A primeira vez em uma sala especial
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A primeira vez em uma sala especial


Quase beirando os 40 anos de idade, pela primeira vez na vida vou assistir a um filme pornográfico em uma sala de cinema. No dia 7 de julho completam-se 30 anos da exibição de Coisas Eróticas, o primeiro filme pornô brasileiro, que foi produzido em São Paulo. Para comemorar a data, os jornalistas Hugo Moura e Denise Godinho vão lançar o documentário A Primeira Vez do Cinema Brasileiro, no Cine Windsor, mesmo local onde milhares de paulistanos (e também moradores da cidade que nasceram em outros Estados e países) disputaram uma cadeira em 1982 para ver coisas muito mais que eróticas. Junto com o documentário será exibido também o primeiro pornô brasileiro.

Quando o cineasta Raffaele Rossi começou a planejar a direção de Coisas Eróticas no ano de 1981 em seu escritório na Boca do Lixo, eu ainda não tinha completado 8 anos. Rossi estava empolgado com o lançamento no Brasil do filme japonês Império dos Sentidos, em plena ditadura militar. Considerado um filme de arte, Império chamou a atenção por algumas cenas de sexo explícito que recheavam a história de um amor obsessivo e doentio entre uma empregada e seu patrão. O filme, dirigido por Nagisa Oshima, em 1976, foi liberado sem cortes pelo Conselho Superior de Censura em 11 de setembro de 1980, depois de ter sido exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo graças a um mandado judicial.

Rossi percebeu que poderia ficar rico (e ficou) ao explorar o filão da sacanagem. Se Império já tinha causado tanto auê com míseras sequências de sexo explícito, como o público brasileiro reagiria diante de uma filme totalmente pornográfico e com atores e atrizes falando a sua língua? A recepção do povo foi imediata, com imensas filas tomando a calçada da Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo, desde que o filme estreou no Cine Windsor. Cópias de Coisas Eróticas percorreram outras salas do Brasil. Oficialmente, 4,7 milhões de pessoas viram o filme. Mas os herdeiros do cineasta acreditam que esse número seja muito maior, pois a fiscalização do público era falha na época.

O lançamento do primeiro filme pornográfico brasileiro foi o começo do fim do cinema popular feito em São Paulo, principalmente das pornochanchadas (que lotavam as salas desde os anos 70), essas sim eróticas, mas hoje inocentes perto de muita coisa mostrada atualmente na televisão. Por causa do sucesso de Coisas Eróticas, os exibidores só queriam levar para as telas filmes libidinosos. Para poder pagar as contas no final do mês, diretores de renome como José Mojica Marins, o Zé do Caixão, Alfredo Sternheim e Ody Fraga tiveram de aderir ao pornô. Mas o mercado de filmes pornográficos entrou em decadência quase uma década depois, com a chegada dos aparelhos de videocassete no País.

Em 1988, tentei entrar pela primeira vez em um cinema pornô, mesmo tendo 14 anos de idade. Peguei a carteira de trabalho de um amigo que na época tinha 18 anos e se parecia comigo. Só tive o trabalho de descolar a foto dele do documento e colar uma minha, na qual ostentava um bigode ralo e mais sem-vergonha que o próprio filme que gostaria de ver. Não lembro qual filme estava em cartaz no Cine Plaza, no Largo 13 de Maio, em Santo Amaro, zona sul, mas entrei na fila confiante que o bilheteiro iria engolir a minha falsificação grosseira. Não tive a oportunidade de tirar essa prova, pois os ingressos acabaram justamente no momento em que chegou a minha vez de comprar.

Após a frustrada experiência, nunca mais tentei colocar os pés em um cinema pornô novamente. Anos depois, assisti em vídeo a quase todos os filmes do gênero produzidos na Boca e me tornei um pesquisador do assunto. Agora chegou a hora de tirar o atraso, mas dessa vez profissionalmente.

Texto publicado originalmente na edição de 17 de fevereiro de 2012 do Jornal da Tarde



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