"They call him MACHETE"
Filmes Legais

"They call him MACHETE"



Quando 2010 começou, boa parte dos cinéfilos desse mundo (eu inclusive) jurava que dois seriam os filmes do ano: "Os Mercenários", de Sylvester Stallone", e MACHETE, de Robert Rodriguez.

Enquanto o primeiro prometia uma explosiva reunião de ícones do cinema de ação casca-grossa dos anos 80, o segundo apresentava-se como uma brincadeira absurda e sangrenta homenageando o mesmo tipo de ação inconseqüente, mas agregando também elementos do cinema "exploitation" da década de 70.

Bem, as duas grandes promessas de "filme do ano" já foram lançadas, e no fim ambas revelaram-se apenas isso mesmo: PROMESSAS, bem aquém do seu potencial - um tanto burocráticas, um tanto levadas a sério demais -, frustrando as altíssimas expectativas geradas pelos trailers.


Eu até diria que "Os Mercenários" e MACHETE se tornaram dois exemplo clássicos daquele velho ditado: "Quando a esmola é muita, até o santo desconfia".

Não que eles não sejam divertidos, pelo contrário. Só ficam bem abaixo do que todo mundo esperava pelos trailers e pelos conceitos dos projetos, soando até burocráticos e oportunistas.

A idéia de um herói mexicano politicamente incorreto acompanha o diretor-roteirista Rodriguez desde a época de "A Balada do Pistoleiro" (1995), mas não precisa ser muito inteligente para perceber que ele enfrentaria grandes dificuldades para tirar o projeto do papel. Afinal, que estúdio, em sã consciência, financiaria um sangrento filme de ação com Danny Trejo no papel de herói, logo ele que geralmente faz papel de bandido justamente pela feiúra?


O tempo foi passando e Rodriguez encontrou uma brecha para dar vida a Machete no mal-sucedido "Grindhouse", que filmou em parceria com Tarantino. Dentro da brincadeira que o filme propunha, foi inserido um trailer falso de "Machete" que, por incrível que pareça, é uma das melhores coisas de "Grindhouse" inteiro, e acabou dando o sinal verde para que o diretor finalmente realizasse o seu longa com Danny Trejo.

O problema de MACHETE, o longa, é bem simples: o trailer falso é divertidíssimo justamente porque não perde tempo com baboseiras e entrega direto a ação absurda e violenta (e a sacanagem gratuita) que o espectador quer ver; ao ser ampliado para longa, o projeto já sai perdendo de início porque todas as cenas boas já apareciam no trailer falso, e Rodriguez parece ter perdido o espírito da brincadeira, levando o material a sério demais.


Eu, por exemplo, esperava ver Danny Trejo tocando o terror o filme inteiro, num festival de cenas sem-noção e sanguinárias no estilo dos dois "Adrenalina", com Jason Statham. No filme de Rodriguez, Trejo até "faz o serviço", mas essas cenas boas estão separadas por diversos momentos estúpidos e/ou dispensáveis, como longos e desinteressantes diálogos expositivos entre os vilões e entre outros personagens secundários. E quem quer ver Danny Trejo conversando abobrinhas com Michelle Rodriguez e Jessica Alba ao invés de passar o rodo nas duas?

Assim, não é exagero dizer que MACHETE é um filme que você assiste ora com um sorrisão nos lábios, ora bocejando e pensando seriamente em fazer outra coisa da sua vida.

Mas verdade seja dita: os primeiros 15 minutos são espetaculares, e se o filme inteiro fosse assim, certamente manteria a alcunha de "filme do ano".


O prólogo passa-se no México, onde o "federale" Machete tenta resgatar uma bela garota do traficante Torrez (Steven Seagal, uma das melhores coisas do filme, inacreditável como o primeiro vilão da sua carreira).

Sem dar muitos detalhes para não estragar a surpresa, esta cena inicial traz tudo aquilo que você queria ver baseado no trailer falso exibido em "Grindhouse": violência aos borbotões (com direito a cabeças decepadas e cortadas no meio enquanto ainda estão no ar!!!), sacanagem (na pele de uma garota completamente nua que tira um telefone celular DAQUELE LUGAR) e Steven Seagal brigando com Danny Trejo. Nada pode ser melhor...

Aí, depois dos créditos iniciais, o filme começa para valer e o pique cai. Bastante. Se 15 minutos antes parecia que o diretor tinha tomado 30 litros de Red Bull, agora a impressão que se tem é que ele chapou-se com Rivotril.

Três anos depois da cena inicial, vivendo como imigrante ilegal no Texas, Machete é envolvido numa trama política para ajudar na reeleição do senador McLaughlin (Robert DeNiro, pagando um micão), envolvendo um falso atentado e a conseqüente tentativa de assassinato do mexicano. Mas ele sobrevive e parte para a vingança contra seus inimigos.


Rodriguez parece na dúvida entre fazer crítica social séria ou brincadeira de humor negro. O senador McLaughlin defende a expulsão dos imigrantes mexicanos dos Estados Unidos (como vários políticos da vida real, por sinal) e a construção de uma cerca eletrificada na fronteira para impedir que os chicanos voltem ao país. Um dos momentos mais engraçados é o vídeo da campanha do senador, em que os imigrantes ilegais são comparados a baratas e vermes.

Paralelamente, McLaughlin financia uma violenta milícia que dedica-se a exterminar os imigrantes que tentam cruzar a fronteira, e chefiada pelo tenente Von Jackson (Don Johnson, ótimo).

Só que do lado dos imigrantes também há um grupo organizando a "revolução", chefiado por Luz (Michelle Rodriguez), que por sua vez é investigada pela agente Sartana (Jessica Alba).


E não acaba por aí: também temos um político corrupto (Jeff Fahey) e sua filha viciada em drogas (Lindsay Lohan, aparentemente interpretando ela mesma), um padre maconheiro e assassino (Cheech Marin, quem mais?) e um implacável assassino de aluguel (Tom Savini). Machete acaba pego no meio desse fogo cruzado e dessa miríade de personagens excêntricos.

Só que, com essa zona toda, Robert Rodriguez repete um erro já cometido em seu "Era Uma Vez no México": cria uma infinidade de personagens secundários interpretados por celebridades, e estes se tornam mais interessantes que o seu bizarro protagonista.

Como já acontecera antes com o mariachi de Antonio Banderas, o Machete de Danny Trejo logo vira coadjuvante do seu próprio filme - um absurdo completo, já que a grande razão de ser de MACHETE era justamente colocar Danny Trejo como herói e pegador de mulheres!


A coisa é tão sem-noção que, num universo repleto de personagens legais e nomes famosos e/ou conhecidos, Machete acaba nem mesmo cumprindo aquilo que o trailer prometia ("He gets the women, he kills the bad guys").

Sim, o filme até tenta mostrar Trejo como pegador, mas é frustrante quando o ator troca uns beijinhos inocentes com as famosonas do elenco (Lindsay Lohan, Michelle Rodriguez e Jessica Alba) e a câmera logo dá um fade-out, poupando as atrizes de pagar o mico desgraçado de aparecer rolando seminuas na cama com Danny Trejo - mas estragando a melhor parte da brincadeira de colocar um feioso como "galã".

Basta lembrar que em filmes bagaceiros dos anos 80, como "Samurai Cop", feiosos notórios como Robert Z'Dar e Gerald Okamura apareciam rolando entre lençóis com garotas completamente peladas. Como curiosidade mórbida, e parte da brincadeira, eu esperava ver Danny Trejo fazendo a mesma coisa aqui. Não é o que acontece.


Já no tocante ao "he kills the bad guys", sim, Machete mata um montão de gente durante o filme, mas sempre uns figurantes sem importância. É incrível como, na cena final, quase todos os personagens importantes da trama são mortos por outros personagens, mas NÃO por Machete, tornando a "vingança" do protagonista bem idiota no final das contas. Até o duelo final entre Trejo e Steven Seagal tem um desfecho muito diferente do que se espera.

Muita gente não gosta de Robert Rodriguez. Já eu acho o sujeito um brincalhão, um fanfarrão, um garotão fazendo filmes idiotas com atores famosos, o que é inegavelmente divertido. Acho que eu mesmo seria um Rodriguez se um dia conseguisse trabalhar em Hollywood - adoraria ter celebridades pagando mico em cenas e personagens estúpidos.


Só que parece que o diretor anda fazendo sempre o mesmo filme desde "A Balada do Pistoleiro": um montão de tiroteios absurdos, ou cenas de violência exageradas e engraçadinhas, entre atores conhecidos, sem uma história que sustente as cenas de ação.

Ele também não é dos melhores roteiristas. Não por acaso, seu melhor filme é "Um Drink no Inferno", em que a direção frenética do Robertinho está a serviço do belo roteiro escrito por Quentin Tarantino.

Pois MACHETE é um filme que pede diálogos de efeito à la Cannon Pictures ou "Stallone Cobra", e Rodriguez não consegue escrevê-los. O personagem-título raramente fala algo de engraçado ou memorável, quando esta seria a razão de ser de um filme como esse. No fim, a melhor frase é a do padre Cheech: "Deus perdoa, eu não!".

As próprias cenas de ação logo se tornam repetitivas: depois que Machete usa as tripas de um sujeito como corda para descer pela janela de um prédio (algo já visto em "Dead Snow", ano passado), o roteiro não consegue criar mais nenhuma situação tão divertida e nonsense.


Mas a grande decepção do longa é a sua conclusão. Anuncia-se uma batalha épica entre os imigrantes ilegais mexicanos e a milícia de Von Jackson, e tudo que se vê é um combate bem fuleiro, bem xoxo, rapido e sem cenas criativas. Mesmo quando Machete surge com um facão de tamanho descomunal, não faz muita coisa memorável.

A impressão que fica é que Rodriguez perdeu o tesão pelo projeto e foi empurrando pra frente com a barriga, meio desinteressado e filmando de qualquer jeito.

Preguiçoso, ele até pula explicações necessárias (como é que Machete escapou de ser morto por Torrez no início?) para que a ação possa seguir em frente, mas ao mesmo tempo acaba dando muito importância aos joguetes políticos e menos espaço à vingança do herói.


Até a grande cena do trailer falso - Machete encaixando uma metralhadora na frente de uma motocicleta e lançando-se sobre os inimigos - aparece aqui rapidamente, do mesmo jeito que no trailer, soando até desperdiçada e gratuita - quando podia ser o auge do duelo final!

(Não por acaso, parece que Rodriguez realmente foi se afastando do projeto para tocar "Pequenos Espiões 4" e "Sin City 2", deixando a direção de MACHETE para o amigo editor Ethan Maniquis, que assina a co-direção.)

Se tem essa infinidade de defeitos e problemas evidentes, MACHETE também tem vários pontos positivos que não dá para desconsiderar, e que deixam o programa todo um pouquinho acima da média.


A principal qualidade é que o longa cumpre o que promete, ao contrário de "Os Mercenários": aqui os atores famosos não estão do mesmo lado, mas sim se pegando entre eles, estilo "Marvel Versus DC".

E é realmente algo único ver Danny Trejo lutando contra Steven Seagal, no mesmo filme em que vemos outros duelos tão ou mais excêntricos: Tom Savini x Cheech Marin, Michelle Rodriguez x Don Johnson e Robert DeNiro x Lindsay Lohan!!! (Pena que vários desses combates sejam rapidinhos e anti-climáticos...)


Outra qualidade, para o público masculino, é que Rodriguez investe no corpão das suas protagonistas, mostrando Jessica Alba e Lindsay Lohan seminuas, além de exibir todo e qualquer fetiche já imaginado pelo homem, na pele de gostosas vestidas como freiras, enfermeiras e policiais, sempre com roupinhas curtas e armas enormes nas mãos.

Ah, e Michelle Rodriguez está uma graça com calça de couro, barriguinha de fora, tapa-olho (!!!) e uma metranca maior que ela!


Cheio de problemas, enrolado demais e bem abaixo da expectativa que criou, MACHETE até passa como diversão barulhenta e absurda, mas é pouco ou nada memorável. A grande graça do filme é ver o exército de nomes famosos na pele de personagens escrotos (sem esquecer dos nem tão famosos Ara Celi, de "Um Drink no Inferno 3", e James Parks, repetindo seu papel de texas ranger Edgar McGraw de "Kill Bill", "Um Drink no Inferno 2" e "Grindhouse").

Só é uma pena que não foge à regra: o trailer é bem melhor. E, neste caso, estamos falando de um trailer falso do que inicialmente era um filme inexistente. No final, anuncia-se duas seqüências ("Machete Kills" e "Machete Kills Again"), e não se sabe se é pra valer ou mais uma brincadeirinha de Rodriguez.

Se for verdade, talvez esteja aí a chance de o diretor se redimir e finalmente fazer o filme sem-noção que todos queriam ver, sem se levar tão a sério e sem deixar os personagens secundários tomarem conta do show. É esperar para ver.

PS: Muita gente não lembra que um envelhecido Machete, já aposentado, aparece ajudando a garotada na série "Pequenos Espiões".




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