Spirit de porco
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Spirit de porco



O ano mal começou e talvez ainda seja muito cedo para dizer que THE SPIRIT é a grande bomba de 2009. Mas como eu sinceramente duvido que veremos algo tão decepcionante e tão surpreendentemente ruim até dezembro, vou dizer mesmo assim: caros leitores, THE SPIRIT é, por enquanto, a grande bomba de 2009.

(Ou pelo menos até que algum outro diretor consiga realizar a mesma façanha de Frank Miller, aqui diretor e roteirista, de desperdiçar um elenco fantástico e milhões de dólares numa narrativa sem pé nem cabeça calcada apenas no visual. E, para a sorte de Miller, sempre tem gente como Uwe Boll e Michael Bay correndo por fora na competição de pior do ano. Se bem que eu duvido que o próprio Uwe Boll conseguisse fazer um filme do Spirit tão ruim quanto esse...)

Comecemos do começo: Frank Miller é um dos grandes nomes dos quadrinhos contemporâneos. OK. E de visual o homem entende, não dá para negar. Mas daí para dizer que ele é "diretor de cinema", tendo como único crédito uma "co-direção" concedida de favor por Robert Rodriguez em "Sin City", é exagero.

Para piorar, em THE SPIRIT Miller parece não estar adaptando os exagerados, revolucionários, criativos e cartunescos quadrinhos do personagem homônimo criado por Will Eisner. Parece, isso sim, estar fazendo uma espécie de "Sin City 2" por conta própria, mas com o personagem de Eisner perdido no meio da coisa.

O humor negro, os personagens afetados, o visual escuro com algumas poucas cores (tipo o vermelho) se sobressaindo nos tons monocromáticos... tudo remete a "Sin City", e pouco ou nada ao material original de Will Eisner. Logo, este não é o "Will Eisner's The Spirit", como diz o cartaz internacional do filme, mas sim o "Frank Miller's The Spirit Attacks in Sin City"!!! Simples assim.


Não vou ficar aqui torrando a paciência do leitor e repetindo tudo que os críticos de verdade já escreveram sobre a importância dos quadrinhos de Eisner para a construção das modernas HQs para adultos. Particularmente, não sou um especialista na obra de Eisner, mas o pouco de material do Spirit que eu tenho e conheço é apaixonante. Em algumas histórias, por exemplo, o herói aparece apenas como coadjuvante, à margem de uma trama que não tem sua participação direta; em outras, importa mais o layout das páginas (com letreiros e desenhos invadindo o espaço da ação) do que a história em si.

Quem sabe Miller achou que seria uma grande coisa fazer seu filme do mesmo jeito que Eisner fazia os quadrinhos: ao invés de contar uma história, o diretor de primeira viagem prefere trabalhar o visual, filmando quadros absurdos e abusando de uma narrativa em estilo desenho animado - com aquela violência exagerada mas sem sangue, o extremo oposto de "Sin City".

O problema é que, por trás do visual fascinante do filme, não sobra nada - o contrário das narrativas escritas e desenhadas por Eisner nos quadrinhos, que eram ótimas! E quero ver alguém dizer que realmente acompanhou com interesse, no filme, a luta do Spirit (o novato Gabriel Macht, mais perdido que surdo em bingo) contra o vilão Octopus (Samuel L. Jackson, péssimo), em busca de uma relíquia arqueológica à la Indiana Jones.

A verdade é que este THE SPIRIT raramente faz sentido e nunca mostra ao que veio. Miller parece preocupado apenas com a parte artística da coisa, e esquece que os personagens precisam ter ações e motivações. Claro que não ajuda colocar um monte de atores na frente de um fundo verde e não saber dirigi-los. Acaba virando um samba do crioulo doido, sendo que este é o próprio Samuel L. Jackson, numa interpretação que deixaria com orgulho muito palhaço de festinha infantil.

Miller nem ao menos se preocupa em explicar a origem de Spirit para quem não conhece os quadrinhos (o que acabou ajudando a assinar a sentença de morte da película para o grande público), sumiu sem explicações com o parceiro que o herói tinha nos quadrinhos (Ebonny White, um taxista negro e trapalhão) e ainda desperdiçou um elenco feminino estelar em participações confusas e nada inspiradas - entre as beldades, Scarlett Johansson, Eva Mendes, Jaime King e Sarah Paulson. Acho que o sujeito ficou perdido com tanta mulher gostosa no set e esqueceu que precisava fazer um filme inteiro, e não apenas cenas esparsas com as moças e os outros atores.


O pior é que THE SPIRIT até tenta investir num humor caricatural no estilo do ótimo "Dick Tracy" do Warren Beatty (uma releitura criativa de quadrinhos para o cinema), mas sem qualquer sucesso. O que ficou lembra muito pouco os quadrinhos de Eisner: está muito mais para um cruzamento do horrendo "Batman & Robin" com o visual do igualmente decepcionante "300", e o resultado passa anos-luz à margem do que poderia ser um filme do Spirit.

É uma pena, pois o personagem tinha potencial para uma aventura bem colorida e divertida, e não escura e afetada como esta que só agora chegou aos cinemas brasileiros, depois de tomar pau de críticos no mundo inteiro (o que também deve abreviar a carreira de Frank Miller como "diretor de cinema").

E enquanto eu me contorcia na poltrona de um cinema espanhol tentando enxergar algum objetivo em cenas como aquela em que Octopus e sua parceira se vestem com uniformes nazistas, ou alguma graça nos capangas clonados do vilão (uma idéia que parece saída de filmes melhores, como o francês "Ladrão de Sonhos"), fiquei pensando que talvez aquilo não fosse realmente um filme do Spirit, mas uma sátira do filme do Spirit feita pelo programa humorístico norte-americano Saturday Night Live (ou uma paródia da revista Mad, como definiu o Leandro Caraça no blog Viver e Morrer no Cinema).

A dferença é que, aqui, a piada é de mau gosto e absolutamente sem graça, a despeito de todo o potencial e talentos envolvidos. Muita gente está mostrando boa vontade para com esse lixo, mas meu parecer é bem radical: nota zero com louvor!

Engraçado, mesmo, é que este tal de Frank Miller sempre reclamou da pouca consideração da "indústria do cinema de Hollywood" em relação aos seus roteiros para os filmes "Robocop 2" e "Robocop 3". Ele alega que ambos foram mutilados pelos produtores ao ponto de ficarem irreconhecíveis, e que quase todas as suas idéias foram descartadas. A julgar pelo resultado deste THE SPIRIT, começo a entender o porquê destes alegados cortes...


E não esqueçam, amiguinhos, que o mesmo Frank Miller que fez o clássico "O Cavaleiro das Trevas" e algumas das melhores HQs do "Demolidor" também escreveu e desenhou o pavoroso "O Cavaleiro das Trevas 2". Logo, todos erramos. O que nos difere é justamente o tamanho das nossas cagadas! E essa chamada THE SPIRIT é beeeeeeeem grande...

PS: Retornando ao blog depois de um período afastado cuidando de detalhes xaropes de mudança de cidade, saída de emprego e início de uma nova vida. Agradeço pela paciência dos leitores fiéis, voltarei a ser mais atuante a partir de agora.




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