Algumas observações sobre os filmes espíritas brasileiros
Filmes Legais

Algumas observações sobre os filmes espíritas brasileiros



Os anos 2000 viram a cristalização de uma tendência hollywoodiana de filmes espíritas iniciada no começo da década anterior com filmes como GHOST - DO OUTRO LADO DA VIDA (Jarry Zucker, 1990) e LINHA MORTAL (Joel Schumacher, 1990), que seriam seguidos por AMOR ALÉM DA VIDA (Vincent Ward, 1998) e por uma leva de filmes de horror com temática espírita, como O SEXTO SENTIDO (M. Night Shyamalan, 1999), OS OUTROS (Alejandro Almenábar, 2001), O MISTÉRIO DA LIBÉLULA (Tom Shadyac, 2002), VOZES DO ALÉM (Geoffrey Sax, 2005) e vários outros. Tal tendência, além de absorver o caráter apaziguador do espiritismo, parecia dialogar com as então muito populares histórias japonesas de espíritos vingativos - essas geralmente bem mais perturbadoras.

Aqui no Brasil, pelo menos duas comédias relativamente recentes dialogaram com essa corrente hollywoodiana: FICA COMIGO ESTA NOITE (João Falcão, 2006) e ACREDITE, UM ESPÍRITO BAIXOU EM MIM (Jorge Moreno, 2007).

No primeiro caso, trata-se de uma comédia-romântica-fantástica estrelada pelos jovens atores globais Alinne Morais e Wladimir Brichta, remotamente baseada na peça homônima de Flávio de Souza encenada na década de 1990. A história trazia um casal separado pela morte precoce do marido, e tratava da luta do desencarnado para voltar ao seu próprio corpo pela última vez para se despedir da amada.

Já o segundo caso é o de um filme semi-amador, também baseado numa peça teatral de enorme sucesso em Minas Gerais, que conta a história de Loló (Ílvio Amaral), um ortodontista homossexual que morre num acidente de carro e se recusa a subir para o mundo dos mortos. Ele então começa a infernizar a vida de um machão (Maurício Canguçu), em quem encarna de tempos em tempos para tentar seduzir um bonitão.

Ocorre que, ainda que aparentemente isolados do restante da produção nacional contemporânea (que vinha trazendo o registro fantástico, mas não o religioso), esses filmes não dialogaram apenas com Hollywood. Afinal, a temática espírita não era novidade em nosso cinema - e nem poderia ser, se estivermos realmente na maior nação espírita do planeta.

Nos anos 1970, a tendência nacional para o cinema de exploração e o então grande interesse midiático pelo espiritismo (facilmente encontrado na ficção e mesmo no jornalismo televisivos) deram origem a alguns filmes ligados ao imaginário espírita da mediunidade (tratado na chave da "paranormalidade") e, em alguns casos, ao kardecismo propriamente dito.

Entre os exemplos mais notórios do primeiro grupo, tem-se EXCITAÇÃO (1976) e FORÇA DOS SENTIDOS (1979), de Jean Garrett; AS FILHAS DO FOGO (1978), de Walter Hugo Khouri; UMA ESTRANHA HISTÓRIA DE AMOR (1979), de John Doo, filmes que serão comentados por aqui numa outra oportunidade.

No segundo grupo, temos pelo menos duas obras "militantemente" kardecistas que se destacam pela reunião do dicurso religioso com o sensacionalismo e mesmo com o horror: O MÉDIUM - A VERDADE SOBRE A REECARNAÇÃO (1980), de Paulo Figueiredo; JOELMA, 23º ANDAR (1980), de Clery Cunha, este baseado numa psicografia de Chico Xavier e lançado em DVD em 2007 com o "slogan" o primeiro filme espírita do mundo.

Ainda há obras bem mais antigas a serem mencionadas, como O JOVEM TATARAVÔ (Luiz de Barros, 1936) e ALAMEDA DA SAUDADE, 113 (Carlos Ortiz, 1951), que já enfrentavam o interesse nacional pelas histórias de espíritos desencarnados e reencarnados que faziam contato com o mundo dos vivos.

Pois bem, faço essa introdução ao assunto para sugerir que é nesse contexto de uma "tradição" pouco comentada que se inserem os filmes mais recentes de temática espírita: o militante BEZERRA DE MENEZES - O DIÁRIO DE UM ESPÍRITO (Joe Pimentel e Glauber Filho, 2008), produção barata e quase caseira feita com o propósito de divulgar o espiritismo no Brasil; o blockbuster CHICO XAVIER - O FILME (Daniel Filho, 2010), realizado pela Globo Filmes no ano do centenário de nascimento do maior médium do planeta (e um dos brasileiros mais famosos e queridos de todos os tempos); NOSSO LAR (Wagner de Asssis, 2010, com previsão de lançamento para setembro), que parece conjugar a proposta dos dois anteriores, aliando espetáculo cinematográfico, melodrama e pregação religiosa a partir de um dos livros mais populares psicografados por Chico Xavier.

Minha primeira impressão sobre esses flmes é a de que, ao contrário do que se passava com as obras anteriores aqui citadas (muitas delas bastante assustadoras), há uma franca tentativa de eliminar qualquer tipo de estranhamento, naturalizando ao máximo possível os fantásticos eventos narrados. Obviamente, em se tratando de fenômenos como reencarnação, aparições de espíritos, premonições e intervenções de um suposto mundo espiritual, não é possível eliminar completamente o estranhamento. Mas, como este é evitado ao máximo em todas as instâncias estéticas e narrativas desses filmes, o resultado acaba sendo bastante artificial, pelo menos para um espectador que não compartilhe das mesmas crenças.

Assim, se agora o foco desses filmes espíritas parece mais próximo da descrição dos principais momentos de certas histórias "exemplares", elas só podem convencer a quem já as vê como exemplos de alguma coisa dentro de um contexto religioso específico. Em minha opinião, essa tentativa mais recente de popularizar a doutrina espírita através do cinema opta por desenvolver um filão próprio, em vez de submeter-se a gêneros preexistentes - como fazia até há algum tempo atrás, quando apelava para o romance, para a comédia ou mesmo para o filme de horror.

Não pretendo, aqui, emitir opinião crítica a esse respeito, pois não me parece que os filmes realizados em 2008 e 2010 esperem dialogar com instâncias críticas que não sejam fiéis ao espiritismo (ou pelo menos simpáticas à causa, como parece ser o caso do filme de Daniel Filho). Mas, pensando em termos do nosso cinema de gênero fantástico, creio que podemos ter perdido um de nossos filões ficcionais mais promissores.

Já sobre a questão religiosa, fica aqui o trecho da entrevista de meu colega Luiz Vadico ao Instituto Humanitas da Unisinos, quando ele lançou algumas idéias sobre o campo do filme religioso - ao qual me parece que os filmes mais recentes pertencem.

Luiz Vadico – Minha perspectiva sobre filme religioso e das relações cinema e religião é bastante fechada, pois, tendo em vista as necessidades acadêmicas, necessitamos especificar muito claramente o objeto de estudo. Ora, um filme religioso ou de assunto religioso digno desse nome, precisa ter algumas características específicas, como:

1) Tema ou assunto religioso, socialmente reconhecido como tal.
2) A busca de despertar as emoções especificamente ligadas ao mundo religioso, como por exemplo: compaixão, arrependimento, esperança etc., desejam também fortalecer a fé dos seus seguidores, ou até mesmo despertá-la.
3) Toda essa produção possui alguma forma de Teologia a ela vinculada, seja através de intenções claras, seja através dos pressupostos teológicos dos seus produtores. Não podemos perder isso de vista: toda produção de origem religiosa é um produto teológico.
4) A participação de consultores religiosos em sua produção; ou vinculação a instituições de origem religiosa.
5) A intenção da produtora ou do cineasta em fazer um filme que trate do sagrado.
6) A conotação de "produto outro" diferenciado, "puro", adequado.
7) Garantia da qualidade moral do conteúdo do filme. Às vezes, essa garantia é dada por instituições religiosas, através de index, revistas, sugestões em paróquias, e outras indicações encontradas na propaganda dos filmes, quer sejam em seus trailers quer seja em seus cartazes.
8) São "militantes". Os filmes religiosos não causam indiferença; as pessoas gostam ou não gostam, aceitam ou rejeitam, qualificam ou desqualificam, mas eles pedem resposta. Primeiramente porque são feitos para atingir o público, e este sabe disso; por isso a resposta, "sim" ou "não" ou "tanto faz", mas sempre há uma resposta social ou individual para essa produção. É um produto que podemos chamar, resguardadas as devidas proporções, de militante, pois nem sempre se trata de militância ostensiva e óbvia.



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