Uma chance para filmes boicotados - Parte 1
Filmes Legais

Uma chance para filmes boicotados - Parte 1



Há alguns posts atrás, na parte dos comentários, eu tentei explicar meu critério para "boicotar" filmes como "Avatar", "Anticristo" e a trilogia "Jurassic Park". Mas a verdade verdadeira é que não existe um critério muito definido: eu simplesmente não tenho a menor vontade de assistir certos filmes por diferentes motivos, seja sua super-exposição na mídia, os "talentos" envolvidos ou o fato de alguns não fazerem qualquer diferença para mim como espectador. É basicamente por estas razões que nunca vi "Sociedade dos Poetas Mortos", que não engulo os filmes do famoso L.V.T., e que nem me dei ao trabalho de ver as seqüências de "X-Men" (por ter achado o original tão medíocre).

Aí chega este período mágico das férias, quando mesmo cheias de coisas para fazer, como eu, subitamente se encontram com muito tempo nas mãos. Isso, somado a uma vantajosa promoção na locadora da minha cidade para quem alugasse 10 DVDs por vez, fez com que eu engolisse meu orgulho (hã?!?) e desse uma chance a várias obras, conhecidas ou nem tanto, que eu havia boicotado no passado. O que quer dizer que, num futuro não muito distante, talvez eu dê uma nova chance também para os boicotados de agora, tipo "Avatar".

Bem, como eu já vi 43 filmes neste início de ano (muitos deles anteriormente na lista de "não vi e não gostei"), optei por castigá-los com um extenso relatório em três partes trazendo a minha avaliação de alguns deles, incluindo produções que passei anos (em alguns casos, até décadas!) sem ver. Eu não esperava nada da maioria, mas - quem diria - apareceram boas surpresas, enquanto outros bem que podiam ter continuado boicotados...

A eles:



A parte interessante desse início de ano foi que rolou uma "Sessão Dupla John Woo", em parte motivada pela interessante retrospectiva do trabalho do diretor publicada no blog O Dia da Fúria. Eu tinha boicotado a "fase norte-americana" de Woo a partir de "Missão Impossível 2", porque sentia que este cineasta, cuja obra eu muito admirava, vinha se repetindo, e seus maneirismos já se tornavam motivo de chacota, não de orgulho. Foi com certo receio, portanto, que comecei a ver CÓDIGOS DE GUERRA (Windtalkers, 2002, EUA. Dir: John Woo), mas ao final dos 134 minutos eu simplesmente não conseguia entender o motivo da fria recepção ao filme na época do seu lançamento - foi um fiasco de bilheteria que quase enterrou a carreira do diretor.

A historinha é a de sempre em se tratando de Woo, novamente trabalhando temas como amizade e honra, desta vez em plena brutalidade da Segunda Guerra, filmada com o habitual brilhantismo técnico do diretor - aqui voltando ao "ballet da violência" à la Sam Peckinpah que era a marca registrada dos seus grandes filmes de Hong-Kong.

O resultado parece um remake de "No Coração do Perigo", um dos meus filmes preferidos de Woo, sem poupar em sangue e perdas para os dois lados do confronto, remetendo diretamente ao cinema de Peckinpah (algumas cenas envolvendo corpos arremessados em arame farpado inclusive lembram muito "A Cruz de Ferro", o clássico de guerra do velho Sam). E Woo não faz feio na comparação, mesmo quando apela para clichês típicos do gênero. Veredicto: filmaço de guerra que quase ninguém viu, uma pena!



O mesmo não se pode dizer do segundo filme da Sessão Dupla, O PAGAMENTO (Paycheck, 2003, EUA. Dir: John Woo). A história (baseada em conto de Philip K. Dick) é intrigante o suficiente para manter a atenção do espectador, mas o resultado é burocrático e nada memorável. A relação de defeitos renderia um post inteiro: Ben Affleck não convence como herói de ação, Uma Thurman está feia e vive um romance patético com o protagonista, o vilão de Aaron Eckhart é ridículo, e o impagável Paul Giamatti é sumariamente desperdiçado como alívio cômico.

E se a trama é bastante curiosa (uma espécie de releitura de "O Vingador do Futuro", sobre memórias apagadas e perda de identidade), o maior problema talvez seja justamente a direção de Woo: você fica o tempo inteiro esperando cenas de ação mirabolantes no estilo do cineasta, mas estas nunca aparecem, com a exceção de uma perseguição envolvendo os heróis numa moto sendo caçados por carros e um helicóptero. Pouco, muito pouco, para suprir as expectativas de quem conhece o talento de Woo (até "Blackjack", aquele filme para a TV que ele fez com o Dolph Lundgren, tem mais ação!!!), e por isso um outro diretor talvez conseguisse um melhor resultado.

Não que o resultado seja ruim: passa como Sessão da Tarde, mas desaparece da mente horas depois - o que é irônico, considerando que perda de memória é justamente o tema do filme!



O GUARDA-COSTAS (The Bodyguard, 1992, EUA. Dir: Mick Jackson) foi um fenômeno pop no ano de seu lançamento, e é um dos filmes que minha mãe mais viu na vida (quarenta-e-poucas-vezes, desde a última vez que perguntei). Lá atrás, em 1992, era o "Titanic" do momento, e talvez por isso eu tenha perdido o interesse de vê-lo então. Nem vou explicar os motivos que me levaram a assisti-lo agora, quase 20 anos depois, porque isso também renderia um post a parte. Mas simplesmente não dá para entender os motivos para "isso" ter virado fenômeno pop.

OK, o filme é divertido e até vale como passatempo; tem algumas cenas legais e um Kevin Costner "cool", quase anti-herói, anos antes de virar um mala egocêntrico em tranqueiras ambiciosas como "O Mensageiro". Só que o conjunto da obra é lamentável: não passa de um suspense preguiçoso, com um romance que não convence e um par romântico impossível de engolir. Se eu fosse guarda-costas da Whitney Houston, não iria me esforçar muito para proteger a vida dela, pelo menos não da personagem chatíssima e arrogante que ela interpreta aqui.

Também não dá para entender como um cara do calibre de Lawrence Kasdan escreveu um roteiro tão insosso, daqueles que você adivinha nos primeiros 10 minutos quem é o "misterioso assassino" e o "misterioso mandante do crime", supostas revelações "surpreendentes" do último ato. Conclusão: uma Sessão da Tarde cuja fama não se justifica. E talvez minha mãe esteja necessitando de ajuda psiquiátrica...



Bem, quem acompanha o FILMES PARA DOIDOS sabe que tenho certo preconceito com "moderninhos queridinhos da crítica". O francês Michel Gondry é um deles, mas pelo menos neste caso o culto apaixonado a BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004, EUA. Dir: Michel Gondry) se justifica: o filme é bem legalzinho, diferente e muito criativo, e ainda traz Jim Carrey muito bem num papel um tanto "diferente" (já que passa a maior parte da trama revivendo suas próprias memórias enquanto elas desaparecem).

O que me fez "desgostar" um pouco da coisa toda é aquela desesperada tentativa de querer ser "moderninho", ou "culti" - como as cores de cabelo da Kate Winslet, algumas doideiras que só existem para justificar a fama de "maluco beleza" do roteirista Charlie Kaufman (outro queridinho da crítica que eu não engulo), e "rebeldias" tipo mostrar atores famosos (Mark Ruffalo, Elijah Wood e Kirsten Dunst) fumando maconha - oh céus, que horror!!!

Por essas e por outras, mesmo que o filme tenha ficado acima do que eu esperava, é obviamente mais um daqueles casos do tipo "Ame ou odeie", como "Encontros e Desencontros" (que eu particularmente amo). Não é que eu tenha odiado "Brilho Eterno...", só não morri de amores não.



Outra bela surpresa deste resgate de boicotados foi REGRAS DO JOGO (Rules of Engagement, 2000, EUA/Canadá/Inglaterra/Alemanha. Dir: William Friedkin). Até porque qualquer filme em que um militar ordena o massacre de dezenas de inocentes no Iêmen, e é o HERÓI da história, merece um mínimo de consideração só pela coragem.

O que diferencia este de bobagens pró-militarismo estilo "Falcão Negro em Perigo" é o fato de Friedkin não estar endeusando o "heroísmo" do milico vivido por Samuel L. Jackson, e sim criticando o fato de ele ser um fantoche orgulhoso de ter "cumprido suas ordens", mesmo que isso envolva o tal massacre de inocentes. Friedkin é um mestre em cenas realistas de ação e violência, como demonstra nas cenas iniciais (no Vietnã) e no já citado massacre em frente à embaixada do Iêmen. O restante do filme se concentra no julgamento do protagonista, mas o diretor não deixa a peteca cair, manipulando cada espectador para tirar suas próprias conclusões sobre a inocência ou culpa do personagem de Jackson.

É uma pena, portanto, que o estúdio tenha forçado o cineasta a incluir uma cena (totalmente dispensável) que comprova a "verdade" sobre o ocorrido, tirando do espectador o veredicto final. Mesmo assim, no conjunto, eis outra gema perdida que eu demorei muito para ver e que, no geral, merecia mais reconhecimento - pelo menos muito mais do que o medíocre "Falcão Negro em Perigo".



Um caso que me deixou perplexo foi CINE MAJESTIC (The Majestic, 2001, EUA. Dir: Frank Darabont). O diretor vinha de dois sucessos ("Um Sonho de Liberdade" e "À Espera de um Milagre", e fez um filme bonitinho com um pouco de tudo que o público podia querer: Jim Carrey como astro, uma linda história de amor, uma situação edificante com lição de moral estilo Frank Kafka, belíssima reconstituição de época e todo aquele "blablabla" tradicional sobre a magia do cinema - parece até que a intenção era fazer um "Cinema Paradiso" falado em inglês.

Mas o resultado foi um fracasso de bilheteria que também quase acabou com a carreira do diretor (ele demorou seis anos para voltar com o excelente "O Nevoeiro"). Uma pena, pois "Cine Majestic" é um ótimo filme. Tudo bem, há defeitos evidentes, como os personagens bonzinhos demais para existirem fora do universo cinematográfico, ou o sentimentalismo empurrado goela abaixo do espectador (só faltam legendas do tipo "Hora de chorar" ou "Prepare-se, agora vai morrer Fulano"...).

Mesmo assim, achei o resultado positivo, nem que seja apenas pelas cenas que retratam a Hollywood dos anos 50, ou pelo falso filme "Sand Pirates of the Sahara" (roteirizado pelo personagem de Carrey), que traz Bruce Campbell como herói estilo Indiana Jones recuperando um ídolo dourado idêntico àquele visto no início de "Os Caçadores da Arca Perdida"! Fechando-se um olho para o excesso de água-com-açúcar, uma obra acima da média - e injustiçada!



Fechando esta primeira parte do resgate dos filmes boicotados, nada melhor do que relembrar o "Avatar" de cinco anos atrás, CAPITÃO SKY E O MUNDO DO AMANHÃ (Sky Captain and the World of Tomorrow, 2004, EUA. Dir: Kerry Conran). Permitam-me arejar vossas memórias: na época do seu lançamento, esta produção relativamente barata (custou 40 milhões de dólares) era saudada com comentários tipo "a revolução do cinema", graças à tecnologia que permitiu que cenários e personagens fossem inteiramente criados por computador, enquanto os atores de carne-e-osso atuavam diante de uma tela azul. Revistas especializadas deram capa e falaram maravilhas sobre a obra, e críticos tipo aquele que é piada em conversas de cinéfilo tascaram cinco estrelinhas, maravilhados com o que viram. Dá até uma sensação de déja-vu agora com "Avatar"...

Ironicamente, ao contrário do que está acontecendo com "Avatar", o público não se sensibilizou: mesmo com orçamento relativamente baixo, o filme acabou nem se pagando, e a "revolução do cinema" foi rapidamente esquecida. Nem é difícil entender o porquê: como parece ser o caso também agora com o filme de James Cameron, a única atração de "Capitão Sky..." são os efeitos digitais, que criam um "mundo novo" (com visual retrô dos anos 30-40), mas sem que exista uma história interessante ou minimamente diferente para prender o interesse do espectador, que logo cansa daquele gigantesco videogame não-interativo.

A intenção do diretor-roteirista de primeira e única viagem era criar um herói de ação com sua própria série, estilo Indiana Jones, mas o Capitão Sky de Jude Law não teve fôlego para justificar a realização de novas aventuras, perdido em cenas de ação frouxas e nitidamente falsas, personagens fracos e sem carisma e uma história inexistente que parece ter sido escrita às pressas. Assim não há visual fantástico que salve, e ainda que o filme tenha algumas qualidades (tipo os robôs, alguns cenários e a piada da cena final), serve mais como prova de que às vezes é cedo falar em "revolução do cinema", pois quem faz este julgamento de valor é o tempo.

Veremos se "Avatar" terá o mesmo destino do Capitão Sky...



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