Filmes Legais
Tudo que você sempre quis ler sobre GLAUBER ROCHA, mas tinha preguiça de procurar
Uma das coisas mais chatas para quem estuda/estudou Comunicação ou Cinema é que os professores tentarão desesperadamente te vender a idéia de que Glauber Rocha é um gênio, um deus, o intelectual dos intelectuais, uma criatura abençoada vários degraus acima de nós, pobres mortais. Isso é sagrado, e se você não concordar com eles é porque a sua ignorância lhe cega, o seu preconceito lhe oprime, e não lhe permite enxergar a beleza e a genialidade do
"maior cineasta brasileiro de todos os tempos"!
Pessoalmente, Glauber Rocha para mim sempre foi um chato de galocha e um caso clássico de
"Não vi, não gostei", como escrevi nas minhas breves linhas sobre "Deus e o Diabo na Terra do Sol" alguns posts abaixo. Sim, eu conhecia algumas cenas dos seus filmes mais famosos, li muito sobre o homem e a obra, mas sempre que tentei ver algum dos seus filmes, não consegui ir muito além dos primeiros minutos. Vai ver a genialidade do Glauber é demais para a minha pobre cabecinha ignorante e acostumada ao "lixo cinematográfico" mais tradicional, mas juro que não consigo entender a grande contribuição glauberiana para o cinema brasileiro, quem dirá para o cinema mundial!
Enfim, neste ano eu resolvi que ia dar uma chance ao "gênio", forçando-me a agüentar bravamente uma revisão da sua obra. Acabei chegando à conclusão de que o culpado não sou eu. O cinema glauberiano pode até ter seus méritos (imagens e planos belíssimos, algumas ótimas idéias, o aproveitamento da cultura regional, do misticismo do Nordeste...), mas no fim seus filmes não me descem nem à força.
EU NÃO CONSIGO GOSTAR DE GLAUBER ROCHA, e sempre me pareceu que a obra de Glauber é exageradamente super-estimada - "suportar" seus filmes até o fim só me confirmou esta suspeita.
É comum se sentir um alienígena por pensar assim, já que a maioria absoluta dos pensadores/pesquisadores/professores/críticos de cinema do Brasil (e alguns do exterior também) acha Glauber um Deus. Tente discutir a obra do cara com um daqueles metidinhos a cinéfilo-cult para ver o que acontece – só não vá armado! E foi justamente por me sentir um alienígena que vibrei de satisfação ao encontrar, por acaso, esta velha crítica de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", escrita à ocasião do lançamento do filme, em 1964.
Pois vejam só: a crítica traz tudo aquilo que eu sempre quis ler sobre Glauber Rocha! Podia muito bem ser usada como contraponto, nas universidades, àqueles textos do Ismail Xavier que tratam tudo que vem do Glauber como pura genialidade.
O autor é
B.J. Duarte, crítico de cinema que, à época, era inimigo declarado de Glauber por causa das bobagens que o baiano disse e escreveu sobre o cinema paulista. Em alguns de seus artigos, Duarte referiu-se a Glauber e seus colegas cinema-novistas como
"cabeludos sem asseio, desmazelados críticos e realizadores, praticantes de um cinema incerto e inculto, pasticheiros incorrigíveis", e outras maravilhas com as quais eu concordo quase 100%. Melhor ainda: escreveu que Glauber e sua turma praticavam
"um cinema confuso, mosaico feito com cacos da nouvelle vague, os cacos de muito aparvalhado e a cacologia dos servis imitadores de Godard e Antonioni, de Zavattini e do japonês Oshima". Alguém realmente não concorda com isso?
Segue, na íntegra, os escritos do sujeito sobre "Deus e o Diabo...", e não é preciso concordar 100% com ele, mas reparem que o autor faz observações pertinentes que muitos "entendidos" relevam frente à sua cega paixão (ou seria idolatria?) glauberiana. Muitas vezes, simplesmente por puro medo de fazer feio diante de seu círculo de amiguinhos cinéfilos! Portanto, abram a cabeça e deleitem-se:
"Ao afirmar, desde logo, que não me agradou o filme de Glauber Rocha – Deus e o Diabo na Terra do Sol – não quero, com essa apreciação preliminar e radical, negar a inteligência de seu realizador, nem menosprezar seu entusiasmo de jovem, no manuseio dessa história de cangaço e misticismo, na sua ambição de realizar algo definitivo nesse indefinido 'Cinema Novo', de que é ele o campeão insuperável e o guarda-costas mais fiel.
Uma longa conversa com Glauber Rocha antes de assistir ao filme foi-me muito benéfica, na antecipação da análise da obra, e as declarações prestadas por seu realizador a respeito de suas idéias, gerais e particulares, sobre Deus e o Diabo, a abarcar o panorama do cinema brasileiro atual, firmaram posições, definiram pontos de vista e esclareceram satisfatoriamente algumas contradições e incoerências de atitudes encampadas no livro de Glauber 'Revisão Crítica do Cinema Brasileiro', sobre o qual eu escrevera exaustivamente neste jornal. E, como após a leitura desse livro, a impressão que fica, ao acender das luzes de Deus e o Diabo na Terra do Sol, é a de que Glauber Rocha deu um passo maior do que as pernas, claudicando grosseiramente ao fim desse esforço no campo áspero do cinema.
Seu filme é algo de deplorável em matéria de linguagem cinematográfica, apenas a demonstrar por parte do autor o desejo de colocar o cinema do Brasil na órbita de um movimento 'artístico' surgido na Europa ultimamente (embora as idéias que o configuram sejam antiquadas e superadas), chamado na França de 'cinema-verité', aqui caricaturado a expensas do nosso 'Cinema Novo', também esse, como é sabido, sem ostentar nenhuma novidade digna de atenção e de respeito. De fato até agora, tudo quanto apregoa o 'Cinema Novo' brasileiro ou é algo de muito velho, ou algo de muito ruim. (
Nota do Felipe: Este parágrafo merecia ser emoldurado e pendurado nas salas de aula de cursos de Cinema ao redor do país!)
Suas derivações mais recentes, Glauber Rocha as contou, em prosa inflamada, na sua 'Revisão Crítica', nesse livro tentando a árdua empresa de ordenar e expor o 'modus faciendi' da técnica de suster uma câmara na mão, sem apoio de tripé, sem os óculos dos filtros, sem a reverberação compensatória dos rebatedores, coisa de adolescentes que, pela primeira vez, conseguiram ter à mão uma câmara de amador e que, através do visor restrito, descobrem um mundo novo, configurado por uma técnica que desconheciam. Acontece que o mundo, para eles novo, continua a ser o mundo velho sem as porteiras de sempre e o que o aparelho consegue captar são imagens capengas e canhestras, só formativas da obra característica de aprendizes. Aprendizes de feiticeiros, que ao final, ou ao meio da produção, não sabem como situar-se no tumulto que criaram, nem como terminar a empreitada que a princípio lhes parecia tão fácil.
Deus e o Diabo na Terra do Sol é bem um exemplo disso. Projeção trêmula, quadros trepidantes, incríveis vaivéns de panorâmica sem função, desrespeito absoluto pelas regras mais elementares da técnica cinematográfica, iluminação precária da fotografia (não raro fora de foco) totalmente apartada da dramaturgia cinematográfica, desintegração total da unidade dramática, ausência de qualquer elemento criador na montagem narrativa fragmentada, descosida, tantas vezes incompreensível, eis o espetáculo de Deus e o Diabo na Terra do Sol, algo a que se assiste com enfadonha e fadiga, cujo final se recebe com alegria e desafogo.
'Uma ópera popular primitiva, brasileira e sem rebuscamentos', eis como define sua obra o próprio Glauber Rocha, ao referir-se a Deus e o Diabo na Terra do Sol, em entrevista concedida a este jornal. Primitivo, sem dúvida, seu filme o é; mas, primário seria melhor qualificação. Primário na exposição do tema, primaríssimo em sua feitura e em seu acabamento, uma negação total de seu próprio título. Não há Deus, nem Diabo, nem Sol, nessa terra em que Glauber Rocha erigiu o cenário de sua ópera. O seu Deus é um pobre diabo negro, enfático e declamador, incapaz de convencer o mais bronco dos sertanejos. O seu Diabo é um deus caricato, cabeludo, metido a filósofo do sertão e bailarino das caatingas. E o Sol brilha por sua ausência, nessa terra que deverá estar crestada por ele, nesse chão sofrido que os cantadores populares descrevem como algo ressequido e morto. Pois a paisagem de Deus e o Diabo, ainda que árida, se apresenta sob o foco (ou fora de foco) da 'câmara na mão' de Glauber Rocha, sempre sob um céu nublado, nunca sapecado pelo sol abrasador.
Nesse pano de fundo não raro neutro e sem características maiores, movem-se os personagens da 'ópera': Manuel e Rosa, Sebastião e Corisco, os camponeses do Nordeste, os escravos da gleba, o cego Julio, os minguados cabras de Corisco, o Antônio das Mortes, chapelão texano, capa preta a envolver esse 'Zorro' do sertão. Tudo isso pode ter sido concebido de modo metafórico, alegórico, simbólico, aceito de bom grado essa possibilidade na expressão de Deus e o Diabo. Tais recursos, entretanto, sempre foram utilizados pelo homem, desde que, antes de ter uma câmara na mão, pôde segurar um estilete, ou uma pena para pôr na pedra, no papiro, ou no papel suas idéias, sua sensibilidade, e assim descrever os abismos de sua alma, ou figurar os anseios da sua condição humana.
Mas é preciso que tais recursos - metáforas, alegorias, símbolos - sejam propostos no momento exato, conforme as circunstâncias e de modo funcional. Um homem vestido de capa preta, chapéu de aba larga, lenço ao pescoço, espingarda à mão, a andar de lá pra cá, a correr ou a saltar no campo cinematográfico, sem integrar-se na linha, no cenário, no âmago da ação dramática e na compreensão da história, só continuará a ser um homem de capa preta, simbolizando talvez um tenório em Caxias, ou um 'zorro' ao tempo das missões na Califórnia, nunca a expressar um 'coro', ou um 'prólogo' das tragédias antigas, ou mais simplesmente o 'Antônio das Mortes', matador de cangaceiros, no sertão de Cacorobó...
Não sinto nenhum prazer, senão apenas um sentimento de melancólica decepção ao ter de comentar o filme de Glauber Rocha, não de modo metafórico, mas às claras e sem preconceitos. Admiro a inteligência do jovem cineasta baiano e tenho-o na conta de alguém capaz de muitas coisas no cinema brasileiro. Falta-lhe contudo a maturidade dos velhos, a experiência dos que envelheceram sob a luz dos refletores, desse instrumental cinematográfico que Glauber tanto condena. Mas, isso não é irremediável. O passar do tempo lhe dará tudo e mais alguma humanidade, que é coisa de muita importância na realização do cinema legítimo, desse cinema que tanto ele quanto eu próprio almejamos para o Brasil. Vamos esperar, por isso." (04 e 05/09/1964)CLAP, CLAP, CLAP, CLAP, CLAP, CLAP!!!
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