Argento, Lucio Fulci e José Mojica Marins têm mais uma coisa em comum além do óbvio fato de dirigirem obras de horror: os três já foram acusados de misoginia (do grego misos/ódio e gene/mulher), por causa das numerosas cenas de violência e crueldade contra mulheres em seus filmes.
Mas acredite: Argento, Fulci e Mojica parecerão três cavalheiros românticos depois que você conhecer um mexicano maluco chamado Damián Acosta Esparza, que em 1988 dirigiu uma pequena obra-prima da apelação, da tosquice e da misoginia chamada EL VIOLADOR INFERNAL - ou, em adaptação livre para o português, "O Estuprador do Inferno".
Trata-se de mais um daqueles inacreditáveis trash movies mexicanos em que o espectador não sabe se ri ou se chora, a exemplo do já clássico "Intrepidos Punks", de Francisco Guerrero. Coincidentemente, Acosta Esparza (que se transformou num dos meus novos diretores de tralhas preferidos) dirigiu a continuação do filme de Guerrero, "La Venganza de los Punks", que em breve também estará aqui no FILMES PARA DOIDOS.
Curto e grosso (já que grosseria é o forte do filme), EL VIOLADOR INFERNAL começa com o perigoso estuprador e assassino conhecido como El Gato sendo levado para a execução na cadeira elétrica - algo engraçado, considerando que a pena de morte não é aplicada no México desde 1961.
Depois de fritar na cadeira (numa cena tosquíssima, tanto pelo cenário quanto pelos efeitos sonoros da "corrente elétrica"), o moribundo recebe a visita do Diabo, numa cena que parece saída de algum filme do Zé do Caixão feito nos anos 70: não só porque o Diabo - ou Diaba - "aparece" graças àquele bizarro efeito de desliga a câmera-coloca o ator no lugar-liga a câmera, mas também porque a Rainha dos Infernos aparece vestida como se estivesse num baile de carnaval, e acompanhada de duas "ajudantes" em trajes parecidos!
Sabe-se lá por que cargas d'água, o Diabo... a Diaba (arre!) resolve adotar El Gato como "filho de Satã". E para ganhar o direito de ressuscitar como um ser indestrutível e imortal, ele deve viver uma vida de luxúria e drogas estuprando toda mulher e homem (?!?) que cruzar seu caminho. Sacou só a escolha que ele deve fazer? Ou vive eternamente, doidão e comendo todo mundo, ou continua morto pelo resto da eternidade. Decisão difícil, hein?
Como o título já anuncia, El Gato escolhe a primeira opção, e no momento seguinte aparece trajando roupas de dândi e usando heroína na casa de um traficante homossexual, que, por ironia, acaba se transformando na primeira vítima do redivivo psicopata. Ele mata o rapaz a facadas, transa com o cadáver (isso pode ser considerado tecnicamente um estupro ou é só necrofilia mesmo?), e depois crava o número "6-6-6" com o punhal nas costas da vítima - algo que ele deve repetir a cada crime para continuar mantendo seus poderes infernais.
A partir de então, EL VIOLADOR INFERNAL segue uma sequência repetitiva de estupro-morte, estupro-morte, estupro-morte, com o vilão conhecendo um montão de mulheres fúteis e fáceis, que conquista facilmente e que se tornam alvos fáceis para seus ataques, enquanto a polícia fica completamente desnorteada.
Parece até uma mistura do pornô da pesada "Forced Entry" (que também era uma sequência de estupros, porém muito mais realistas e chocantes) com o terror "Shocker - 100.000 Volts de Terror", de Wes Craven (que, entretanto, foi feito um ano DEPOIS, em 1989).
Partindo de um argumento do produtor Ulises Pérez Aguirre e de Cristóbal Martell, EL VIOLADOR INFERNAL foi, surpreendentemente, roteirizado por uma MULHER (!!!), Carmen Rojas, que devia estar numa TPM literalmente infernal quando escreveu esse negócio.
Afinal, 99% das personagens femininas do filme são completas vagabundas, mulheres interesseiras que resolvem dar para o vilão apenas porque acham que ele é milionário, saem com ele para um primeiro encontro e em cinco minutos já estão baixando as calcinhas. E o 1% restante apenas não aparece no filme tempo suficiente para demonstrar qualquer característica negativa, sendo logo atacada, estuprada e morta por El Gato.
Descontando esse 1%, toda mulher do filme é representada com um mero pedaço de carne, apenas para ser fodida e morta pelo vilão. A roteirista Carmen estava tão furiosa com as meninas em geral que até o Diabo tem forma feminina (!!!), o que vai de encontro àquela clássica sentença atribuída a São Tomás de Aquino: "Demônio, teu nome é mulher".
Uma cena bem ilustrativa do conceito que a roteirista faz da mulherada acontece quando El Gato aborda uma moça que conheceu (ou melhor, bateu o olho) num salão de beleza. O vilão a convida para tomar um drink, mas leva a coitada para um drive-in daqueles bem safados, onde a moça se assusta com os casais trepando nos carros ao lado. Mas El Gato, sensual que só ele, pede umas vodkas, uma porção de picadinho (!!!), e no minuto seguinte já está levando a mulher - que acabou de conhecer - para o banco de trás do carro! É bom anotar essas dicas de sedução do Violador Infernal para se dar bem num primeiro encontro: drive-in e picadinho!
Não suficiente em demonstrar sua revolta com as mulheres, EL VIOLADOR INFERNAL também guarda munição para disparar contra os homossexuais, em cenas que, à época da realização do filme, talvez fossem consideradas um alívio cômico, mas hoje soam absurdamente homofóbicas.
Falo da cena em que a polícia "interroga" o amante do homossexual que foi a primeira vítima de El Gato. Tratado a pancadas por causa do seu jeito "delicado", o rapaz é chamado de "boneca" e de "maricón" pelos policiais, e o investigador responsável pelo caso ainda protagoniza um bizarro diálogo em que dispara: "Ele é uma bichona, para mim já é culpado o suficiente!" (veja nas fotos abaixo, com legendas em inglês).
Deixando o "politicamente correto" um pouco de lado, acho impossível que alguém realmente leve a sério essas provocações misóginas e homofóbicas de EL VIOLADOR INFERNAL, ou mesmo fique chocado com as cenas de estupro mequetrefes filmadas por Acosta Esparza.
Não há nenhuma cena de violência sexual no nível de um "Irreversível", por exemplo, e os estupros basicamente apenas mostram um montão de nudez das moças. O "violador infernal" até se demonstra um grande romântico em alguns momentos, quando fica beijando as mulheres no rosto e no pescoço durante o "estupro" (tentando "criar clima", talvez?).
Enfim, assisti EL VIOLADOR INFERNAL ao lado de uma moça e ela não se demonstrou revoltada em momento algum, nem mesmo pelo tratamento pejorativo dado às personagens do sexo feminino. O negócio é fazer como as vítimas de El Gato: relaxar e gozar. Até porque o filme é muito, mas muito engraçado em suas tentativas (desastradas) de chocar.
Confesso que estou até agora tentando entender porque El Gato, com os poderes infernais que possui, perde um tempão passeando de carro, caçando mulheres e contando mentiras deslavadas para seduzi-las e atraí-las para lugares desertos, onde serão mortas ao som da trilha sonora monocórdica de Rafael Garrido (repetida "over and over again").
Porra, mas o cara não é estuprador? Então por que ele fica de putaria, dando uma de galanteador com todos os rabos-de-saia que lhe cruzam o caminho, ao invés de simplesmente arrastá-las para qualquer cantinho e, ora, estuprá-las? E se é imortal e cheio de poderes infernais, por que se preocupa tanto em levar suas vítimas a locais ermos, para não ser pego pela polícia, se nada nem ninguém pode lhe fazer mal?
Da metade para o final, então, EL VIOLADOR INFERNAL vira um samba do crioulo doido: descobrimos que El Gato não só é imortal, mas também tem poderes sobrenaturais, como o de soltar raios pelos olhos para explodir coisas e fazer garotas levitarem. Pena que ele só usou esses poderes legais na sua última vítima: todos os outros ataques teriam sido bem mais fáceis com a ajuda dos "raios mágicos"!
Detalhe: os tais raios não passam de riscos feitos sobre o próprio negativo, um efeito tão tosco e precário que já transformaria o filme numa comédia involuntária SE todo o resto não fosse igualmente hilário. Até porque de vez em quando o ator mexe a cabeça e o "raio" vai parar lá nas pálpebras ou sobrancelhas, como você pode ver nas fotos abaixo!!!
E o roteiro é de uma preguiça atroz: El Gato conhece quase todas as suas vítimas num suspeitíssimo salão de beleza que também funciona como casa de massagem e, aparentemente, prostíbulo (já que todas as funcionárias comportam-se como garotas de programa, só que sem cobrar!). Ali, o vilão mata clientes e funcionárias sem que ninguém desconfie ou suspeite do desaparecimento das garotas!
EL VIOLADOR INFERNAL pode até ter sido concebido como filme de horror chocante, e pode até ser que algum dia tenha assustado alguém. Hoje, entretanto, não passa de uma comédia engraçadíssima, repleta de detalhes estúpidos (como o delegado que diz ter lido dezenas de livros de ocultismo apenas para descobrir que 666 é o número da Besta!) e cenas incrivelmente mal-feitas (numa das aparições da Diaba, sua capa foi PREGADA à parede para parecer que estava esvoaçante, como você pode ver na foto abaixo!!!).
Por fim, umas palavrinhas sobre o elenco. Noé Murayama faz El Gato, ele que à época já era um veterano do cinema mexicano, tendo feito westerns, filmes de lutadores mascarados e aventuras de espionagem (também teve um papel secundário no western spaghetti "Corri, Uomo, Corri", de Sergio Sollima). Sua "interpretação" vilanesca é hilária, com um excesso de sonoras risadas maléficas que lhe assemelham ao Dr. Evil da série "Austin Powers".
As meninas fazem pouca coisa além de agir como vadias, tirar a roupa, gritar enquanto são "estupradas" e morrer, mas eu não poderia deixar de registrar a participação da musa do FILMES PARA DOIDOS: a única e inigualável Princesa Lea, que eu conheci em "Intrepidos Punks".
Esta dançarina tesuda com nome inspirado em "Star Wars" era uma espécie de Gretchen mexicana, só que loiraça e com os peitos gigantescos ao invés da bunda. Sua participação é pequena como Maribel, massagista que se torna a última vítima de El Gato. Mas pelo menos ela mostra seus "talentos peitorais" durante um bom tempo. Ironicamente, ao ser substituída por uma dublê na cena em que sua personagem rola por uma escada, seus seios parecem murchar!
À primeira vista, EL VIOLADOR INFERNAL parece aquele tipo de filme que você até se sente sujo no final, pela quantidade de sexo forçado e violência a que foi submetido. Felizmente, tudo é suficientemente barato e mal-feito para se tornar engraçado, na linha dos filmes de Hershell Gordon Lewis, e com tantas bobagens por minuto quanto uma obra de Ed Wood ou Bruno Mattei.
Sendo assim, mais um FILME PARA DOIDOS com louvor vindo do México, país que teve uma larga produção de horror e sexploitation praticamente desconhecida aqui no Brasil, onde pouco ou nada foi lançado comercialmente. Veja e prepare-se para também virar fã do diretor Damián Acosta Esparza (não deixe de procurar pelo posterior e superior "La Venganza de los Punks")!
Ah, e enquanto estiver assistindo essas patacoadas, não esqueça do lema do blog: "Se ver um filme ruim é inevitável, relaxe e goze!".
Cena inicial de EL VIOLADOR INFERNAL
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El Violador Infernal (1988, México) Direção: Damián Acosta Esparza
Elenco: Noé Murayama, Ana Luisa Peluffo,
Bruno Rey, Princesa Lea, Alfredo Gutiérrez,
Blanca Nieves e Arturo Mason.
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