GUNS AND GUTS (1974)
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GUNS AND GUTS (1974)



Eu nunca tinha ouvido falar de GUNS AND GUTS até encontrá-lo praticamente por acaso num site de compartilhamento de arquivos. Pelo título, por algumas fotos que prometiam sangue e mulher pelada e pelo diretor (o mexicano René Cardona Jr., um especialista em cinema exploitation), achei que não iria me decepcionar.

Só não imaginava a surpresa que teria ao colocar o filme para rodar. Pois, amigos, quando GUNS AND GUTS terminou, eu estava simplesmente boquiaberto. Essa é uma daquelas surpresas que você se pega imaginando porque nunca havia visto antes, e então percebe que ninguém está falando ou escrevendo sobre ela. Corrijo a injustiça: aqui está ela no FILMES PARA DOIDOS, como legítima representante desse nosso estilo peculiar de cinema.


Trata-se de um western rodado no México, mas que lembra muito, narrativamente e visualmente, os faroestes produzidos na Itália, e conhecidos popularmente como spaghetti westerns. E qual será a nomenclatura para os faroestes mexicanos? Chilli Westerns? Tortilla Westerns?

O título original é "Las Viboras Cambian de Piel" (As Serpentes Trocam de Pele), mas o título em inglês, GUNS AND GUTS, é muito mais marcante e descreve com maestria o que é o filme. Afinal, estamos diante de uma aventura suja, sangrenta e amoral daquele tipo que deixaria muito espectador atual de cabelos em pé, e que cita abertamente o cinema brutal do norte-americano Sam Peckinpah.


O filme já começa mostrando a que veio: os primeiros 20 minutos consistem, basicamente, nos personagens principais surrando uns aos outros, espancando outros figurantes e apanhando, mas quase sem diálogos. A coisa é tão curta e grossa que os personagens sequer têm nomes!

Começamos acompanhando um prisioneiro que acabou de escapar da cadeia (Rogelio Guerra, que não é meu parente). Ele consegue engambelar os homens da lei que o perseguem, e passa a espancar várias pessoas em busca do paradeiro de um antigo comparsa de quem quer vingar-se - seria o responsável pela sua prisão.


Durante o brutal processo de "interrogatório", o prisioneiro é abordado por um forasteiro (Pedro Armendáriz Jr., de "007 - Permissão para Matar") que, por coincidência, está procurando o mesmo homem, e também em busca de vingança porque o cara roubou sua esposa. Como o alvo é o mesmo, os dois resolvem somar forças.

Finalmente, em meio à caçada, a dupla pára no saloon de uma cidade e o prisioneiro fugitivo se estranha com um jogador de pôquer almofadinha (Jorge Rivero, visto depois em "Conquest", do Lucio Fulci), que está rodeado de prostitutas, mas se recusa a dividi-las com os outros clientes.


O prisioneiro e o jogador brigam violentamente por uns bons cinco minutos (lembra até aquela cena clássica do "Eles Vivem", de John Carpenter), destróem todo o bar e, ao final da pancadaria, tornam-se bons amigos. Ah, esse jeito macho de ser...

Acontece que o jogador, vejam só, é um matador de aluguel que aluga sua pistola (sem malícia) a quem pagar mais. E como os dois homens em busca de vingança precisam da mãozinha de um profissional para acertar as contas com seu alvo, resolvem contratar o assassino para integrar o grupo, agora transformado em trio.


Após diversas aventuras (incluindo até um encontro nada amistoso com um grupo de monges), os três homens chegam à cidade de Santa Fé e ao seu alvo prioritário. Pois o homem que eles querem matar é ninguém menos que o xerife do lugar (Quintín Bulnes), que vive escondido num forte vigiado por dezenas de capangas armados até os dentes, inclusive com metralhadoras gatling!

GUNS AND GUTS é aquele tipo de aventura que até segue os clichês básicos do gênero (estranhos numa missão que acabam virando grandes amigos, honra e amizade mais fortes que o medo da morte, etc etc). Mas a forma como a história é contada é a melhor coisa do filme: Cardona Jr. sempre surpreende o espectador ao fugir das armadilhas e convenções desse tipo de narrativa.


Considerando que este é um western típico, por exemplo, é curioso que o primeiro disparo de um revólver só aconteça depois de meia hora de projeção. Antes, todos os embates e "discussões" são resolvidos na base da porrada.

Por sinal, a primeira cena com um disparo de revólver já mostra o tipo de violência que veremos pelo restante do filme: um sujeito que intima o matador de aluguel para um duelo estilo "quem saca primeiro?" leva um tiro no pescoço e, em câmera lentíssima, estrebucha caído no chão com sangue esguichando da garganta, até tomar um segundo tiro, esse de misericórdia. É uma cena brutal que lembra o cinema do italiano Lucio Fulci.


Isso só prepara o espectador para o massacre final no forte do xerife, quando os três pistoleiros enfrentam dezenas de homens e o fogo das metralhadoras em um confronto do qual dificilmente sairão vivos, e que lembra bastante o sangrento desfecho de "Meu Ódio Será Sua Herança", de Peckinpah, inclusive na montagem - o filme deve ter sido a principal inspiração de Cardona Jr.

Esta é a grande cena de GUNS AND GUTS, daquelas que deixam o espectador vibrando, grudado na tela e com a adrenalina a mil. Quando uma mulher desarmada é implacavelmente fuzilada em câmera lenta por um sujeito crivado de balas comandando uma das metralhadoras, eu juro que deu vontade de pular do sofá e aplaudir de pé - ninguém mais filmou nada parecido depois que Peckinpah foi pro caixão!


Por sinal, muita gente tentou imitar ou homenagear o velho Sam com tramas sobre amizade e honra cheias de cenas de ação em câmera lenta, de Enzo G. Castellari e John Woo a Walter Hill em "O Limite da Traição" (que tem um grande tiroteio final bem parecido).

E todos estes o fizeram em grande estilo. Mesmo assim, eu me atrevo a dizer que a conclusão desse faroeste do Cardona Jr. é o mais perto que alguém chegou de conseguir copiar decentemente o tiroteio final de "Meu Ódio Será Sua Herança". É ver para crer.


Morto em 2003, com 63 anos, o mexicano Cardona Jr. teve uma prolífica filmografia, assinando quase 100 filmes como diretor. Muitos são divertidos justamente pelo sensacionalismo, como o disaster movie "Ciclone", ou o horror "Bermudas - O Triângulo do Diabo". Dos poucos filmes dele que eu vi, GUNS AND GUTS é disparado o melhor. Não apenas no quesito diversão, mas principalmente porque é muito bem dirigido e produzido.

É bom destacar, para quem não tem familiaridade com cinema mexicano, que o cineasta é filho de René Cardona, outro prolífico diretor que fez um pouco de tudo nos 145 filmes que assinou, de aventuras com lutadores mascarados a clássicos do sensacionalismo como "Os Sobreviventes dos Andes" (e até aparece numa ponta aqui no faroeste do filho, interpretando um monge).

A família já está na sua terceira geração de cineastas: René Cardona III, filho de Cardona Jr., já fez mais de 60 filmes e ainda está na ativa.


Um aspecto muito interessante de GUNS AND GUTS é a interação entre seu trio de protagonistas - que funciona, apesar de eles sequer terem nomes na narrativa. Quem rouba a cena é o matador/jogador interpretado por Rivero, que veste-se como o Sartana dos filmes italianos.

Apaixonado por prostitutas, seu sonho é ganhar dinheiro suficiente para "aposentar" várias mulheres da vida e formar um harém particular num rancho isolado da civilização. Ele passa a maior parte do filme rodeado de putas seminuas, e, numa cena hilária, joga strip-pôquer com três delas.


Ao entrar na história, o personagem de Rivero acaba eclipsando um pouco os outros dois, transformando-se no verdadeiro protagonista. Guerra interpreta o sujeito impetuoso que não vai parar diante de nada até conseguir vingar-se, fala pouco mas bate muito. Já o bonachão Armendáriz Jr. funciona como alívio cômico: raramente se envolve nas pancadarias e fica de canto assistindo, apenas esperando para ver quem vai ficar de pé. Ele veste um poncho que o aproxima do personagem de Clint Eastwood na "Trilogia do Dólar", de Sergio Leone.

Também há um pouquinho, mas quase nada, de drama e romance na narrativa, graças a uma prostituta, Chiquita (Zulma Faiad), por quem o matador de aluguel se apaixona, prometendo tirá-la da difícil vida fácil após sua última missão. O destino da personagem, na cena final, é de partir o coração e só acentua o tom seco e realista do filme.


Sempre que eu "descubro" um obra sobre a qual ninguém comenta muito, me dá a maior vontade de falar/escrever o máximo possível sobre ela, para que outras pessoas se interessem e (re)descubram-na também. Por isso, minha vontade é de escrever muitos parágrafos mais descrevendo outras cenas de GUNS AND GUTS, mas acho que já contei demais e não quero estragar a surpresa.

Portanto, largue tudo que estiver fazendo e saia em busca desse faroeste mexicano impressionante e brutal, mas ao mesmo tempo divertido e curioso, que não faz feio em comparação a grandes clássicos do western spaghetti. E que, definitivamente, deixaria o velho Peckinpah orgulhoso com sua recriação do massacre de "Meu Ódio Será Sua Herança".

Aproveite, também, para conhecer outros trabalhos da família Cardona. Tem muita porcaria, mas ao mesmo tempo boas surpresas no meio. E é muito fácil deixar-se seduzir e hipnotizar pelo cinema mexicano de ação, terror e fantasia.

GUNS AND GUTS inclusive é uma bela forma de iniciar-se nesse universo colorido e maravilhoso. E se você ainda não se convenceu... Bem, dizem que uma imagem vale mais que mil palavras. Então tome três:


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Las Viboras Cambian de Piel / Guns and Guts
(1974, México)

Direção: René Cardona Jr.
Elenco: Jorge Rivero, Pedro Armendáriz Jr., Rogelio Guerra,
Zulma Faiad, Quintín Bulnes, Chano Urueta, Rebeca Silva,
Letícia Robles, Diana Selga e René Cardona.



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