Quando a carreira de um ex-astro de filmes de ação está quase morta e enterrada, o pobre coitado tem dois caminhos a seguir: ou cai no inferno dos filmes "direct-to-DVD", com pouca e às vezes nenhuma visibilidade, ou tenta reinventar sua imagem e voltar às luzes da ribalta, mesmo que às vezes apenas pela curiosidade mórbida.
Não faltam exemplos bem-sucedidos recentes dessa segunda alternativa. Sylvester Stallone, por exemplo, chegou a cair no inferno dos filmes direto para locadora ("Missão Perigosa", de 2002) e até fez um patético vilão em "Pequenos Espiões 3D" antes de reciclar-se com os excelente "Rocky Balboa" e "Rambo 4",
O belga Jean-Claude Van Damme também estava destinado a penar em produções bagaceiras quando estrelou um excelente filme policial, ainda pouco conhecido, chamado "Até a Morte", em que interpretava um anti-herói em busca de redenção. Acabou reencontrando seu público e passou a estrelar alguns filmes melhorzinhos, como o interessante "JCVD" e o divertido "Soldado Universal 3".
Chegamos então a Steven Seagal e O JOGADOR. O ex-astro caiu no inferno do "direct-to-DVD” em 2002, depois de "No Corredor da Morte" (seu último filme a ganhar lançamento nos cinemas). Mesmo seus fãs mais fanáticos pararam de acompanhar sua filmografia, tal o baixo nível da maioria dos filmes.
Para piorar, o próprio ator descuidou-se e engordou demais, tornando-se uma figura patética que não convence mais nem lutando, sendo geralmente substituído por dublês. E como ele nunca conseguiu realmente INTERPRETAR, o que sobra quando o sujeito não convence lutando? Quem quer ver Steven Seagal "interpretar"? Pois é...
Ao contrário de Stallone e Van Damme, entretanto, Seagal parece nunca ter se importado com sua visível decadência. Mesmo gordo, mesmo estrelando produções cada vez mais bagaceiras, ele continua firme e trabalhando, fazendo de quatro a cinco produções por ano, todos elas desovadas direto na prateleira das locadoras.
Mas O JOGADOR, que ele produziu e estrelou em 2008, parece ser uma primeira (e mal-sucedida) tentativa do ex-astro reinventar sua imagem, como antes fizeram Van Damme e Stallone. Pode-se até dizer que o filme é o "Até a Morte" de Steven Seagal, que aqui aparece, talvez pela primeira vez, como um personagem cheio de defeitos, vícios e questionamentos morais - um autêntico anti-herói, em resumo.
Infelizmente, Seagal não é Van Damme. Sua notória incapacidade de mudar de expressão facial não ajuda nada quando você estrela um filme que inclui vários lances dramáticos, interpretando um personagem alcoólatra em busca de redenção. Não é exagero dizer que O JOGADOR poderia ter sido um filmaço com outro ator no lugar do barrigudo Seagal.
Ele "interpreta" Matt Conlin, um policial afastado do departamento por suspeita de ter roubado uma bolada em dinheiro do tráfico. Como Van Damme em "Até a Morte", Matt se transforma numa caricatura de herói: viciado em jogo, perde toda sua grana nas mesas de pôquer e depois enche a cara e dorme com prostitutas em pensões baratas.
Porém, ao contrário de Van Damme naquele filme, Seagal não teve coragem de mostrar com detalhes a decadência do seu personagem. Sim, vemos Matt jogando pôquer e perdendo; sim, vemos Matt segurando copos de uísque na mão (e cheirando e fazendo cara feia), mas nunca vemos o RESTO da viagem do "herói" ao inferno, algo que é somente comentado por outros personagens ao longo do filme.
Enfim, abandonado pela esposa e pela filha, Matt acumula uma dívida imensa no pôquer e provavelmente vai acordar algum dia com a boca cheia de formiga. Mas subitamente aparece uma organização secreta, liderada por um misterioso sujeito conhecido apenas como Old Man (Lance Henriksen!!!!), e paga todas as suas promissórias. Com uma condição: Matt deve fazer uns "servicinhos" para eles.
Serviços de execução, no caso. Como pistoleiro contratado pela organização, o "herói" recebe fotos de alvos que deve apagar, supostamente bandidões que escaparam da justiça e devem receber o merecido castigo. Ele cumpre algumas das missões, mas começa a se questionar: estará fazendo a coisa certa? Principalmente quando descobre que um dos alvos exterminados tinha uma filha da mesma idade que a dele.
Mas a coisa complica de vez quando Matt recebe a missão de matar seu melhor amigo, um policial recém-promovido que, para piorar, é o atual marido da ex-mulher do protagonista - e padrasto da sua filha. A organização secreta argumenta que o tira é corrupto e deve morrer, mas Matt aposta sua vida na integridade do sujeito. Inicia-se o dilema.
Se O JOGADOR tem um ponto positivo, este é a reviravolta no terceiro ato do filme. Tudo se encaminha para um nojento clichê (Matt recusando-se a matar o melhor amigo e combatendo a própria organização que o contratou), até que o filme tem coragem de revelar que o tal melhor amigo é, sim, um policial corrupto e bandidão, e não o cara inocente que Matt imaginava!
Porém, tirando esse contra-clichê, há bem pouco de interessante, ou de novo, para se ver em O JOGADOR. Se essa era uma tentativa de dar um novo rumo à carreira de Seagal, com um personagem um pouco mais complicado e cheio de conflitos, o resultado é medíocre e decepcionante.
E olha que ele fez quase tudo certo: descartou aqueles diretores de segunda com quem vinha trabalhando e chamou o holandês Roel Reiné para comandar a câmera. A direção de Reiné (do divertido "A Encomenda") dá uma certa sofisticação ao filme e à história batida, mas esbarra nas limitações da produção e do ex-astro.
Afinal, qual é a lógica de você encher um filme de ação com cenas "dramáticas", que mostram seu protagonista dividido e martirizado, se o astro da bagaça não tem a menor condição de "atuar" e demonstrar seus problemas? E quem engole que um brutamontes que quebra braços e explode cabeças a tiros tenha inspiração religiosa, vivendo na igreja em conversas filosóficas com um padre?
Toda e qualquer cena em que Seagal tenta mostrar que está "amargurado" tem resultado patético, quando não engraçado. Ao perder uma bolada no pôquer, por exemplo, tudo que ele faz é colocar a mãozinha na testa, mas mantém a mesma expressão facial de sempre!
O mesmo vale para todos os momentos em que ele supostamente precisava demonstrar seu alcoolismo - nunca vemos o ator bebendo, apenas segurando copos de uísque nas mãos e fazendo caretas.
Esse talvez seja o grande pecado de O JOGADOR: parece até que Seagal recusou-se a abandonar totalmente a sua tradicional imagem de "fodão", preferindo não apresentar literalmente os defeitos do seu personagem (ao contrário do que fez Van Damme).
Uma pena, pois interpretar (ou tentar, pelo menos) um personagem cheio de defeitos e pontos fracos, e não o FDP invencível e seguro de si que ele faz sempre, seria um belo diferencial na sua filmografia.
Já as cenas de ação são razoáveis, bem filmadas e sem muitas firulas, apenas em menor número do que se espera num filme de ação com Steven Seagal. Ele atira mais do que bate (e, quando chuta, mal consegue levantar a perna, de tão fora de forma), mas protagoniza algumas cenas interessantes por mostrar-se mais implacável que a média dos heróis "politicamente corretos" de hoje (executa a sangue-frio um alvo desarmado, por exemplo).
O tiroteio final é num cemitério, com música clássica e uma infinidade de cenas em câmera lenta que parecem cópia do que John Woo fazia 20 anos atrás (em outras palavras, estão mais datadas que disquete de computador).
Num plano bem legal, Seagal está se protegendo atrás de uma lápide quando um tiro arranca um pedaço do bloco de pedra; ainda no ar, o estilhaço é atingido por outro tiro e rodopia em câmera lenta!
Se a parte dramática não funciona, as cenas de ação são poucas e rotineiras e Steven Seagal não convence, o que sobra em O JOGADOR para merecer uma resenha tão longa aqui no FILMES PARA DOIDOS?
Nesse caso, o fator trash. O tal de J.D. Zeik, que escreveu o roteiro, estava inspiradíssimo e colocou na boca dos personagens diálogos totalmente sem-noção, que, para piorar (ou melhorar) são falados a sério.
A cena campeã nesse quesito é aquela em que o herói Matt se aproxima de um vilão moribundo e pergunta: "Você quer ser enterrado ou cremado?". Como últimas palavras, o sujeito murmura: "Enterrado". Sem nem esperar o cara morrer direito, Matt atira seu corpo para dentro de um carro e explode o veículo a tiros. Olhando para as chamas, grita: "Você foi cremado, seu filho da puta!".
Por essas e por outras, O JOGADOR até mantém a atenção. Embora seja um dos filmes melhorzinhos que Steven Seagal fez de dez anos para cá, ainda assim é fraco e cheio de defeitos, principalmente os "tempos-mortos dramáticos" arruinados pela incapacidade do ex-astro de atuar.
Ah, e não se espante com o nome de Lance Henriksen nos créditos, pois ele faz uma participação meramente decorativa e não aparece em cena nem cinco minutos. Outro que aparece no esquema "piscou, perdeu" é o astro de quinta categoria Matt Salinger, que no passado foi o Capitão América naquele filme sofrível do Albert Pyun (e aqui interpreta a banca no jogo de pôquer do início).
Talvez eu possa recomendar O JOGADOR como um filme para você ver com seu pai fã do Domingo Maior. Ele é até capaz de ficar entretido com os (poucos) tiroteios e pancadarias, afinal já viu coisa bem pior, enquanto você vai no mínimo dar umas boas gargalhadas com a "atuação" de Seagal e com os diálogos bisonhos de J.D. Zeik.
E se O JOGADOR não funcionou como tentativa de reinventar a imagem de Seagal, e quem sabe resgatar sua carreira do fundo do poço, depois dele o "ator" começou a atirar para todos os lados: fez piada com a própria imagem num trailer falso da comédia "The Onion Movie", lutou contra vampiros em "Escuridão Mortal", fez um ex-mafioso russo (!!!) em "Conduzido para Matar" (espécie de "Senhores do Crime" da Cannon Films, e um belo filme, quem diria...) e uma marcante e hilária participação como vilão em "Machete", de Robert Rodriguez.
É esperar para ver o que todas essas doideiras vão trazer ao ator: um pouquinho de glória ou o fim definitivo do que restou da sua "carreira"? De todo jeito, se continuar assim, Seagal tem papel certo num futuro remake de "Free Willy"...
Mas bem que os roteiristas dos novos filmes do "ator" poderiam explorar melhor a questão da idade e da gordura de Seagal, escrevendo-lhe personagens mais complexos, com limitações e defeitos (como Stallone em "Rocky Balboa", por exemplo), talvez até dificuldades para lutar.
Afinal, não dá mais para engolir uma baleia assassina matando suas vítimas fora da água.
Trailer de O JOGADOR
******************************************************* O Jogador (Pistol Whipped, 2008, EUA) Direção: Roel Reiné Elenco: Steven Seagal, Bernie McInerney, Antoni Corone, Paul Calderon, Lance Henriksen, Renee Goldsberry e Mark Elliot Wilson.
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