Outros filmes que você infelizmente NÃO vai ver num cinema perto de você
AVENTURAS DE UM CAÇADOR (2003, Recife - PE)
Dirigido pelo auxiliar de enfermagem recifense José Manoel, "Aventuras de um Caçador" dá uma idéia de como seriam os filmes de Simião Martiniano ou Seu Manoelzinho se eles tivessem uma produção melhorzinha e, principalmente, edição feita no computador: embora visualmente a obra seja caprichada, a falta de história para contar, as idas-e-vindas sem necessidade e as interpretações exageradas dos atores amadores lembram que estamos diante de um legítimo exemplar do "Cinema de Bordas".
A história acompanha as aventuras de um jovem chamado André, que se embrenha na mata para procurar o pai que ele nunca conheceu, mas sabe que é caçador. No seu encalço estão dois presidiários que ganharão a liberdade caso consigam capturar o rapaz. Todos estes personagens acabam cruzando com o caçador do título. E o "quase longa-metragem" de 55 minutos fica nisso, apenas registrando as inúmeras andanças dos personagens pela mata, registrando sotaques e hábitos bem característicos da região em que foi produzido.
"Aventuras de um Caçador" tem algumas cenas involuntariamente hilárias, como o reencontro entre pai e filho no meio do bosque. Quando o garoto diz que procura pelo pai caçador que se chama Fulano e tem uma mãe chamada Beltrana, o outro responde: "Me chamo Fulano e minha esposa é a Beltrana... Mas tem muitos Fulanos e Beltranas no mundo". Meros dois segundos depois, o caçador finalmente recebe alguma iluminação divina e então se rende: "Mas agora eu reconheço você como meu filho!".
Em dois momentos, ainda, personagens diferentes vêem-se em dificuldades por picadas de aranha-caranguejeira e de cobra venenosa. O primeiro fica caído no chão gritando incontáveis "Ai meu Deus" (pelo menos uns 30), e o segundo acaba cego (???) após a picada e, encostado a uma árvore, murmura sem um pingo de emoção: "Socorro, tou cego... Fui mordido de cobra! Socorro!". hahahaha.
Momentos como estes tornam o filme até divertido, mas é inútil tentar acompanhar a história, já que não acontece muita coisa (apesar das várias ameaças de que haverá algum conflito violento entre os personagens, conflito esse que nunca vem), e a conclusão apenas confirma o nada.
O RICO POBRE (2002, Mantenópolis - ES)
Tentar analisar um filme do folclórico Manoel Loreno, o "Seu Manoelzinho", como se fosse um filme comum é pura perda de tempo. Com lapsos temporais, edição tosca, personagens que aparecem e desaparecem e história e diálogos improvisados na hora, suas obras são quase surreais, além de bastante divertidas na sua ingenuidade e falta de recursos - Seu Manoelzinho não teria as menores condições técnicas e financeiras de fazer filmes, mas os faz, e só por isso eles já são obrigatórios.
Ele é fã de filmes de western (já fez os seus próprios, entre eles o cult "O Homem Sem Lei"), mas este "O Rico Pobre" é a sua tentativa de fazer uma comédia dramática no estilo Chaplin ou Mazzaropi, ancorada somente no seu carisma como protagonista. Manoelzinho interpreta um pobretão que vive num barraco com a esposa (muito mais jovem que ele) e com dois filhos pequenos. Certo dia, quando vai à cidade para comprar comida, resolve gastar o único dinheiro que possui num bilhete de loteria, e ganha a "fortuna" de R$ 300 mil. Feliz com a reviravolta, ele resolve queimar o barraco e todos os seus antigos pertences para comprar uma fazenda. Mas, acidentalmente, acaba queimando o bilhete premiado entre as tralhas!
É perceptível a improvisação de praticamente todas as situações, já que Manoelzinho se desloca pelo cenário falando o que bem quer, saindo de cena, voltando para a cena e deixando todos os outros "atores" completamente perdidos com o que parece inventar na hora. Lá pelas tantas, o que era comédia se transforma em filme de bangue-bangue, com o protagonista sacando seu revólver para enfrentar a polícia. Estes estão entre os momentos mais bizarros do cinema do mítico Loreno: mesmo tomando tiros à queima-roupa dos policiais, seu personagem não morre em momento algum!
Como é inútil tentar analisar o filme de uma forma convencional, o negócio é relaxar, munir-se de um pouco de paciência (pois as situações repetitivas tornam os 56 minutos mais longos do que realmente são) e dar muita gargalhada com a edição que faz sumir/aparecer pessoas em cena, com os "figurantes" que passam o tempo inteiro olhando para a câmera e com os cenários toscos que lembram uma espécie de "Dogville" nada intencional (o barraco do protagonista são quatro varas com um pedaço de lona em cima!).
Quem conhece o trabalho do Seu Manoelzinho diz que o filme foi um sucesso e já tem até remake assinado pelo próprio...
Veja uma entrevista com Seu Manoelzinho
O FAROL (2007, Pedralva - MG)
Eu estava ansioso para ver "o retorno de Manjuba", já que este curta-metragem é escrito, dirigido e estrelado pelo mesmo Francisco Caldas de Abreu Jr. que fez o engraçadíssimo "A Dama do Lago" (onde interpretava o impagável Manjuba). Pena que este outro curta é bem sem graça. Em compensação, as interpretações forçadas, a edição (ou inexistência dela) e a falta de intimidade com a câmera estão ainda mais evidentes do que no outro filme.
A trama parte de uma "lenda urbana" da cidade do cineasta: um farol misterioso que aparece na estrada à noite assustando motoristas e pedestres. Após intermináveis "cenas de arquivo", mostrando um baile de Carnaval e uma procissão de Corpus Christi na cidade (estas últimas trazem até a legenda com a data e a hora da filmagem, que o diretor esqueceu de tirar na hora de gravar!!!), três personagens, entre eles um interpretado por Francisco (vamos continuar chamando-o de Manjuba), começam a confabular sobre o tal farol e resolvem investigar o mistério.
O resto do curta acontece praticamente apenas na estrada, com Manjuba e seu amigo dirigindo um Fusquinha de uma cidade a outra para "entrevistar" pessoas e conhecer mais sobre a lenda do farol (com direito a cenas em preto-e-branco num flashback!). Tudo em clima de comédia involuntária, é claro.
Por mais que estes filmes feitos nos cafundós do Brasil sejam toscos e mal-feitos, eles continuam exercendo um estranho fascínio em quem gosta de cinema, como eu. Talvez porque imortalizem a paixão pelo cinema de um grupo ou comunidade, que dribla a falta de recursos (no caso de "O Farol", esta falta de recursos é gritante) e lança seu filme de qualquer jeito. "O Farol" pode até ser pior que "A Dama do Lago", mas me deixou curioso para conhecer outras pérolas do Francisco Caldas de Abreu Jr.
O SOCO SILENCIOSO (2009, São Leopoldo - RS)
Após dois filmes de horror ("Massacre Cirúrgico" e "Onde as Coisas Cruéis Vivem"), meu conterrâneo gaúcho Lucas Moreira ataca no cinema experimental com o curta-metragem "O Soco Silencioso", uma fotomontagem (feita com dezenas de fotografias em preto-e-branco) de 15 minutos de duração. A principal inspiração foi o clássico curta francês "La Jetée", dirigido por Chris Marker em 1962, e que explorava uma trama de viagens no tempo também utilizando fotografias em preto-e-branco.
Tecnicamente, "O Soco Silencioso" é belíssimo. O curta narra uma troca de diálogos meio aleatórios entre dois homens num quarto escuro, e o tom cada vez mais agressivo da conversa logo evolui para o que se espera: um deles pede para que o outro decepe o seu braço com uma serra. E assim... a história termina!
Talvez este seja o grande defeito do trabalho de Lucas: conquista o espectador pelo visual acachapante, pela música hipnótica e pelo tom dos diálogos entre as duas únicas figuras em cena, mas termina sem explicar ao que veio, deixando margem para várias interpretações (a dupla matou alguém e sofre uma crise de consciência? um representa o alter-ego do outro? ou é apenas blablabla filosófico mesmo?), mas sem dar muitas pistas e elementos para que qualquer associação possa ser feita.
Trata-se de um trabalho bastante difícil e diferente, e só por isso já merece ser conhecido. Inclusive fico imaginando a trabalheira para fazer, compor e editar todas as fotografias no formato de um curta-metragem. Só fiquei boiando mesmo na narrativa; talvez uma historinha mais convencional e com menos simbolismos deixasse o curta mais acessível.
MANGUE NEGRO (2008, Guarapari - ES)
O clássico dos clássicos do cinema independente brasileiro recente. O filme que todo cineasta de bordas quer fazer quando crescer. Tanto que eu brinquei com o fato de o meu filme amador e toscão "Patricia Gennice" ter sido exibido antes de "Mangue Negro" na mostra do Itaú Cultural: é a mesma coisa que uma bande de garagem ser convidada para abrir um megashow dos Beatles ou dos Rolling Stones!
Escrito e dirigido pelo gente-fina Rodrigo Aragão, que também é técnico em efeitos especiais, "Mangue Negro" recria alguns dos melhores momentos de filmes como "Fome Animal", "Evil Dead" e as produções de mortos-vivos de George A. Romero, porém num cenário tipicamente brasileiro (um mangue no interior do Espírito Santo), e com personagens tipicamente brasileiros. Esta, acredito, é a grande qualidade e principal virtude do filme do Aragão: seus personagens são gente comum como uma velha benzedeira e um catador de caranguejos, personagens que não vemos nos filmes de terror "normais" nem nas imitações destes.
Como todo bom filme de mortos-vivos que se preze, "Mangue Negro" mostra uma contaminação zumbi que se espalha pelo mangue, transformando pescadores de uma comunidade pobre em monstros devoradores de carne humana. O filme se desenvolve através de várias linhas narrativas para acompanhar as situações envolvendo diferentes personagens (como se fossem episódios dentro de uma trama maior), até que eles se cruzam e passam a lutar juntos pela sobrevivência.
Mas o fio condutor da narrativa é o amor platônico entre Luís (Walderrama dos Santos) e a lavadeira Raquel (Kika de Oliveira), que finalmente se vêem muito próximos quando ele começa a dizimar os zumbis com sua machadinha para proteger a amada.
Repleto de gosma e com banhos de sangue (literalmente) no protagonista, lembrando os bons tempos de "Evil Dead" e "Fome Animal", o filme conta ainda com maquiagens e efeitos especiais de primeira linha, que colocam a produção um passo acima de qualquer outro filme "de bordas" apresentado no Itaú Cultural. É coisa fina mesmo, profissional, digna dos melhores momentos do gênero, com cenas de carnificina brilhantemente sublinhadas pela belíssima trilha sonora original da Orquestra Sinfônica do Espírito Santo.
Se "Mangue Negro" tem um defeito, este é uma quebra no ritmo no ato final, quando uma cena na casa de Dona Benedita, a benzedeira, se arrasta muito mais do que deveria, retardando os ataques de zumbis. Mas é um problema que se esquece facilmente quando o sangue volta a jorrar, e o filme termina de forma fantástica, na hora certa, comprovando que Aragão, além de mestre dos efeitos especiais, também sabe direitinho como contar uma história!
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