A ROTA DO BRILHO (1990)
Filmes Legais

A ROTA DO BRILHO (1990)



Em 1990, exatos 17 anos antes do Capitão Nascimento e seus caveiras combaterem traficantes cariocas em "Tropa de Elite", dois policiais da Narcóticos paulista receberam missão parecida: desbaratar uma perigosa quadrilha que agia em São Paulo, trazendo cocaína pela rota ferroviária diretamente de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.

Falando assim parece até filme sério, mas na verdade este é o argumento de A ROTA DO BRILHO, um policial de quinta categoria que, hoje, só funciona como diversão trash. E das boas.

Afinal, quem em sã consciência engoliria uma dupla de policiais brasileiros durões chamados Tom e Nil (!!!), e interpretados, respectivamente, por Alexandre Frota (então na fase galã de novela e marido de Cláudia Raia) e Marcos Manzano (loiro platinado estilo He-Man, que na época era apresentador do famigerado Clube das Mulheres)?


A ROTA DO BRILHO foi dirigido por Deni Cavalcanti, o sujeito responsável por "clássicos" (ironia mode on) da cinematografia brasileira, como "Aluga-se Moças" (1982), filme erótico notório por tirar a roupa de várias chacretes, como Gretchen, Rita Cadillac e Índia Amazonense.

Com péssima distribuição, tanto nos cinemas como em vídeo, A ROTA DO BRILHO provavelmente ficaria esquecido no limbo das tralhas produzidas a toque de caixa na Boca do Lixo da época se não fosse por um detalhe curioso: quatro anos depois do seu lançamento, em 1994, uma modelo que faz participação minúscula no filme protagonizou um escândalo ao aparecer em fotografias carnavalescas ao lado do presidente da República vestindo apenas uma camiseta e mais nada, com a perereca à mostra para o mundo inteiro ver!


Claro que estou falando do famoso caso Lilian Ramos e presidente Itamar Franco. Ela, auto-proclamada sósia de Fafá de Belém por causa do tamanho dos seios, ganhou seus 15 minutos de fama com esse episódio do Carnaval. Para a sua sorte, pois jamais seria lembrada pela curta e ridícula carreira de "atriz" (além desse aqui, ela apareceu também em "Ritual of Death", horror dirigido por Fauzi Mansur para o mercado externo e nunca lançado no Brasil).

Foi graças ao episódio Lilian-Itamar que A ROTA DO BRILHO foi redescoberto. A fita do filme, originalmente lançada por uma tal "Sétima Arte Vídeo" (!!!), e com Alexandre Frota e Gretchen em destaque na capinha, já mofava nas locadoras à época. Semanas após o escândalo do Carnaval, a Sato Vídeo resolveu relançar a obra em vídeo com duas novas capinhas (reproduções abaixo), ambas com fotos enormes da moça (apenas uma tirada do próprio filme, aquela do rala-e-rola) e a chamada enganosa "A polêmica Lilian Ramos em...". Só não avisaram o espectador que a participação de Lilian Ramos em A ROTA DO BRILHO não chega a somar cinco minutos!


O filme começa mostrando Tom e Nil chegando ao motel em que uma prostituta morreu de overdose; ali, há um montão de cocaína da boa ("brilho" era a gíria da época para cocaína, por isso o título hoje sem sentido). Segundo um colega da Homicídios, é o terceiro caso em poucas semanas.

De volta à delegacia, eles levam um esporro do seu chefe (o saudoso Felipe Levy, dos filmes dos Trapalhões), que pede urgência máxima na investigação da quadrilha de traficantes responsável por abastecer São Paulo de pó. Eventualmente, os dois casos vão se cruzar, já que o homem que vem matando prostitutas de overdose é um dos integrantes da tal organização.


A ROTA DO BRILHO é uma bagunça danada. Além da trama principal, com os policiais caçando os traficantes, e da trama secundária da investigação da morte das prostitutas (esquecida durante a maior parte do tempo, diga-se de passagem), há outras situações jogadas sem muito critério ao longo da narrativa, como a filha de um senador (Patrícia Salgado) que se diverte levando vida dupla e fazendo programas para uma cafetina.

Numa daquelas coincidências que não convencem nem em novela das sete da Globo, o tal senador (Edgard Franco) é o cabeça da quadrilha de traficantes, e um dos seus capangas, Roque (Raymundo de Souza), acaba se envolvendo com a patricinha-prostituta! Nem sei porque estou relatando isso, considerando que não faz diferença alguma na trama e quase todos os personagens citados são sumariamente esquecidos!


A "polêmica" Lilian Ramos interpreta Suzana, a conexão entre um cartel de drogas da Bolívia e os traficantes paulistas. Só que ela se dá mal logo no início: ao envolver-se com o namorado de Branca (Elizabeth Winkler), outra das integrantes da organização, é assassinada e sai de cena depois de meia dúzia de diálogos horríveis e uma cena de sexo rápida e rasteira.

Mas e afinal, onde entram nossos "heróis" Tom e Nil nessa história? A bem da verdade, os tiras só aparecem no filme porque são os protagonistas, já que não fazem absolutamente nada digno de nota. Ao invés de investigar o caso, os caras saem pela cidade sem muito critério, abordando informantes como Tigrão (Bim Bim, figura habitual dos filmes de Sady Baby) e Carlão.


Esse último é interpretado pelo excelente Anselmo Vasconcellos ("O Torturador", "Eu Matei Lúcio Flávio"), cuja voz aqui é ridiculamente dublada. Ele está a cara do John Turturro, e até hoje me pergunto o que o coitado faz nesse filme, já que sua expressão de descontentamento chega a ficar evidente em algumas cenas.

Como eu dizia, Tom e Nil não investigam porra nenhuma e descobrem tudo que precisam saber por pura sorte. Ou, no caso, torturando um dos informantes. A cena é hilária porque tenta fazer com que o espectador acredite que aquele é um procedimento policial perfeitamente normal, e que não há nada de errado no que acontece: Nil persegue o bandido e, no momento seguinte, vemos o sujeito amarrado pelado num pau-de-arara, tomando choques elétricos pelo corpo!


Ah, quase me esqueci: há uma participação especial hilária de ninguém menos que Gretchen (!!!), interpretando uma artista plástica (!!!) chamada Natália, que é namorada do personagem de Frota. Ambos protagonizam mais uma cena de sexo, cheia de caras e bocas exageradas, e é irônico lembrar que os dois acabaram fazendo pornô duas décadas depois.

A ROTA DO BRILHO apresenta mais algumas caras conhecidas: o guarda-costas de Mojica, Satã, interpreta um capanga dos traficantes (e o que mais Satã poderia "interpretar"?); o diretor José Miziara (de "Embalos Alucinantes" e "Rabo I") aparece na pele de um traficante boliviano que fala em hilário portunhol; e a envelhecida musa das pornochanchadas Neide Ribeiro faz uma cafetina de luxo.


Ninguém foi creditado pelo roteiro do filme, mas se bobear o responsável pela bagaça é o próprio Deni Cavalcanti. Caso o texto seja dele mesmo, o cara está de parabéns: sempre se inticando com frases como "Você está com cara de bundão!" e "Esse é meu parceiro, uma mala!", Tom e Nil são heróis fanfarrões impossíveis de levar a sério, ao estilo do cinema norte-americano.

A dupla tem um diálogo hilário com o chefe de polícia, que transcrevo aqui porque essa genialidade merece ser compartilhada:

Chefe (sério): Já te comeram o rabo, Tom?
Tom (surpreso): Eu? Que é isso, chefe?
Chefe: E você, Nilzinho?
Nil (rindo): Eu, chefe? Nem troca-troca eu fiz! Sou virgem ainda.
Chefe: Pois eu não sou mais. Acabaram de me enrabar! E sabe quem me enrabou? (bate na mesa) O secretário de Segurança Pública!
Tom: Bom, pelo menos foi alguém importante, chefe...



A ROTA DO BRILHO também tem um detalhe muito curioso: (SPOILER) com uma hora de filme, o personagem de Alexandre Frota é assassinado pelos bandidos, numa reviravolta surpreendente à la final de "Viver e Morrer em Los Angeles". Só que a cena é muito estranha: Frota é morto off-screen, apenas escutamos o grito dele. Será que o ator quebrou o pau com os realizadores e abandonou a filmagem, obrigando Cavalcanti a criar essa mirabolante saída de cena do herói? Ou foi mero amadorismo do diretor ao não mostrar justamente a morte de um dos protagonistas mais importantes?(FIM DO SPOILER)

Como a produção bagaceira nacional que é, A ROTA DO BRILHO tem um pouco de tudo: Frota e um galã do Clube das Mulheres como heróis, delegado desbocado, bandidos ridículos, Anselmo Vasconcelos pagando mico, uma carreirona de cocaína sendo feita nas costas de uma anônima nua, cena de tortura no pau-de-arara, um sujeito durão que aparece tomando leite (!!!) num bar, trilha sonora composta pelo Vangelis para "Blade Runner" sendo "reutilizada" em cenas de suspense...


Tem, também, aquela dose cavalar de nudez feminina que caracterizava o cinema brasileiro pré-Retomada: toda e qualquer mulher maior de idade que entra em cena acaba tirando a roupa mais cedo ou mais tarde. Inclusive Gretchen, a eterna "Rainha do Bumbum", que aqui mostra sua buzanfa ainda inteirona em close, o que ajudou a apagar da minha mente parte do trauma causado por aquele tenebroso filme pornô que ela protagonizaria quase duas décadas depois.

O que realmente faz falta no filme é aquilo que todo mundo espera: os socos e tiros que caracterizam o combate ao crime no cinema.


Pois, nesse quesito, Tom e Nil ficaram devendo. Praticamente não há cenas de luta, e a única troca de tiros ficou reservada para o final, quando um dos heróis despacha a maior parte da quadrilha que deveria prender com balas e até granadas (pois todos sabemos que granadas são ferramenta de trabalho comum da polícia de São Paulo). Com direito à tradicional cena do herói preparando as armas antes do confronto final com os marginais.

Vale destacar que, nesse confronto final, Satã protagoniza mais um momomento hilário da película, quando leva um tiro no peito e começa a contorcer-se como se fosse epilético, em momento que rivaliza com a péssima saída de cena de Christopher George em "Ninja - A Máquina Assassina" pelo título de "pior cena de morte da história do cinema". Fiz questão de colocar esse momento histórico no YouTube para que todos possam conferir:

"Morre logo, Satã, caralho!"



A verdade é que, ao contrário do "Tropa de Elite" citado no início da resenha (perdoe-me pela comparação, José Padilha!), A ROTA DO BRILHO é um filme policial de realismo zero.

Afinal, tudo que vemos na tela (personagens, situações e até diálogos) parece ter saído diretamente do cinema clássico hollywoodiano, e não das ruas das grandes capitais brasileiras. Temos desde a dupla de policiais estilo "Máquina Mortífera" até os bandidos que andam sempre de terninho e óculos escuros.


Os clichês se amontoam, ajudando na transformação do que deveria ser um filme policial sério em comédia. Até porque as interpretações com texto decoradinho, dignas de teatrinho de colégio, não ajudam em nada (Lilian Ramos e Elizabeth Winkler são os casos mais críticos).

O resultado é digno de figurar no panteão do FILMES PARA DOIDOS, e é realmente uma pena que não tenhamos novas aventuras trash (e quem sabe melhores) dos tiras paulistas Tom e Nil.

Confesso que seria muito divertido ver os dois outras vezes "investigando" novos casos e enfrentando a bandidagem com tiros e granadas enquanto ficam se chamando de mala e de bundão...

Cena inicial de A ROTA DO BRILHO



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A Rota do Brilho (1990, Brasil)
Direção: Deni Cavalcanti
Elenco: Marcos Manzano, Alexandre Frota,
Gretchen, Lilian Ramos, Raymundo de Souza,
José Miziara, Satã e Anselmo Vasconcelos.



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