Filmes que você infelizmente NÃO vai ver num cinema perto de você
E foi um sucesso de público e crítica a mostra Cinema de Bordas, realizada durante a semana que passou no Itaú Cultural, em São Paulo, com curadoria dos professores e pesquisadores Bernardette Lyra e Gelson Santana. Entre a quarta-feira, 22, e o domingo, 26 de abril, foram exibidos 17 filmes vindos de todas as partes do Brasil, praticamente de um extremo a outro - da minha longínqua cidade de Carlos Barbosa, no Rio Grande do Sul, até Manaus, no Amazonas.
Um grande e interessado público participou das sessões realizadas em plena Avenida Paulista, valorizando um tipo de cinema extremamente popular que, infelizmente, você não vai ver num cinema perto de você.
Eu mesmo fui quase todos os dias para conferir os outros filmes, embora tenha perdido alguns. Antes de passar a um breve relato do que vi nesta semana de Cinema de Bordas, vou puxar a brasa para o meu assado: na tarde de domingo, o cinema do Itaú Cultural ficou lotado para a exibição de meu primeiro longa-metragem, a comédia romântica PATRICIA GENNICE, filmada em 1998 e reeditada em 2008. A "director's cut" foi exibida pela primeira vez em São Paulo!
Inicialmente, fiquei meio envergonhado por mostrar este filme a um público paulista, pois eu não sabia como iriam reagir diante de uma história bastante regional (que faz mais sentido para quem conhece ou mora na cidade de Carlos Barbosa, onde foi filmado). Além disso, a mostra tinha exibido algumas produções muito bem-feitas nos dias anteriores, e a minha era tão tosca que dava ate pena.
Mas, quem diria, o público aparentemente curtiu. Pelo menos riram do começo até o fim dos 57 minutos da projeção, e aplaudiram fortemente duas vezes ao final. Me senti na entrega do Oscar!
Além disso, num daqueles momentos inesperados, o pessoal do Itaú Cultural resolveu aproveitar que eu era um dos únicos "diretores" presentes na exibição de seu próprio filme, e me passaram um microfone para responder perguntas da platéia. Qual não foi minha surpresa quando umas 50 pessoas sentaram-se e ficaram fazendo perguntas e ouvindo as respostas, ao invés de se mandar do recinto... E isso que foram uns 20 minutos de bate-papo, onde pude esmiuçar o planejamento e realização do filme e fazer propaganda das minhas outras obras, além de vender meus DVDs.
E me deixou realmente emocionado a presença de algumas celebridades entre o público, como o diretor da Boca do Lixo Luiz Gonzaga dos Santos (que fez "Patty, A Mulher Proibida", com Helena Ramos, e elogiou publicamente o PATRICIA GENNICE), e o amigo Eduardo Aguilar, diretor de curtas profissionais e elogiados como "Lourdes - Um Conto Gótico de Terror" e "Dias Cinzentos", além de outros queridos amigos e amigas de São Paulo e dos meus pais.
Resumindo: um dia de glória para a pequena Necrófilos Produções Artísticas e seus filmes feitos em VHS com 200 reais!
Vamos agora aos colegas de mostra:
HORROR CAPIAU (2007, São Paulo - SP)
Alegadamente filmado num intervalo de 20 minutos de um outro trabalho que a equipe estava desenvolvendo, este curta-metragem explora o filão "redneck exploitation", bastante comum no cinema norte-americano ("O Massacre da Serra Elétrica", alguém?), mas praticamente uma novidade aqui no Brasil.
Dirigido por Dimitri Kozma, mostra um caipira aparentemente inocente (Raphael Borghi) saindo para uma incontrolável onda de assassinatos nas redondezas da sua fazenda, enquanto um cego masoquista (Rubens Mello) fica esfolando a própria pele com uma agulha. No final, os dois personagens se cruzam e é explicada a conexão entre eles.
Simples e direto, "Horror Capiau" só peca mesmo pela falta de gore, já que não aparece nem uma mísera gotinha de sangue falso (compreensível, quando se descobre que o curta inteiro foi gravado em apenas 20 minutos!!!). Mas é bem legal, com alguns inusitados ângulos e movimentos de câmera, e a presença de dois atores vistos em "Encarnação do Demônio", Rubens Mello e Lenny Dark (que atualmente é esposa do próprio).
O curta inteiro está disponível no YouTube, e a curiosidade é o fato de haverem duas versões: esta chamada "Horror Capiau" foi dirigida e editada pelo próprio Dimitri, mas o ator Mello fez sua própria montagem, chamada "Demência" e com várias diferenças, também disponível no Youtube.
Assista o curta HORROR CAPIAU
O ASSASSINATO DA MULHER MENTAL (2008, São Paulo - SP)
Um ótimo curta-metragem escrito e dirigido por Joel Caetano, que já havia feito o divertido "Minha Esposa é um Zumbi". Com uma equipe formada basicamente por familiares e pouquíssimos recursos, ele conseguiu uma façanha digna de respeito: contar uma história de super-heróis brasileiros que convence, com uma estrutura narrativa bem parecida à da graphic novel "Watchmen", mas 2h30min mais curta que o filme norte-americano dirigido pelo "visionário" Zack Snyder.
O curta mostra uma equipe de super-heróis brasileiros formada pelo Hiper-Homem (o próprio Joel), pela sua amada Mulher Mental (Mariana Zani, esposa do diretor) e pelo violento Bruma (Danilo Baia, o "Danny Trejo paulista", aqui numa versão nacional do Rorschach de "Watchmen").
A história, como nos quadrinhos escritos por Alan Moore, começa com o assassinato da Mulher Mental, anos após a aposentadoria forçada do grupo (através de "programas de TV" que vão interrompendo a narrativa, ficamos sabendo como os heróis se reuniram e porque se separaram). Bruma e o Hiper-Homem investigam o crime e descobrem uma trama mirabolante que envolve a Floresta Amazônica, clones e ótimos efeitos especiais, ainda mais considerando que esta é uma produção barata feita em casa.
O fato de o diretor e roteirista Joel ser apaixonado por quadrinhos fica evidente ao longo de todo o trabalho, que traz algumas divertidas montagens fotográficas, como a recriação da clássica capa da Action Comics com o Superman erguendo um automóvel nos braços (aqui é o Hiper-Homem erguendo uma velha Rural!!!). Vale a pena conhecer este impressionante trabalho, e no fim dá até vontade de ver novas aventuras dos super-heróis brasileiros...
Veja o trailer de O ASSASSINATO DA MULHER MENTAL
A DAMA DA LAGOA (1997, Pedralva - MG)
Ah, esses diretores-amadores maravilhosos e seus fantásticos filmes toscos... O diretor, roteirista e "astro" Francisco Caldas de Abreu Jr. foi o responsável por uma das grandes surpresas da mostra, um filme simplesmente divertidíssimo em seus defeitos e na sua ingenuidade.
Trata-se de uma história de crime e vingança sobrenatural, realizada de maneira inclassificável. Francisco aparece como um agricultor chamado "Manjuba", e simplesmente rouba o filme ao repetir, a cada cinco minutos, todos os acontecimentos que se desenrolaram até então (ele faz isso umas quatro vezes). E ele ainda tem ataques de gagueira que foram mantidos na edição, como quando Manjuba alega que um amigo teve uma "alu... aluci... aluci... alucinação".
"A Dama da Lagoa" é aquele tipo de filme feito mais no improviso do que com preocupações técnicas ou narrativas. Por exemplo, quando uma atriz coadjuvante entrega um diário à polícia, e esquece o único texto que deveria falar no filme inteiro, simplesmente dá uma risadinha sem jeito e espera muda até que o outro ator a ajude, improvisando o restante do diálogo. E é justamente por momentos como estes que o curta-metragem (de apenas 20 minutos) é tão divertido, valorizando sotaques e pessoas que jamais teriam chance no "cinemão" oficial.
Ao que parece, Francisco e sua equipe moram beeeeem no interior de Minas Gerais, onde o sujeito é incomunicável por e-mail (que não possui) e até por telefone. Em uma entrevista, a curadora Bernardette Lyra revelou a dificuldade para fazer contato com ele, quando, ao ligar para sua casa, atendeu uma mulher:
- Eu poderia falar com o cineasta Francisco Caldas de Abreu Jr.?
- Ih, ele tá na roça, só volta à tarde.
- Faz tempo que tento contato por esse telefone...
- É que aqui, quando chove, o telefone fica um tempo sem funcionar.
A CAPITAL DOS MORTOS (2008, Brasília - DF)
Quando se falava em "filmes nacionais independentes com zumbis", minha única lembrança era o média-metragem trash "Zombio", que o catarinense Petter Baiestorf dirigiu em 1999. Isso até agora, claro, pois nos últimos anos foram lançadas mais 4 (!!!) produções brasileiras com mortos-vivos.
"A Capital dos Mortos", do brasiliense Tiago Belotti, é uma das melhores, aliando doses de humor e personagens simpáticos ao sangrento massacre realizado pelos mortos-vivos em pleno Distrito Federal. A bem da verdade, eu já havia visto o filme em DVD, mas é outra coisa você conferir numa sala de cinema, rodeado por pessoas com reações bem diferentes às cenas - e por isso é uma pena que este filme não vá passar num cinema perto de você...
O longa parte de uma suposta profecia escrita por Dom Bosco no final do século 19, sobre o apocalipse e seu início justamente em Brasília. A partir de então, o filme só vai surpreendendo mais e mais o espectador, seja por já começar com um casal de lésbicas se beijando, seja pela impressionante visão de mortos-vivos bem-feitinhos cambaleando diante de conhecidos pontos turísticos de Brasília - inclusive a Esplanada dos Ministérios!
A história é aquela tradicional dos filmes de George A. Romero (fartamente citados o tempo inteiro), mas com personagens carismáticos e engraçados, como o rapaz chato que fica provocando o amigo enquanto jogam uma partida de futebol no videogame (meu irmão faz exatamente a mesma coisa!). E quando o massacre começa é pra valer, com muitas cenas de banquetes de carne humana, tripas e órgãos arrancados, cabeças explodidas com tiros e até uma zumbi peladona (frente e verso).
Uma grata surpresa que merece ser conhecida, principalmente pelos fãs do gênero, principamente por duas participações geniais: uma de José Mojica Marins, e a outra uma ponta "além-túmulo" do falecido cineasta trash brasiliense Afonso Brazza (em cena retirada de um dos seus filmes).
Veja o trailer de A CAPITAL DOS MORTOS
RAMBÚ 4 - O CLONE (2008, Manaus - AM)
O "Rambo da Amazônia" Aldenir Coty já virou figura folclórica em todo o Brasil, tendo ganhado inclusive uma engraçada reportagem em rede nacional via Fantástico. Pode-se dizer que a persona do "Rambú", uma versão amazonense do famoso personagem de Sylvester Stallone, é muito mais divertida que o filme em si. Até porque esta comédia dirigida por Júnior Castro é bem bobinha, com um humor sem graça estilo "Zorra Total" - incluindo muitaaaaaas piadas com homossexuais.
A trama é uma bobagem sem pé nem cabeça, envolvendo um clone do Rambú (tão feio quanto o original, diga-se de passagem) e um travesti maléfico, que morreu no filme anterior, mas aqui é ressuscitado por um pai-de-santo. Eles seqüestram o pajé, líder espiritual de Rambú, na tentativa de conquistar a Amazônia, e o herói parte para destruir seus inimigos num festival de inacreditáveis cenas de pancadaria e tiroteios - acompanhados por uma trilha sonora inqualificável.
Folclórico e impagável, é um filme que vale a pena conhecer, até porque Coty leva a coisa muito a sério, ao contrário de todos os outros envolvidos. E é só o Rambú entrar em cena que as risadas estão garantidas, principalmente durante as inúmeras cenas de ação improvisadas, com sonoplastia exagerada remetendo aos filmes de pancadaria de Hong-Kong dos anos 70.
Também há inúmeros momentos impagáveis, como uma perseguição de lanchas que é surpreendente para um filme amador (e também muito trash porque Rambú, após derrubar seus rivais no rio, imediatamente joga um colete salva-vidas para que os atores não se afoguem!) e a cena em que o herói sai debaixo d'água em câmera lenta para disparar uma flechada num inimigo.
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