Filmes Legais
COISAS ERÓTICAS (1981)
Independente da sua qualidade artística e da sua pobreza como produto erótico (é mais brochante do que propriamente excitante), o longa
COISAS ERÓTICAS, produzido em 1981 e exibido em 1982, tem seu lugarzinho de honra na história do cinema brasileiro: foi o primeiro filme pornográfico produzido no país, uma "novidade" que levou uma multidão de 4,7 milhões de curiosos para as salas de cinema!
Claro, eram outros tempos. O videocassete engatinhava mundo afora e ainda era novidade no Brasil, portanto a pornografia cinematográfica ainda não era um ritual individual (você com sua fita ou DVD no conforto da sua casa), e sim coletivo (você no cinema, vendo o sexo explícito na tela grande e desconfortavelmente rodeado de outros punheteiros).
Também havia ainda no Brasil a forte censura, que não permitia a exibição de pornôs em nossos cinemas, embora nos Estados Unidos e na Europa a indústria hardcore já estivesse instituída desde o começo dos anos 70.
Ironicamente, a censura nunca impediu que o cinema brasileiro explorasse o sexo e a sexualidade - embora não o pudesse fazer explicitamente, como nos produtos importados. Mas não faltava sacanagem nos filmes nacionais pré-
COISAS ERÓTICAS, basta lembrar de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (com José Wilker pegando Sônia Braga de quatro), "A Dama do Lotação" e as famosas pornochanchadas do período.
A abertura para a pornografia explícita começou em 1980, com algumas cenas rápidas e escuras em obras como "Boneca Cobiçada", de Rafaelle Rossi. E foi no ano seguinte que o mesmo Rossi chutou o pau da barraca e rodou
COISAS ERÓTICAS, primeiro filme nacional a mostrar tudo, sem cortes - como o cartaz de cinema anunciava, cheio de erros de pontuação,
"E assim!... Conheceram as maravilhas do Sexo!".
COISAS ERÓTICAS é um longa composto por três historinhas péssimas - mas, como o objetivo era mostrar putaria, vamos dar um desconto. A primeira e a última foram dirigidas pelo também produtor e roteirista Rafaelle Rossi, e a do meio é assinada por Laente Calicchio.
O primeiro episódio (que traz o nome do filme,
"Coisas Eróticas") é uma pérola do mau gosto. Começa com Eduardo (Oásis Minitti, de "O Império do Sexo Explícito") literalmente sentado no trono, enquanto folheia uma revista masculina. Ato encerrado, o sujeito limpa a bunda, dá uma suspeita olhadinha sorridente para o papel higiênico sujo e vai direto para o chuveiro descascar a banana enquanto olha para a bela modelo nas páginas da revista.
Uma coisa que salta aos olhos já nestes primeiros momentos é o banheirinho tosco e tipicamente brasileiro: aquelas janelinhas basculantes com a toalhinha pendurada para secar, os azulejos bregas, o box minúsculo para tomar banho com uma enorme esponjona pendurada num preguinho na parede... Enfim, o tipo de coisa que só se vê mesmo no Brasil!
A história continua e só "melhora": Eduardo vai dar uma voltinha com sua Brasília e, numa rua movimentada, cruza com uma bela mulher num sinal fechado. Surpresa: é a modelo para quem ele bateu uma bronha horas antes! E não tem como segurar o riso diante do close na cara de surpresa de Minitti enquanto ele declara, emocionado:
"Ei, mas eu te conheço!".
Segue-se um flerte, uma noitada no restaurante, e a bela modelo (interpretada pela linda Jussara Calmon, em seu primeiro filme) convida o rapaz para um final de semana em sua chácara. Lá chegando, Eduardo conhece a filha adolescente da amada, Arlete (Ilse Cotrim), uma daquelas meninas com os hormônios em ebulição. Detalhe: Arlete e uma amiga estão tomando banho de sol completamente nuas, mas nem elas e nem a mãe ficam constrangidas, e Eduardo é apresentado normalmente às garotas!
Mais tarde, enquanto Arlete transa com a amiguinha no chuveiro, Eduardo e sua modelo transam na cama de casal, quando finalmente rolam as tais "cenas explícitas" que todo mundo pagou ingresso para ver. A filha espia tudo pelo buraco da fechadura - apesar de a cena anterior deixar bem claro que a cama NÃO estava em frente à porta para permitir qualquer visualização!!! - e se apaixona pelo "quase padrasto", que irá seduzir no momento em que a mãe sair para "ir até a cidade".
A conclusão da "trama" é fantástica: a modelo volta à chácara antes da hora (num carro diferente daquele em que ela estava ao sair!!!), flagra o amado na cama com a própria filha e só consegue soltar um
"Não...". O casal nem ao menos pára o que está fazendo, e a modelo sai para flertar com outro desconhecido no sinal de trânsito. Uma salva de palmas!
O segundo episódio (misteriosamente também batizado
"Coisas Eróticas"!!!) é mais divertido, mas igualmente sem noção: um casal sadomasoquista (Marília Nauê e Andrev Soller), que só se excita trocando pancadas e chicotadas na cama, coloca um anúncio numa revista masculina oferecendo-se para fazer swing - uma novidade que seduzia a sociedade brasileira da época, também enfocada na engraçada pornochanchada "Embalos Alucinantes - A Troca de Casais" (1978), de José Miziara.
Quem responde ao anúncio é um casal aparentemente certinho e recatado (Vânia Bonier e Michel Belmondo), mas já no primeiro encontro os dois pares fazem um surubão com direito a troca-troca (homem com homem, mulher com mulher) e ménage a trois entre chicotadas.
Estranhamente, a historinha não tem uma conclusão, e nem mesmo o sexo "termina": os personagens ainda estão transando animadamente quando o episódio chega ao fim, sem que nem ao menos se mostre a ejaculação para dar a certeza do orgasmo.
E para quem não ligou o nome à pessoa, a feinha Vânia Bonier ficou "famosa" por fazer uma cena caliente com o pastor-alemão Jack no "clássico" "24 Horas de Sexo Explícito" (1984), de José Mojica Marins!
Finalmente, Rafaelle Rossi volta à direção para a terceira história, desta vez com um título diferente (
"Férias de Amor"), e que na verdade tem um argumento muito parecido com o da primeira: os colegas de faculdade Betinho (Walder Laurentis) e Laura (a deusa Zaira Bueno) se apaixonam, e a moça convida o rapaz para um final de semana na chácara da família.
Ali, Betinho passa a pistola em tudo que se move (a sogra, as duas cunhadas... só o sogro escapa!). Mas, na conclusão engraçadinha, fica furioso com o convite da namorada Laura para transar no chuveiro, já que o hipócrita queria preservar a castidade da moça para o casamento - um marcante traço cultural daquela época.
Por sinal, já que estamos falando de Zaira Bueno no chuveiro, nunca vi um filme com tantas cenas de gente tomando banho como esse! A conta deve ter saído uma fortuna no final das filmagens. É quase mais água que em "Waterworld"!
COISAS ERÓTICAS foi uma verdadeira revolução na época do seu lançamento, já que os espectadores brasileiros finalmente poderiam ver os atores "transando de verdade", e não aquelas simulações um tanto ingênuas mostradas nas pornochanchadas e filmes eróticos de então.
A bem da verdade, ainda há muito sexo simulado no filme de Rafaelle Rossi, com alguns poucos closes do "tchaca-tchaca na butchaca" para comprovar que, sim, está ocorrendo penetração. Algumas das atrizes nem toparam ir até o fim: Zaira Bueno, por exemplo, não aparece fazendo sexo, nem explícito e nem simulado, apenas peladinha numa cena de banho - mas já vale, pois ela é a mulher mais bonita do elenco.
Além disso, o filme mostra um sexo explícito ainda tímido, e que os diretores visivelmente não sabem filmar direito (os órgãos sexuais ficam encobertos por braços e pernas o tempo todo; os ângulos de câmera escolhidos não são exatamente os melhores para ver a "ação").
Cenas de sexo oral (nele e nela) são rápidas e filmadas de longe, talvez para não chocar. E o filme raramente mostra a ejaculação dos atores, que nos pornôs costuma representar o realismo da coisa (
"Se o ator gozou, é porque eles estavam transando de verdade!").
Mas pelo seu aspecto pioneiro e revolucionário, pelos detalhes 100% brasileiros (os banheiros bregas, os carros da época, as salas decoradas com vasos suspensos de samambaia!) e pela nudez das musas Jussara Calmon e Zaira Bueno (as outras mulheres são "normais" ou feias),
COISAS ERÓTICAS merece ser conhecido (e reconhecido), até porque está para fazer 30 anos e com certeza a data vai passar em branco.
Nem que seja para dar risada diante dos tradicionais diálogos constrangedores, como
"Arlete, não sei porque essa sua atitude, não fica bem pra você! Você é uma garota, e não pode saber coisas sérias sobre o amor" (dita por Minitti à filha da sua namorada, que acabou de ficar completamente pelada na sua frente!)
Ou ainda da conversa entre o rapaz e sua sogra no terceiro episódio, quando passam em frente a um motel de beira de estrada:
- Conheço um casal de amigos que vem ao motel duas ou três vezes por mês. Eles contam milagres! Dizem que a decoração é excitante! Qualquer dia eu gostaria de conhecer um só pra matar a curiosidade...
- Se quiser, eu posso lhe mostrar um agora! - responde prontamente o genro safado.
- Hihihi... Até que a ocasião é própria!Vale destacar que
COISAS ERÓTICAS, um filme pornográfico, aparece em respeitável 12º lugar na lista das maiores bilheterias do cinema brasileiro de todos os tempos, com 4.729.000 espectadores, muito à frente de filmes como "Se Eu Fosse Você" (23º colocado), "Cidade de Deus" (31º colocado) e "Roberto Carlos a 300 Km por Hora" (45º colocado). Glauber Rocha e sua turma de xaropes cinema-novistas nem mesmo aparecem nessa lista, o que já diz tudo.
E o mais surpreendente é que se tirarmos da tal relação os filmes dos Trapalhões (22 deles aparecem entre as 50 maiores bilheterias!), os da Xuxa e os do Mazzaropi,
COISAS ERÓTICAS imediatamente sobe para uma honrosa
SEXTA COLOCAÇÃO entre as maiores bilheterias do cinema nacional, atrás de "Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia" e "Dois Filhos de Francisco"!!!
Não é pouca coisa para um filme pornográfico... Ainda mais para um pornô brochante como este do Rafaelle Rossi, que comete até o disparate de colocar uma versão disco do tema de "Tubarão" (!!!) para tocar durante uma cena de sexo, e traz um dos personagens dublado por Marthus Mathias, o dublador oficial do Fred Flinstone!!! Dá até medo que ele grite um
"Wilmaaaaaaaaa!" durante a cena de sexo...
Mesmo assim,
COISAS ERÓTICAS conquistou o público e ganhou uma seqüência menos famosa, realizada pelo mesmo diretor em 1984.
PS: Para entender um pouco do "choque" que foi ver um pornô nacional nos cinemas lá atrás, no início da década de 80, é sempre interessante procurar pelos relatos de quem viveu aquela época. Aqui tem um bem interessante, e que revela um pouco de uma época cheia de inocência, diferente destes tempos modernos em que qualquer pivete com acesso à internet consegue ver uma suruba de loiras siliconadas com cães, gatos e coprofagia a qualquer hora, no conforto do seu lar...
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Coisas Eróticas (1981, Brasil)
Direção: Rafaelle Rossi e Laente Calicchio
Elenco: Oásis Minitti, Jussara Calmon, Zaira
Bueno, Vânia Bonier, Walder Laurentis,
Regina Célia e Deusa Angelino.
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