Um osso muito mais duro de roer
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Um osso muito mais duro de roer



Assisti TROPA DE ELITE 2 na primeira sessão do dia do seu lançamento nacional (8 de outubro de 2011). Saí abobado do cinema. Nem percebi a viagem de ônibus de volta para casa, de tanto que estava imerso no filme que acabara de ver.

A prova é que somente hoje, cinco dias depois, consegui finalmente escrever algumas mal-traçadas linhas sobre o novo petardo do José Padilha.

TROPA DE ELITE 2 é uma cacetada na cabeça. E provavelmente o filme mais corajoso já feito no Brasil, ou pelo menos no pós-Retomada (o que também não é muito difícil). Duvido que alguém seja macho para fazer algo mais corajoso do que isso nos próximos dez ou vinte anos. Se "Tropa de Elite" enfiava o dedo na ferida, este segundo filme enfia a mão inteira na ferida, e ainda taca sal em cima depois.

Ainda me lembro de quando começava a se falar no original, na época em que o filme começava a vazar na internet. Alguém, não vou lembrar quem, postou nos comentários do blog do Caraça que "Elite Troop" (na época do vazamento, ainda era conhecido pelo título em inglês) era obrigatório.

Baixei sem nem saber o que era e fiquei louco. "Tropa de Elite" era o filmaço brasileiro que eu esperava há anos para ver. Não aquela beatificação do papel do bandido que cineasta brasileiro (vulgo "sociólogo") adora fazer, mas um filme sem frescuras sobre os problemas pessoais e a violência do dia-a-dia dos que tentam manter a lei no Rio de Janeiro.


Pra quê? Obra, personagens e diretor foram acusados até de fascistas!

Enfim, gostei tanto do "Tropa de Elite" original que gravei vários DVDs piratas e distribuí para todos os meus amigos dizendo que eles PRECISAVAM ver aquele filme. Dito e feito: virou febre ANTES de chegar aos cinemas. Só eu vi no mínimo umas 15 vezes.

(Desculpe, José Padilha, pelo meu ato de pirataria. Mas pode estar certo de que quase todos os meus amigos que viram esse DVD que eu distribuí depois foram conferir "Tropa de Elite" na telona, pelo menos uma vez!)

Com o sucesso do original, começavam a pipocar os boatos sobre o que seria do Capitão Nascimento, personagem principal do filme, e os soldados durões do Bope. Falava-se em transformar "Tropa de Elite" em seriado de TV, com uma missão diferente por episódio, idéia que não era de todo desprezível. Falava-se até em criar uma franquia nos moldes das aventuras hollywoodianas, transformando Nascimento em herói casca-grossa à la "Stallone Cobra", outra idéia nada desprezível.


E o que faz José Padilha?

Acredite se quiser, mas TROPA DE ELITE 2 é um filme ABSOLUTAMENTE DIFERENTE do primeiro.

Quem só quer ver o Bope invadindo morro e passando fogo nos traficantes poderá até ficar decepcionado, já que esta sequência é uma história de intrigas palacianas, onde os tiroteios no morro foram trocados pelas guerras de interesses (não menos violentas) em gabinetes.

Assim, ao invés de fazer o descerebrado filme policial ou de ação que seria natural após "Tropa de Elite" e suas dezenas de frases de efeito ("Bota na conta do Papa", "Pede pra sair", "Você é um fanfarrão", e por aí vai...), Padilha preferiu entregar um filme que, como já foi escrito por aí, lembra aqueles filmes policiais introspectivos e lentos do cinema italiano, tipo "Confissões de um Comissário de Polícia", do Damiano Damini, em que um policial de boa índole vai enfrentar o "Sistema" e acaba sendo destruído por ele.

Se no primeiro filme o Capitão Nascimento e seus homens enfrentavam o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, enquanto Padilha e o roteirista Bráulio Mantovani apontavam o dedo acusando a classe média de financiar o mesmo tráfico, agora o enfoque é diferente. A frase no cartaz de TROPA DE ELITE 2 já alerta: "O inimigo agora é outro". E mais perigoso do que o original.


Passado nos tempos atuais (e não em 1997, como o original), este segundo filme traz um envelhecido Capitão Nascimento, agora Tenente-coronel Nascimento, soberbamente interpretado por Wagner Moura.

A primeira cena do filme na verdade é quase o final. Nascimento é emboscado por um grupo de inimigos armados (não numa favela, mas no meio da cidade) e tem seu carro completamente metralhado. Com sua tradicional narração em off, ele diz "É na hora da morte que a gente entende a vida", e põe-se a contar como acabou daquele jeito.

O público fica em suspense até perto da conclusão, quando a cena é retomada: terá Nascimento realmente morrido?

A narrativa volta no tempo alguns meses, quando o Bope foi chamado para controlar uma rebelião de presos em Bangu I e acabou provocando um massacre ("Bandido bom é bandido morto", lembra?). Na imprensa, os tradicionais defensores dos direitos humanos caem matando e pedindo a cabeça de Nascimento.

(Esta cena lembra dois dramáticos fatos verídicos recentes da história brasileira: a desastrada ação do Bope no caso do sequestro do ônibus 174 e o massacre no Carandiru.)


Só que, para o horror dos defensores dos direitos humanos, o cidadão comum festeja a ação do Bope e a chacina dos marginais. Isso coloca o governador do Rio de Janeiro numa sinuca: não pode simplesmente demitir Nascimento, para não provocar a fúria da opinião pública. Solução: nosso "herói" sai do Bope, mas é "encaixado" como subsecretário de Segurança Pública.

Ali, Nascimento tem a chance de tentar lutar contra o Sistema por dentro do próprio Sistema. Transforma o Bope numa máquina de guerra, e praticamente limpa o tráfico dos morros. Mas é quando surge um novo problema: a corrupção na polícia militar carioca, que se organiza em milícias para "vender segurança" na favela.

Convém não falar muito mais sobre a história para não estragar as surpresas, como fizeram outros críticos "profissionais" por aí. Só vá ao cinema sabendo que o "novo inimigo" citado no cartaz não são os traficantes semi-analfabetos e truculentos de "Tropa de Elite", mas sim a corrupção.


E aí sobra para todo mundo: políticos, polícia militar e imprensa. Padilha, Mantovani e o Tenente-coronel Nascimento miram para todos os alvos e dão balaços certeiros em cada um deles, mas sempre deixando bem clara a impotência de um único homem "honesto" contra um Sistema podre e corrupto.

Acredite: é um osso muito mais duro de roer. E se Nascimento saía-se razoavelmente bem contra os marginais na favela, quando podia usar livremente armamento pesado e técnicas de tortura, contra políticos corruptos a solução não é assim tão "simples".

TROPA DE ELITE 2 traz de volta velhos conhecidos, como o agora capitão do Bope Matias (André Ramiro), o covarde Capitão Fábio (Milhem Cortaz), dessa vez promovido a coronel, e o Major Rocha (Sandro Rocha), que no original tinha apenas uma ceninha (onde dizia o bordão "Pra rir, tem que fazer rir", citado aqui outra vez em cena impagável), e agora foi alçado ao papel de terrível vilão.



A ex-mulher de Nascimento, Rosane (Maria Ribeiro), também volta, e agora há um drama secundário com a figura do filho adolescente do casal, que não concorda com o "trabalho" do pai.

E surgem novos e ótimos personagens, como o ativista dos direitos humanos Diogo Fraga (Irandhir Santos) e o apresentador sensacionalista de televisão Fortunato (André Mattos), que manipula as massas e defende que não se investigue nada "em ano de eleição". Eles estão entre as melhores coisas deste segundo filme.

Pela cena inicial, eu temia que o papel de Irandhir fosse se transformar naquele típico mala que fica o filme todo incomodando o protagonista. Mas o "Che Guevara" (como Nascimento apelidou Fraga) mostra-se um personagem muito mais rico e interessante, principalmente da metade para o final.


Já Fortunato, que grita, dança e esbraveja em seu programa de TV "Mira Geral", lembra um cruzamento de Wagner Montes com Datena.

Quando digo que TROPA DE ELITE 2 é um filme corajoso, não é exagero meu. Padilha e sua trupe jogam na tela, sem rodeios ou maquiagem, que a culpa pela violência urbana é dos políticos, e que a violência no morro é apenas a ponta de um iceberg que envolve os palácios dos governos e a própria Brasília.

Se no original víamos o traficante Baiano executando friamente dois adolescentes no "microondas", como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, agora Padilha nos mostra políticos participando de banquetes ou relaxando na sauna enquanto seus "aliados" matam personagens principais da trama sem dó nem piedade (prepare-se para ficar puto ao sair do cinema).


Por sinal, é esse belo jogo de contrastes que torna TROPA DE ELITE 2 tão rico, e muito superior ao primeiro filme - que já era um filmaço, é bom que se ressalte.

Se em "Tropa de Elite" o povo vibrava ao ver o Capitão Nascimento torturando e espancando marginais no morro, aqui a cena aplaudida com mais entusiasmo é aquela em que o Tenente-coronel Nascimento faz a mesma coisa com um político corrupto. O cinema vem abaixo: é como se fosse uma vingança contra a corrupção que já virou praticamente um sinônimo da política brasileira.

Outro momento marcante é a primeira vez em que vemos Nascimento voltando para a sua casa após um dia de "trabalho". Pois a câmera está posicionada da mesma forma no mesmo cenário da casa do personagem em "Tropa de Elite", e ele novamente vai para a cozinha servir-se de um copo de água gelada, como fazia no original, comprovando que absolutamente nada mudou para o protagonista de 1997 para cá.

Finalmente, a cena em que o Capitão Matias, agora no comando do Bope, espanca um traficante e depois tortura, com a ajuda do tradicional saco plástico, ilustra a transformação do policial idealista visto no primeiro filme no seu mentor Nascimento, que fazia exatamente a mesma coisa em "Tropa de Elite". Neste cena, Matias não assume apenas o manto de Nascimento, ele SE TRANSFORMA em Nascimento.


(E é no mínimo triste ver como o Capitão Nascimento fodão de "Tropa de Elite", aquele que atirava antes e perguntava depois, agora dá espaço a um Tenente-coronel Nascimento preso a burocracias e entraves políticos, sem a menor possibilidade de ganhar a briga "do seu jeito". Isso fica muito claro na cena em que todo o seu argumento contrário a uma missão é desconsiderado com um simples telefonema para uma "autoridade")

Mesmo que boa parte do filme se passe em gabinetes e escritórios, TROPA DE ELITE 2 consegue criar aquele suspense tenso que faz o espectador roer as unhas. Desta vez os protagonistas não estão marchando pelas ruas e becos dos morros na mira de traficantes, mas ironicamente lidam com inimigos tão perigosos quanto - e que também atiram pelas costas.

Não dá pra deixar de citar o personagem de Milhem Cortaz, novamente roubando a cena sempre que aparece, agora com um bigodinho e jeitão cafajeste que lembram o saudoso Jece Valadão. Seu Coronel Fábio tem algumas das melhores falas do filme, incluindo a já clássica "Se quer me foder, me beija".

Talvez o único ponto fraco do filme seja Rafael, o filho adolescente de Nascimento. A impressão que fica era que o personagem deveria ter um espaço maior no filme, mas talvez suas cenas tenham sido limadas pela inexpressividade do ator-mirim Pedro Van-Held. Todas as cenas com o garoto ficam aquém do seu potencial, mesmo a singela "conversa" entre pai e filho num ringue de artes marciais.


Todo o resto é irrepreensível, ainda mais para quem jurava que o raio não poderia cair duas vezes no mesmo lugar e dificilmente Padilha, Wagner Moura e cia. fariam algo tão legal quanto o primeiro "Tropa de Elite".

Com direito a uma série de divertidas citações feitas pelo roteirista Mantovani, pescando frases não apenas do original ("Você é um moleque!", "Pra rir, tem que fazer rir"), mas de outros trabalhos que ele escreveu (tem uma fala que remete ao diálogo "Quem disse que a boca é tua?", de "Cidade de Deus").

Como escrevi no começo, eu saí da sala de cinema literalmente abobado, entre os aplausos do público que lotara a sessão. Mas também saí preocupado com um possível fracasso comercial do filme, justamente por tocar num tema mais espinhoso, sem os tiros, espancamentos e bem-humoradas frases de efeito do original.



Pelo jeito, não é o que vai acontecer: os números de bilheteria estão nas alturas, crítica e público estão amando a obra com igual intensidade, e TROPA DE ELITE 2 tem tudo, mas tudo mesmo, para ser o melhor filme do ano.

De minha parte, espero revê-lo em breve, outra vez no cinema, e (tomara!) outra vez num cinema lotado, para vibrar com a sala toda na cena do espancamento do político corrupto.

Quem sabe o povão não começa a abrir os olhos com filmes como esse, principalmente depois da arrepiante cena em que uma câmera aérea passeia por Brasília enquanto a voz em off de Nascimento explica, sem rodeios, quem é o verdadeiro inimigo.

Que, como eu já escrevi, é um osso muito mais duro de roer.




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