Você sabe que CANNONBALL é um autêntico FILME PARA DOIDOS, além de um daqueles "clássicos cult" de todos os tempos, só pela cena em que um afrescalhado chefão da máfia (feito pelo próprio diretor do filme, Paul Bartel) come um balde de frango frito e conversa com outros dois mafiosos, interpretados por, veja você, Martin Scorsese (!!!) e Sylvester Stallone (!!!), ambos em participação especial de 30 segundos! É mole ou quer mais?
Se quer mais, então saiba que CANNONBALL é estrelado por uma respeitável galeria de atores conhecidos, como os irmãos Carradine, Gerrit Graham, Mary Woronov e James Keach (irmão do Stacy), e tem mais um punhado de divertidas participações-relâmpago de gente como Dick Miller, os produtores Roger Corman e Don Simpson e os cineastas Joe Dante ("Gremlins"), Carl Gottlieb ("Amazonas na Lua"), Allan Arkush ("Rock'n'Roll High School") e Jonathan Kaplan ("Acusados").
Na época (anos 70), todos eles - inclusive o jovem Stallone - integravam a turma da New World Pictures, a produtora de Roger Corman, e acabaram entrando nisso que se transformou numa bela brincadeira de cinéfilo. Era uma época, também, em que filmes com carros em alta velocidade estavam na moda, apesar de a garotada de hoje achar que bobagens tipo "Velozes e Furiosos" (argh!) são novidade.
CANNONBALL (que no Brasil ganhou o desnecessário subtítulo "A Corrida do Século") faz parte de um ciclo de filmes de perseguições automobilísticas produzido por Roger Corman. Entre as obras, se destacam o cult "Ano 2000 - Corrida da Morte" (1975, também dirigido por Paul Bartel), "Eat My Dust" (1976) e "Grand Theft Auto" (1977, ambos dirigidos pelo hoje famoso Ron Howard).
Este ciclo foi recentemente homenageado por Quentin Tarantino em "À Prova de Morte", como parte do mal-sucedido projeto "Grindhouse", mas ele não chegou nem perto do clima dos filmes antigos.
E foi em 76, logo após o sucesso de "Ano 2000 - Corrida da Morte", que o mesmo Bartel escreveu o roteiro (com Don Simpson) sobre uma famosa corrida ilegal chamada Cannonball.
Com o valor de alguns galões de gasolina e David Carradine, o astro de seu filme anterior, ele rodou esta pequena gema - que alguns desavisados sites informam ser continuação de "Ano 2000...", quando os dois filmes não têm qualquer relação. Curiosamente, no mesmo ano de 76, foi lançado outro filme com o mesmo tema, a comédia "The Gunball Rally".
Tanto CANNONBALL quanto "The Gunball Rally" são inspirados numa famosa corrida fora-da-lei real, criada pelos amigos e pilotos Brock Yates e Steve Smith em 1971, e batizada "Cannonball Baker Sea-To-Shining-Sea Memorial Trophy Dash".
Era, ao mesmo tempo, uma homenagem e um protesto ao sistema rodoviário norte-americano: homenagem porque celebrava a boa condição das estradas, e protesto porque fazia escárnio do reduzido limite de velocidade nas mesmas estradas. O objetivo da tal corrida era pilotar qualquer veículo de quatro rodas de Nova York até Los Angeles, driblando a polícia e outros competidores.
A mesma competição deu origem à famosa comédia "The Cannonball Run" (no Brasil, "Quem Não Corre, Voa!"), em 1981.
E é a tal competição ilegal a verdadeira protagonista deste filme do Bartel: os demais personagens são apenas caricaturas, uma espécie de versão adulta e violenta do desenho "Corrida Maluca", e a graça de CANNONBALL é ver pilotos e veículos se estrepando em fantásticas cenas em alta velocidade, realizadas por dublês, anos antes da computação gráfica tornar fichinha a produção desse tipo de malabarismos.
O nome da corrida ilegal do filme é "Trans-America Grand Prix", com trajeto entre Los Angeles, California e Nova York. O "Cannonball" do título é o apelido do piloto interpretado por David Carradine, Coy "Bala de Canhão" Buckman, ex-presidiário em liberdade condicional que tenta retomar sua carreira no automobilismo justamente vencendo o tal torneio, que dá uma bolada em dinheiro como prêmio.
Junto com Coy, competem outros malucos em máquinas envenenadas, usando de trapaças, golpes sujos e violência para eliminar os rivais pelo caminho e faturar o prêmio. Entre os competidores estão o malvado Cade Redman (Bill McKinney), que pilota acompanhado de um astro da música country (Gerrit Graham, de "O Fantasma do Paraíso"); uma van com três gostosas, conduzida pela estrelinha cult Mary Woronov (que, na vida real, nem sabia dirigir); um alemão arrogante que dirige falando sozinho (James Keach), e até um simpático casal de adolescentes apaixonados (Robert Carradine, irmão de David, e Belinda Balaski, atriz de estimação do Joe Dante).
Num toque de gênio, Coy disputa a corrida auxiliado pelo seu mecânico, Zippo Friedman (Archie Hahn), que pilota um outro carro, idêntico ao seu, para confundir os rivais!
É claro que, à medida que os quilômetros são superados e a rivalidade aumenta, CANNONBALL descamba para incríveis acidentes e explosões. Só duas destas cenas já valem o filme todo: Coy acelerando seu carro para saltar o trecho ainda não-construído de um viaduto (cena que se tornaria clichê do "cinema de velocidade", e aqui realizada com maestria), e um incrível engavetamento envolvendo dezenas de veículos, numa sucessão de batidas e explosões digna do final de "Os Irmãos Cara-de-Pau", de John Landis!
Como os carros e cenas em alta velocidade (filmadas e editadas com maestria) são as verdadeiras atrações, e os atores e participações especiais acabam ficando em segundo plano, torna-se até desnecessário tentar acompanhar a história, que, como no caso de "Ano 2000 - Corrida da Morte", tem vários toques de humor, principalmente aqueles que envolvem os criativos truques usados pelos pilotos para tirar seus rivais da jogada ou para fugir da polícia - destaque para as garotas da van, que seduzem dois policiais para não serem presas por dirigir em alta velocidade! O trailer é uma aula de como vender um filme de ação.
No fim, o espectador se pega até torcendo para que o seu piloto preferido cruze antes a linha de chegada (eu fiz o mesmo em "Quem Não Corre, Voa!"). E é este mosaico de personagens excêntricos e suas rivalidades que transformam CANNONBALL num divertido e barulhento filme de ação à moda antiga. Nem que seja só para curtir as participações especiais.
Resumindo: diversão pura e simples para pessoas de bom gosto. Pena que, ao contrário de "Quem Não Corre, Voa!", que teve duas seqüências, CANNONBALL ficou apenas neste primeiro filme. Seria divertido ver Coy "Cannonball" Buckman encarar outras edições do "Trans-America Grand Prix", disputando quilômetros com outros pilotos ainda mais malucos.
Só espero que o Paul W.S. Anderson, que maculou "Ano 2000 - Corrida da Morte", não invente de refilmar este também.
Trailer de CANNONBALL
**************************************************************** Cannonball (1976, EUA) Direção: Paul Bartel Elenco: David Carradine, Bill McKinnney, Veronica Hamel, Dick Miller, Paul Bartel, Gerrit Graham, Robert Carradine e Belinda Balaski.
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