Se você é um verdadeiro fã de horror e vê um cartaz de filme com uma fan-tás-ti-ca arte cyberpunk do mestre H.R. Giger e a frase "Os astros de 'O Massacre da Serra Elétrica' estão de volta", nada mais importa: você PRECISA ver aquele filme, não importa se é uma história de horror classe Z ou um drama lacrimoso produzido no Afeganistão.
Entretanto, o que você certamente não espera é que o tal cartaz pertença a um filme bizarro, que mistura gêneros sem muito critério, parecendo mais uma mistura de "Mad Max", "Porky's", "The Warriors - Os Selvagens da Noite" e "Fuga de Nova York". Pode acreditar: tal disparate, que parece até um delírio saído de alguma produção de Bruno Mattei baseada em roteiro de Jess Franco após tomar LSD, existe e possui certa fama underground. Trata-se de FUTURE KILL, obra produzida em Austin, no Texas, no hoje longínquo ano de 1985.
Nada faz muita lógica no roteiro de FUTURE KILL, e toda vez que revejo o filme (foram três vezes no total, verdadeiro prazer sadomasoquista!) fico perguntando a mim mesmo como é que nem o diretor, nem os produtores, nem os atores perceberam a lambança que estavam fazendo.
Não falta nem aquele festival de figurinos e maquiagens berrantes que representam, supostamente, o nosso futuro não muito distante - ou a visão que os figurinistas dos anos 80 tinham do nosso futuro não muito distante. (Bem, se no futuro todos teremos que nos vestir com aquelas roupas espalhafatosas e pintando nossos rostos com maquiagem colorida, como se fossemos todos figurantes de "Mad Max 2", então espero não viver muitos anos mais...)
FUTURE KILL chegou a ser lançado no Brasil, nos primórdios do VHS, com o péssimo título "A Violência do Futuro". Era uma daquelas primeiras fitas nacionais, com legendas horríveis que surgiam com atraso e não traduziam nem 60% dos diálogos, além de repletas de erros de tradução ("freaks", por exemplo, foi traduzido para "aleijões" ao invés de "aberrações").
Produzido com uma merreca, FUTURE KILL é o primeiro e único filme de Ronald W. Moore, que, na faixa de comentário do DVD importado da obra, teve a humildade de dizer: "Eu sou o diretor deste filme, se é que podemos chamá-lo assim".
Nossa história começa num laboratório futurista (leia-se: cenário pobre repleto de maquinário pobre, luzes neon e placas com o símbolo de radiação). Ali, um personagem bizarro chamado Splatter (Edwin Neal, o caroneiro de "O Massacre da Serra Elétrica") discute com outro personagem bizarro chamado Eddie Pain (Doug Davis). Torna-se necessário explicar desde já que Pain é líder de um movimento de jovens punks contrários ao uso de radiação, após um acidente nuclear acontecido dois anos antes naquela região. Estes jovens vestem-se com roupas berrantes, pintam o rosto com maquiagem colorida e chamam a si mesmos de "Mutantes", embora nenhum deles tenha, realmente, algum tipo de mutação.
Já Splatter é o principal "soldado" do movimento, um brutamontes que teve a maior parte do corpo destruída por lixo radioativo no tal acidente nuclear de dois anos antes, e, portanto, sobrevive graças a implantes biônicos - leia-se: uma bagaceira armadura feita de plástico. Ah sim: Splatter também tem garras de metal nas mãos, à la Wolverine ou Freddy Krueger, como você preferir.
Splatter, como o nome já indica, prefere utilizar de violência e métodos pouco ortodoxos para prostestar contra a radiação, mesmo que isso envolva torturar e matar os próprios membros da gangue quando eles falam com repórteres. Mas Eddie Pain, o líder dos Mutantes, odeia violência e quer que o grupo faça manifestações pacíficas para ser melhor compreendido pela sociedade, sem qualquer derramamento de sangue.
Aí FUTURE KILL simplesmente dá um corte maluco e nos leva diretamente a uma alegre e colorida fraternidade americana, típica de comédias do período.
Belas gatinhas com pouca roupa jogam em máquinas de pinball (e isso que estamos, supostamente, no futuro!), enquanto rapazes bobalhões com péssimos cortes de cabelo enchem a cara com cerveja e olham, admirados, para os peitões das moçoilas. Pelo que se percebe, nosso futuro não será nem um pouco diferente do "presente". Já o choque entre o clima "dark" e futurista da primeira cena com esta segunda é tão grande que o espectador chega a imaginar que está vendo outro filme!
A festa na fraternidade introduz nossos "heróis", cinco jovens cabaços chamados Paul (Gabriel Folse), Steve (Wade Reese, em seu único filme), Tom (Barton Faulks), Jay (Robert Rowley, em seu único filme) e George (Jeffrey Scott).
O quinteto recebe uma missão do presidente da sua fraternidade: ir até o bairro pobre onde vivem os Mutantes (apelidado de "FreakCity", uma terra de ninguém onde nem a polícia pisa, tipo "Fuga de Nova York") e raptar um dos punks para levar até uma festa da fraternidade.
Para dar mais realismo à missão, os cinco estudantes se disfarçam de Mutantes (e não estamos falando do famoso grupo musical brasileiro), com roupinha punk e toneladas de maquiagem colorida no rosto e nos olhos, e vão até FreakCity em busca de um punk para seqüestrar. Para complicar a coisa, resolvem levar justamente o líder do movimento, Eddie Pain. Eis que enquanto os jovens tentam agarrar o sujeito surge, do nada, o cruel Splatter, que não sabe que o "seqüestro" é de mentirinha. Portanto, achando que o lance é pra valer, chega sentando a mão na orelha da galera.
Quando o presidente da fraternidade sai do seu esconderijo para acalmar os ânimos e explicar que é tudo brincadeira, Splatter se enfurece e responde: "Quero ver você rir disso!", ao mesmo tempo em que crava suas pontiagudas garras metálicas na garganta do sujeito.
Com seu amigo morto, os cinco jovens bobocas ficam completamente estupefatos e desnorteados - e finalmente percebem a roubada em que se meteram! Eddie Pain dá uma bronca em Splatter, mas, revoltado com a xaropeação do chefe, o vilão resolve "pedir demissão" - neste caso, matando também o agora ex-patrão. E, obviamente, joga a culpa do assassinato na garotada da fraternidade, que àquela altura resolveu fugir para salvar a própria pele.
Pelo restante de FUTURE KILL, os cinco jovens tentarão voltar para casa atravessando um lugar hostil ("Fuga de Nova York" + "The Warriors"), e sendo perseguidos por Splatter, que precisa eliminar de qualquer jeito as testemunhas.
Diretor e roteirista de primeira viagem, Moore ainda inventa viagens como cenas em câmera lenta inseridas na montagem sem muito critério, perseguições repetitivas (espere só para ver o milésimo take dos rapazes correndo pelas ruas escuras com suas sombras refletidas no asfalto ou nas paredes, algo que o diretor deve ter achado lindo, pois repete a cada 10 minutos!!!) e momentos estapafúrdios, como aquele em que os jovens, perseguidos e ameaçados de morte por metade do bairro, simplesmente param num clube noturno e ficam assistindo tranqüilamente a um show de punk rock - ao mesmo tempo em que tentam chegar na mulherada e se dar bem, esquecendo que estão fugindo de metade do bairro!
Segundo narra na faixa de comentário do DVD importado, Moore filmou todo o roteiro que tinha à disposição e acabou com apenas 50 minutos de material nas mãos; com isso, obrigou-se a criar novas cenas e "enrolar" para fechar o tempo total de 85 minutos. Isso justifica alguns momentos difíceis de engolir, como o tal show da banda e as intermináveis perseguições.
O maior pecado de FUTURE KILL é misturar gêneros sem nunca decidir-se por um deles. Não há nenhum problema em mesclar horror e comédia, como o diretor/roteirista fez. Aliás, é válido destacar, a história começa no terreno "comédia adolescente" e da metade em diante se transforma num pesadelo sangrento, mais ou menos da mesma forma que fez, exatos 20 anos depois, Eli Roth em seu "Hostel". O problema é que Moore, ao contrário de Roth, exagerou na comédia-pastelão.
Ele também não consegue escolher entre fazer um filme pós-apocalíptico (já que os detalhes "futuristas" são escassos e praticamente resumem-se à presença do cibernético Splatter), um filme de ação (já que a "ação" se resume às cenas de correrias e algumas poucas pancadarias entre os heróis e os Mutantes) ou um filme de horror (já que o sadismo de Splatter é pouco explorado, e as cenas sangrentas são poucas, embora interessantes).
Com tanta mistureba, FUTURE KILL é exatamente o que parece: uma colagem com um pouquinho de tudo, mas menos do que seria satisfatório em cada gênero - há pouca ação, pouco terror, pouco humor e pouca ficção científica.
Mas algumas cenas são tão grotescas que chegam a se tornar engraçadas. Minha preferida é aquela onde dois Mutantes, armados de fuzis, perseguem os jovens até um beco escuro. Ali, escutam um barulho, mas é apenas um simpático gatinho saracoteando entre as lixeiras - um clichê cinematográfico mais velho que o próprio cinema. Mas então, num saboroso anti-clichê, um dos vilões fica furioso e descarrega sua metralhadora no bichano, e no take seguinte vemos o que restou da carcaça do felino crivado de balas!
Outro momento lindo é aquele em que uma prostituta assanhada inventa de fazer um boquete em Splatter - e não consigo imaginar o que ela vê de excitante num monstro robótico como aquele. Subitamente, a garota faz uma cara de assustada e o vilão agarra seus cabelos, gritando: "Se encontrar alguma coisa aí, pode começar a chupar, sua vagabunda!", antes de matá-la violentamente!
Há também resquícios de brutalidade à la "O Massacre da Serra Elétrica", como quando Splatter atinge um dos rapazes com um faconaço e ele cai no chão se contorcendo violentamente antes de morrer, algo bem semelhante à morte de Kurt no filme de Tobe Hooper.
A conclusão é o ponto alto de FUTURE KILL, com um longo confronto entre os rapazes da fraternidade e Splatter e seus mutantes num velho laboratório abandonado - onde, sem querer entregar demais, o vilão tem um destino bastante sangrento e nojento.
Por sinal, mais que um filme independente e ruim, FUTURE KILL funciona como uma verdadeira reunião de pessoas envolvidas no clássico "O Massacre da Serra Elétrica" (o original de 1974, obviamente).
Além de Edwin Neal e de Marilyn Burns (cuja passagem pelo filme é meramente decorativa, com uma pequena participação no final como a Mutante Dorothy Grim), há a presença de Robert A. Burns, que foi diretor de arte na produção de Tobe Hooper e aqui assina os efeitos especiais ao lado de Kathleen M. Hagan.
(Curiosamente, um dos capangas de Splatter é interpretado por um ainda anônimo Bill Johnson, que no ano seguinte (1986) seria convidado para interpretar o próprio Leatherface em "O Massacre da Serra Elétrica 2", que Tobe Hooper dirigiu para a Cannon Pictures!)
E se FUTURE KILL é uma bela de uma bomba (daquele tipo tão ruim que tem seu charme), uma coisa é indiscutível: a arte do cartaz é fan-tás-ti-ca. Eu até sugeriria que os curiosos comprassem a fita, jogassem fora a dita cuja e guardassem apenas a capinha com a arte do Giger!
Trailer de FUTURE KILL
******************************************************* Future Kill - A Violência do Futuro (Future Kill, 1985, EUA) Direção: Ronald W. Moore Elenco: Edwin Neal, Marilyn Burns, Gabriel Folse, Wade Reese, Barton Faulks, Rob Rowley, Craig Kanne e Jeffrey Scott.
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