Garrani), que também é seu tio. A confusão começa quando uma antiga cruz siciliana é transportada para San Francisco como presente de um "doador anônimo" para a igreja local. No seu interior, traficantes espertinhos aproveitaram para camuflar uma fortuna em heroína.
A história chega ao conhecimento das famílias mafiosas da cidade, provocando grande comoção, já que todos são católicos fervorosos e condenam o uso de um artefato religioso para o transporte da droga. Para piorar, o padre responsável pela paróquia que recebeu a cruz como doação (interpretado por Franco Fantasia) descobre que o doador anônimo foi Salvatore, que era seu amigo de infância na Sicília.
O chefão confessa que foi mesmo o responsável por trazer a cruz aos Estados Unidos, mas garante não ter nada a ver com a heroína contrabandeada. Por isso, pede a ajuda dos chefes das outras famílias para que busquem e liquidem o responsável por aquele desrespeito, de forma a "limpar seu nome" com a igreja - ele foi até excomungado pela suspeita de ser o responsável pelo tráfico de drogas no interior da cruz!
É aí que Ulysses entra na história. Sabendo que a "caça às bruxas" tem tudo para virar um banho de sangue entre as famílias mafiosas, e negociando uma recompensa com um dos bandidões "por baixo dos panos", ele resolve investigar o caso por conta própria, auxiliado por um amigo americano, o piloto de grand prix Charlie Hanson (interpretado por Stacy Keach!!!). A investigação leva a dupla para a Sicília, para o submundo de San Francisco e para bem perto da morte, já que os responsáveis pelo pérfido esquema estão eliminando todo mundo que sabe demais sobre o caso. E o resultado da investigação irá resgatar do passado um velho trauma de infância de Ulysses.
A CRUZ DOS EXECUTORES foi dirigido por Maurizio Lucidi (não me perguntem porque, mas eu sempre pensei que o diretor fosse o Umberto Lenzi!), em parceria com William Garroni (nome de batismo: Guglielmo Garroni), sendo que este foi o coreógrafo das cenas de ação e filmou algumas delas, por isso recebeu também crédito de diretor.
Se há uma qualidade no filme, é a tentativa de buscar um clima mais realista do que outras produções do gênero, principalmente no que diz respeito às delicadas relações entre os mafiosos. Infelizmente, como escrevi lá no começo, os seis roteiristas não se entenderam direito sobre o tipo de história que queriam contar. E logo o clima mais sério e realista da história é quebrado por intervenções engraçadinhas e mirabolantes de Ulysses e Charlie, sempre agindo como aquelas duplas de policiais do cinema norte-americano (sempre se cutucando, estilo "Máquina Mortífera").
O fato de tanto Roger Moore quanto Stacy Keach estarem mais canastrões do que de costume só torna as cenas de ambos mais engraçadas. Mas é Keach quem rouba o filme, como o piloto maluco que adora se meter numa confusão e que sonha botar as mãos na fortuna em heroína (a cena final é particularmente engraçada).
Infelizmente, também, o trailer dá a impressão de que se trata de um filme de ação em alta velocidade, quando na verdade todas as cenas de ação são aquelas mostradas no trailer. E, num filme de 100 minutos, elas aparecem entrecortadas por loooooooongos momentos de investigação. Em muitos deles, nada de muito interessante acontece. Por isso, nos primeiros 40 minutos, A CRUZ DOS EXECUTORES é um convite ao sono
É só na metade final a coisa melhora, atingindo um clima eletrizante que inclui uma fantástica perseguição de automóveis, onde o carro de Ulysses e Charlie é esmagado contra dois caminhões numa rodovia. Só esta cena, que dura uns 6 minutos, já vale uma espiada na película, e foi filmada e editada de maneira magistral, à moda antiga (perceba como os dublês da era pré-CGI mais de uma vez arriscam a própria vida, ficando a centímetros de bater de frente, e em alta velocidade, nos carros que vêm em sentido contrário!).
Seguindo a tendência dos filmes do período, a violência é bastante acentuada, com balaços certeiros que provocam o maior estrago nas vítimas. Numa das melhores cenas, o carro de Ulysses é alvejado por um atirador com uma espingarda, e a explosão do pára-brisa com o tiro é mostrada em câmera lenta, num efeito destruidor. Em seguida, o implacável herói se defende enchendo o agressor de tiros na barriga (putz!), fazendo jus à "licença para matar" que Moore tinha nos filmes de James Bond.
Mas outra coisa que não me agradou no roteiro é a repetição de um artifício surrado das produções policiais, aqui usado à exaustão: sempre que os heróis estão perto de descobrir alguma coisa sobre os cabeças do crime, um pistoleiro misterioso aparece a vários metros de distância (para conseguir escapar) e "apaga" a testemunha que estava pronta para abrir o bico.
Sem brincadeira: isso acontece umas quatro ou cinco vezes no filme, e em uma delas o assassino anônimo chega a atirar um contêiner sobre a testemunha para impedi-la de contar a verdade! O artifício é tão repetitivo que é só algum personagem coadjuvante começar a abrir a boca que você já espera pela chegada do implacável pistoleiro misterioso. Convenhamos: não seria mais rápido e prático para o cara matar logo Ulysses e Charlie, ao invés de ficar sistematicamente apagando testemunhas pelas costas de ambos?
Mesmo com estes vários defeitos, A CRUZ DOS EXECUTORES é um filme divertido em seus excessos, que vale principalmente pela química brincalhona entre Moore e Keach (este último um ótimo ator em papéis como este), pelas perseguições e batidas de carro e pelos sangrentos tiroteios, sem esquecer da boa (não ótima) trilha do expert Luis Bacalov (nas cenas de flashback, inexplicavelmente foi usado um tema composto por Ennio Morricone para QUANDO EXPLODE A VINGANÇA, de Sergio Leone!).
Longe de ser um clássico, é um filme com muitos defeitos, especialmente na forma como a história é desenvolvida (passar uma borracha em algumas coisas não faria mal algum ao filme).
É uma pena que a velha fita da Poletel (que não tem os créditos iniciais, uma daquelas mutilações feitas pelos distribuidores norte-americanos!) tenha se transformado em peça de colecionador por aqui, e o filme ainda não tenha recebido um lançamento decente em DVD lá fora.
Perseguição de carros em A CRUZ DOS EXECUTORES
*************************************************************** Gli Esecutori/La Croce Siciliana/Street People/ The Sicilian Cross (1976, Itália) Direção: Maurizio Lucidi e William Garroini (Gugliemo Garroni) Elenco: Roger Moore, Stacy Keach, Ivo Garrani, Fausto Tozzi, Ennio Balbo, Pietro Martellanza, Luigi Casellato e Romano Pupo.
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