Lá no começo da MARATONA VIVA DJANGO!, vimos que o sucesso de "Django" nos cinemas europeus fez surgir uma leva de outras aventuras com o personagem, pelo menos no título. Produtores espertalhões simplesmente pegaram faroestes italianos ou espanhóis que estavam sendo filmados ou concluídos e "adaptaram" títulos e pôsteres para que se transformassem em aventuras não-oficiais do personagem - com o objetivo óbvio de tentar abocanhar pelo menos uma pequena fatia da bilheteria da obra estrelada por Franco Nero.
Na maioria dos casos, os produtores não faziam nada além de colocar "Django" no título e no pôster de aventuras cujos heróis já haviam sido batizados com outro nome. O pobre espectador só descobria que tinha comprado gato por lebre quando já estava dentro da sala de cinema, o filme começava e o personagem principal era chamado por algum outro nome (Regan, Peter, Billy, Ray...), menos Django!
DJANGO ATIRA PRIMEIRO faz parte desta primeira leva de "Sotto-Djangos" (como eram chamados os "Sub-Djangos" pela crítica de cinema da Itália), e percebe-se claramente que trama e personagem principal não têm nada a ver com o original. O filme chegou aos cinemas apenas seis meses depois do "Django" de Sergio Corbucci, evidenciando que já estava sendo filmado quando o outro foi lançado e foi transformado numa aventura não-oficial do personagem na pós-produção.
Pelo menos neste caso os realizadores tiveram tempo suficiente para fazer algumas pequenas adaptações não só no título e no pôster de cinema, mas também na trama do filme. Incluindo, por exemplo, um rápido diálogo em que o herói, que se chama Glenn Garvin, explica que os mexicanos o apelidaram de Django, justificando assim o título picareta. (Para não ser injusto, o apelido "Django" é citado mais três ou quatro vezes no filme, talvez para que os espectadores não se sentissem tão enganados; mesmo assim, todo mundo se refere muito mais vezes ao herói pelo seu nome "oficial", Glenn Garvin).
Em sua segunda encarnação cinematográfica, Django/Glenn Garvin é interpretado pelo ator holandês Glenn Saxson (nome de batismo: Roel Bos), que fez pouquíssimos filmes, entre eles "Vá com Deus, Gringo" (1966), de Edoardo Molargia, e o personagem-título do policial "Kriminal" (1966), dirigido por Umberto Lenzi.
DJANGO ATIRA PRIMEIRO começa de maneira bem curiosa: um jovem pistoleiro (Saxson) encontra um caçador de recompensas (José Manuel Martín) que está levando o cadáver de sua última vítima até uma cidade próxima, Silver Creek, para trocar o presunto pelo dinheiro da recompensa. O herói se aproxima do corpo e descobre que se trata de Thomas Garvin, seu próprio pai, a quem não via desde a infância e a quem estava justamente indo reencontrar em Silver Creek! A vingança é instantânea: o pistoleiro se apresenta como Glenn Garvin, filho do finado, e saca mais rápido, matando o caçador de recompensas pego absolutamente de surpresa!
Aí se desenrola um curioso momento de humor negro: Django/Glenn Garvin (vamos chamá-lo de Gardjango a partir de agora, para não precisar ficar citando sempre os dois nomes) começa a cavar uma sepultura para enterrar o pai no deserto, ao mesmo tempo em que CONVERSA animadamente com o finado. É quando tem um momento de "iluminação" e resolve levar o cadáver do seu velho para a cidade e embolsar os 5.000 dólares da recompensa, ao invés de deixá-lo para apodrecer lá no meio do nada!
Dito e feito: Gardjango embolsa a bufunfa em Silver Creek (onde apresenta-se como Glenn Garvin E Django, explicando que este último nome era o seu apelido no México) e está prestes a deixar a cidade em paz e com uma boa graninha no bolso. Mas aí ele é abordado por um bonachão chamado Gordon (Fernando Sancho), que revela ao herói que seu pai não era um bandido, mas sim um homem de negócios acusado injustamente.
Acontece que o velho Thomas Garvin era sócio do figurão local, Ken Kluster (Nando Gazzolo), em praticamente todos os seus empreendimentos na cidade, do banco ao saloon. Mas o tal figurão resolveu incriminar o ex-sócio para ficar com tudo. Ele só não esperava que o único filho de Garvin, desaparecido há anos, voltasse à cidade. E quando Gardjango descobre a pérfida trama, decide reaver o que é seu por direito - ou seja, 50% de Silver Creek! -, nem que para isso precise enfrentar Kluster e seu exército de capangas.
É quando começam as encrencas de praxe: é óbvio que se Kluster já não queria dividir a fortuna com o pai, muito menos o fará com o filho! O vilão passará o restante do filme mandando seus capangas contra Gardjango, mas nosso herói é muito mais rápido no gatilho. E não demora para o rapaz somar forças com Gordon e com um homem misterioso sempre vestido de preto que acabou de chegar à cidade, conhecido como Doc (Alberto Lupo), para juntos derrubarem o império de Kluster.
No meio do confronto, também há duas personagens femininas representando o Bem e o Mal: de um lado está Lucy (Erika Blanc), a doce proprietária do saloon, que obviamente acaba se apaixonando por Gardjango; do outro lado está a maquiavélica amada de Kluster, Jessica ("Evelyn Stewart", aka Ida Galli), que, conforme descobriremos no segundo ato, era casada com o misterioso Doc, mas, interesseira que só, deixou-o para desfrutar da fortuna (roubada) de Kluster.
Temos, assim, uma curiosa inversão de papéis em DJANGO ATIRA PRIMEIRO: Fernando Sancho, que geralmente interpretava sádicos vilões mexicanos em faroestes como "Sete Dólares para Matar", de Alberto Cardone, aqui aparece em raro papel de cidadão honesto (e também alívio cômico), enquanto Ida Galli, quase sempre associada ao papel de doce mocinha em perigo nos westerns estrelados por Giuliano Gemma (entre eles, "O Dólar Furado" e "Adios Gringo"), aparece na pele de uma vilã sem escrúpulos. Tudo bem, a coitadinha exagera um pouco nos olhos arregalados como sempre, mas é uma graça mesmo assim.
DJANGO ATIRA PRIMEIRO foi dirigido por Alberto De Martino, à época com 37 anos. Como muitos outros cineastas italianos (incluindo os "Sergios" Leone e Corbucci), De Martino começou sua carreira filmando aquelas aventuras baratas com gladiadores e/ou heróis mitológicos, tipo "Perseu, O Invencível" (1963) e "O Triunfo de Hécules" (1964). Apesar de depois ter assinado alguns westerns spaghetti, o diretor ficaria mais conhecido pelas suas aventuras policiais e de espionagem, e principalmente pelo filme de horror "O Anticristo" (1974), uma versão italiana de "O Exorcista".
Em entrevista publicada no "Dizionario del Western all'italiana", de Marco Giusti, De Martino confirmou que DJANGO ATIRA PRIMEIRO não foi originalmente concebido como aventura de Django e sequer tinha um personagem com este nome no roteiro (o herói chamava-se apenas Glenn Garvin, sem nenhum "apelido dado pelos mexicanos").
Na verdade, a grande inspiração dos seis (!!!) roteiristas foi o clássico da literatura "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas. "Queríamos fazer 'Os Três Mosqueteiros do Velho Oeste', onde Glenn Saxson seria D'Artagnan", explicou o diretor na entrevista. Ele inclusive assina como um dos roteiristas, ao lado de Sandro Continenza, Massimiliano Capriccioli, Tito Carpi, Vincenzo Flamini e Giovanni Simonelli.
Se o falso Django seria D'Artagnan, os outros mosqueteiros eram o bonachão Gordon e o misterioso Doc, enquanto o vilão Kluster assumiria o papel de um sub-Cardeal Richelieu e sua parceira, Jessica, o da vilanesca Milady de Winter. (Em algumas versões de "Os Três Mosqueteiros" a Milady também era ex-esposa de um dos heróis, o mosqueteiro Athos, justificando esta sub-trama envolvendo Doc e Jessica Kluster no filme.)
Mesmo que eu nunca tivesse lido a entrevista com De Martino confirmando a gênese do projeto, fica bem claro para qualquer um que DJANGO ATIRA PRIMEIRO não passa de um faroeste genérico que alguém transformou em aventura de Django simplesmente alterando o título e o nome do personagem principal. Até porque o herói interpretado por Saxson não tem absolutamente nada em comum com o do filme de Sergio Corbucci - faria até mais sentido se rebatizassem como "O Dólar Furado 2" ou "Ringo Ataca Novamente".
Por isso, este é o Django mais leve e "romântico" da Maratona, contrastando com aquele tipo cínico, calado e truculento interpretado por Franco Nero (posteriormente copiado por atores como Jack Betts e Anthony Steffen). O Gardjango de Saxson é um herói de boa índole, paquerador, que está sempre sorrindo e até faz piadinhas, bem diferente do anti-herói de poucas palavras e poucos amigos interpretado por Nero. Já o vilão de Gazzolo é aquele típico homem de negócios bunda-mole que dá ordens o tempo inteiro e nunca suja as mãos, bem diferente dos sanguinários antagonistas enfrentados pelo herói no clássico de Corbucci.
Visualmente e narrativamente, DJANGO ATIRA PRIMEIRO tampouco tenta se parecer com a obra de Corbucci como outros "Sotto-Djangos" produzidos nos anos posteriores. Cenários e personagens são limpinhos, os inúmeros tiroteios e mortes são praticamente inofensivos, e o filme todo tem um tom meio cômico e leve, bem censura livre - com direito a uma cena em que o herói precisa esconder-se numa banheira de espuma para livrar-se da perseguição dos seus rivais.
O próprio estilo de direção de De Martino está mais para o faroeste norte-americano (a exemplo de colegas como Giorgio Ferroni em "O Dólar Furado") do que para o western spaghetti dos Sergios Leone e Corbucci, o que poderá desagradar quem for ver por causa do nome do personagem no título e esperando algo minimamente parecido.
A bem da verdade, a única coisa que este tem em comum com "Django", além do nome do personagem, é que a conclusão também envolve um tiroteio num cemitério. Sem o mesmo clima do final do filme de Corbucci, é óbvio, mas ainda assim uma bela conclusão, com Gardjango enfrentando Kluster num duelo mais tradicional (estilo "quem saca primeiro") sobre o túmulo do velho Thomas Garvin.
De Martino dirige com visível entusiasmo, buscando belos enquadramentos e explorando a paisagem na linda fotografia em widescreen (ainda bem que não vi este nos tempos do VHS, quando a copiagem cortava as laterais da imagem para ficar em tela cheia). Mesmo assim, DJANGO ATIRA PRIMEIRO é bem convencional e igual a baldes de outros faroestes italianos do mesmo período, com cenas de ação sem grandes novidades (resumindo-se ao "aponta o revólver para o bandido e atira") e até uma gigantesca pancadaria estilo comédia-pastelão no saloon, como mandavam as convenções do período. Até a música composta por um mestre, Bruno Nicolai, é apenas correta, mas pouco memorável.
Para não ser injusto, o roteiro escrito a 12 mãos (!!!) até reserva alguns toques bem interessantes aqui e ali: além do começo genial envolvendo o inesperado "reencontro com o pai", há um irônico final-surpresa que complica toda a trama e deve deixar muitos espectadores revoltados. Por sinal, este momento também marca a estreia no cinema do popular ator George Eastman (foto acima), à época com 24 anos, quase irreconhecível com cara de moleque e sem sua barba e bigode característicos!
Eu até diria que estas cenas inicial e final, as únicas que fogem do lugar-comum, ajudam a salvar DJANGO ATIRA PRIMEIRO do terreno do "completamente descartável". O problema é que Gardjango é um herói bem meia-boca, especialmente para quem espera um Django no estilo Franco Nero de ser. Falastrão e simpático, Glenn Garvin não poderia estar mais distante do apelido que os mexicanos lhe deram. O próprio intérprete Saxson não teve muito mais futuro no gênero, passou a fazer comédias e aposentou-se do cinema em 1983.
Vale destacar a presença do mestre Enzo G. Castellari como assistente do diretor. Ele estrearia oficialmente na direção no ano seguinte (1967), com "Vou, Mato e Volto", mas em 1966 estava super-requisitado no mundo do western spaghetti: na mesma época das filmagens de DJANGO ATIRA PRIMEIRO, ele também trabalhava como assistente de direção de Giorgio Ferroni em "Ringo Não Perdoa", com Giuliano Gemma, e teve que se dividir entre os dois sets de filmagem.
Além disso, naquele mesmo ano de 1966 Castellari praticamente dirigiu sozinho "Poucos Dólares para Django", com Anthony Steffen, que foi "oficialmente" assinado pelo argentino León Klimovsky por questões burocráticas, mas teve a maior parte das cenas feitas pelo assistente de direção! Apesar do título, "Poucos Dólares para Django" é uma daquelas enganações típicas do período, onde o nome do personagem só aparece no título (o pistoleiro interpretado por Steffen chama-se Regan).
Dos envolvidos em DJANGO ATIRA PRIMEIRO, pelo menos dois teriam destaque em outros "Sotto-Djangos": o ator Fernando Sancho voltou (desta vez no habitual papel de vilão mexicano) no excelente "10.000 Dólares para Django", enquanto um dos seis roteiristas, Tito Carpi, também ajudou a escrever "O Filho de Django".
A partir do ano seguinte , começariam a estrear "Sotto-Djangos" mais elaborados, já que seus realizadores tiveram um pouquinho mais de tempo para estudar o que deu certo no filme de Corbucci para tentar copiar, ao invés de simplesmente adicionar "Django" no título.
Mas apesar de alguns filmaços terem saído dessa safra de 1967, infelizmente não é o caso da nossa próxima obra em análise, "Django Não Espera... Mata".
Assista DJANGO ATIRA PRIMEIRO (dublado)
******************************************************* Django Spara per Primo (1966, Itália) Direção: Alberto De Martino Elenco: Glenn Saxson, Fernando Sancho, Nando Gazzolo, Ida Galli, Erika Blanc, Alberto Lupo, Guido Lollobrigida, José Manuel Martín e Marcello Tusco.
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