APERTEM OS CINTOS... O PILOTO SUMIU! (1980)
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APERTEM OS CINTOS... O PILOTO SUMIU! (1980)



Nunca vou me esquecer da primeira vez que vi APERTEM OS CINTOS... O PILOTO SUMIU!

Eu ainda era um molequinho com meus 8 ou 9 anos de idade, e estava acostumado às narrativas "tradicionais" no cinema. Até aquela noite em que assisti o filme na TV com a minha mãe. A cada minuto, um choque. "Mãe, a velhinha acabou de se suicidar e ninguém faz nada?". Ou "Como é que o nariz do médico cresceu e agora está do tamanho normal de novo?". Ou ainda: "Mas o co-piloto não estava vestido como jogador de basquete antes!".

Como se percebe, foi APERTEM OS CINTOS... que me apresentou a esse tipo de humor "nonsense" (que aqui no Brasil, durante muito tempo, foi chamado de... argh!... "besteirol"), em que tudo pode acontecer a qualquer momento em busca do riso, sem compromisso com a lógica ou com a "vida real". E, por isso, tenho uma dívida de gratidão eterna com ele.


Não bastasse a gratidão eterna, APERTEM OS CINTOS... também é uma comédia engraçadíssima, que eu colocaria tranquilamente numa lista de melhores comédias de todos os tempos, se não achasse perda de tempo fazer esse tipo de lista. Daquelas que você pode rever 50 vezes (e, contando por cima, acho que já vi umas 30) e ainda dar gargalhadas. Até porque a cada reassistida você pega uma piada nova ou gozação rolando no fundo da cena, e que não tinha visto antes porque estava prestando atenção em outro lugar.

Por exemplo: esta semana mesmo, quando revia o filme pela, talvez, 31ª vez para escrever essa resenha, finalmente percebi que na já clássica cena em que um avião invade a área de embarque do aeroporto, uma mãe corre desperada e, no processo, atira para longe o seu bebê de colo (foto abaixo), algo que eu nunca tinha percebido nas, talvez, 30 vezes anteriores!


Bem, mas para começar a falar sobre APERTEM OS CINTOS..., é preciso antes escrever algumas linhas sobre dois filmes completamente diferentes.

O primeiro é um pequeno filme de baixo orçamento chamado "Zero Hour!" ("Entre a Vida e a Morte", no Brasil), de 1957, sobre um voo comercial em perigo depois que a tripulação e parte dos passageiros acabam envenenados por intoxicação alimentar. A única esperança para pousar a aeronave recai sobre Ted Stryker, um piloto veterano da Segunda Guerra, e que tem trauma de voar desde então.


"Zero Hour!" é aquele típico filme que envelheceu muito mal, repleto de personagens absurdos interpretados com bastante exagero pelos atores, que "declamam" frases imbecis em tom solene, como se estivessem numa peça de Shakespeare. Enfim, aquele tipo de filme que foi feito para ser levado a sério, mas hoje está mais para comédia involuntária do que qualquer outra coisa.

E a segunda produção sobre a qual precisamos deliberar é a comédia voluntária "The Kentucky Fried Movie", de 1977. Quem dirigiu foi um jovem John Landis, mas a obra é mais lembrada pelo seu trio de roteiristas, Jim Abrahams e os irmãos David e Jerry Zucker, que ficaram mundialmente conhecidos como "Trio ZAZ" devido às iniciais de seus sobrenomes.

Desde o começo dos anos 1970, os três apresentavam um show de teatro chamado "Kentucky Fried Theater", composto de esquetes cômicos satirizando filmes e comerciais de TV da época.

O longa dirigido por Landis é uma coletânea dessas piadas soltas, mas, lá pelas tantas, apresenta um segmento um pouco mais longo chamado "Por um Punhado de Ienes" - uma sátira das aventuras de artes marciais da época, e que seria o embrião de praticamente todas as comédias que o Trio ZAZ faria na década seguinte.


E o que esses dois filmes têm em comum com APERTEM OS CINTOS... afinal?

Bem, digamos que tudo.

Na época em que escreviam seus esquetes, Jim, David e Jerry costumavam gravar qualquer coisa que passasse na TV de madrugada, em busca de inspiração para novas piadas, justificando que era nesse horário que as emissoras exibiam as maiores bobagens da sua grade de programação (e isso que eles nem conheciam a TV brasileira!).


Pois numa dessas madrugadas eles toparam, por puro acidente, com uma reprise de "Zero Hour!", e simplesmente não conseguiam parar de rir daquele filme outrora "sério". Isso aconteceu na década de 70, quando a onda do "cinema-catástrofe" estava no auge, e a cada ano novas superproduções entravam em cartaz mostrando astros de Hollywood enfrentando as consequências de alguma tragédia devastadora.

O próprio Trio ZAZ já tinha brincado com isso ao escrever um dos trailers falsos exibidos em "The Kentucky Fried Movie", que se chamava "That's Armageddon", e mostrava um time de atores famosos (George Lazenby, Donald Sutherland...) numa sequência de desastres que parodiavam as produções da época.


Trailer falso "That's Armageddon"



O caso é que os três amigos acharam o velho "Zero Hour!" tão cômico que resolveram que, se houvesse um "The Kentucky Fried Movie Parte 2", ele teria uma sátira desses filmes de desastre aéreo, assim como o primeiro teve uma das aventuras de artes marciais.

E embora a Parte 2 da comédia nunca tenha saído, o Trio ZAZ não desistiu de sacanear "Zero Hour!" e todos aqueles filmes-catrástrofe com aviões em perigo, tipo a série "Aeroporto", que era bastante popular no período. Por isso, decidiram transformar o que inicialmente seria um esquete num longa-metragem, e assim nasceu APERTEM OS CINTOS...


O curioso é que, apesar de ser uma comédia assumida e declarada, APERTEM OS CINTOS... também é praticamente uma refilmagem cena a cena de "Zero Hour!", aquele filme feito para ser sério lá nos anos 50. Muitos espectadores podem ficar chocados ao descobrir que algumas cenas mais engraçadas dessa comédia, como a passageira histérica que precisa ser contida por diversos outros passageiros, já existiam antes, A SÉRIO, em "Zero Hour!" (repare que, ao longo dessa resenha, usarei cenas dos dois filmes para mostrar a semelhança).

Mais incrível ainda: alguns dos melhores diálogos da comédia do Trio ZAZ também foram pronunciados A SÉRIO em "Zero Hour!", tipo:
- Acho que escolhi a semana errada para parar de fumar.
- A nossa sobrevivência depende de uma coisa: encontrar alguém que não apenas possa pilotar esse avião, mas que não tenha comido peixe no jantar!
- Posso até arranhar seu precioso avião, mas vou pousá-lo!
- Pegajoso, como uma esponja molhada.
- Pilotar um avião não é mais difícil que andar de bicicleta.
- Essa foi provavelmente a pior aterrissagem na história desse aeroporto, mas todos aqui, eu inclusive, gostariam de apertar sua mão e lhe pagar um drink.


A trama também é praticamente a mesma, incluindo o nome dos personagens principais: se em "Zero Hour!" Dana Andrews interpretava o herói Ted Stryker, aqui é Robert Hays quem encarna o mesmo personagem (porém com a grafia "Striker"), um veterano da guerra (nunca fica claro qual guerra) que embarca num avião com destino a Chicago atrás da sua amada, a aeromoça Elaine, interpretada por Julie Hagerty.

Em "Zero Hour!", Stryker ia atrás da sua esposa Ellen, que tinha acabado de deixá-lo e estava se mudando de cidade junto com o filho pequeno do casal, um personagem-mirim que não existe em APERTEM OS CINTOS... O resto é praticamente igual, mas, por meio de flashbacks que não existiam em "Zero Hour!", a comédia mostra mais do passado do casal, incluindo uma bizarra passagem pela África como missionários!


A tripulação do avião em que estão Ted e Elaine é comandada pelo Capitão Clarence Oveur (Peter Graves), que não consegue esconder suas tendências pedófilas quando a cabine do avião é visitada por um garotinho sorridente - outra situação que acontecia em "Zero Hour!", mas sem citações de pedofilia, claro! E sempre admirei muito o ator Peter Graves por conseguir manter a cara séria ao perguntar para o moleque coisas como "Joey, você já viu um homem adulto pelado?", ou "Você gosta de filmes de gladiadores?".

Além de Oveur, o outro nome importante no cockpit é o co-piloto Roger Murdock, interpretado pelo astro do basquete da época Kareem Abdul-Jabbar. O curioso é que mais adiante descobriremos que o personagem é o próprio Kareem fazendo-se passar por piloto de avião, numa divertida brincadeira de metalinguagem - além de outra brincadeira interna, já que, em "Zero Hour!", quem interpretou o piloto do avião foi Elroy "Crazylegs" Hirsch, um famoso jogador de futebol americano, numa de suas poucas participações no cinema.


E a doideira se estende aos passageiros, pois o avião de APERTEM OS CINTOS... está repleto daquela colorida e exótica fauna que havíamos visto, a sério, nos episódios da franquia "Aeroporto": tem uma dupla de negros descolados que só se comunica usando gírias incompreensíveis (os seus diálogos são legendados em inglês "normal" para o espectador entender, numa das tantas piadas que se perde na tradução em porutuguês), uma freira cantora, uma menina doente que precisa ir a Chicago para receber um coração transplantado, hare-krishnas vestidos a rigor, um general japonês da Segunda Guerra Mundial que pratica hara-kiri (uma pequena participação de James Hong), e por aí vai.


Os problemas começam quando, a exemplo do que acontecia em "Zero Hour!", o peixe servido no jantar de bordo deixa toda a tripulação doente, e ainda ameaça provocar a morte de vários passageiros - que já estão até soltando ovos pela boca! No desespero que se segue, o traumatizado Striker é a única pessoa com um mínimo de conhecimento para pilotar e pousar a aeronave, enquanto um médico que milagrosamente estava no mesmo voo, o Dr. Rumack (Leslie Nielsen!!!), cuida dos doentes.

Para conseguir salvar o dia, Striker terá que enfrentar primeiro aquele velho trauma de guerra, que lhe rendeu um "drinking problem" (problema com a bebida, na tradução brasileira), mas que não tem nada a ver com alcoolismo: toda vez que vai tentar beber qualquer coisa, seja um simples copo d'água, o herói erra a boca e entorna o copo no próprio rosto!


Assim como o Ted Stryker de Dana Andrews, o Ted Striker de Robert Hays também tem flashbacks da sua participação na guerra exibidos em cenas super-impostas sobre takes do seu rosto contemplativo. A diferença é que enquanto Andrews via cenas da Segunda Guerra Mundial, lá pelas tantas Robert Hays começa a enxergar até os testes das primeiras aeronaves, construídas no início do século 20!

E como o traumatizado piloto anda meio enferrujado, ele precisará da ajuda da equipe de terra para pousar o avião, como também acontecia em "Zero Hour!". Só que o estressado controlador de voo Steve McCroskey (Lloyd Bridges) acaba chamando para o serviço um velho rival de Striker na guerra, o Capitão Rex Kramer, interpretado por Robert Stack - num papel que, em "Zero Hour!", foi ocupado por Sterling Hayden.

(Vale destacar que o Trio ZAZ já havia criado um personagem com o nome Rex Kramer para a comédia "The Kentucky Fried Movie". Lá, Rex era um aventureiro que "desafiava o perigo" ao dar uma voltinha num bairro barra-pesada e gritar "Niggers!!!" no meio de um grupo de negrões mal-encarados!)


Paralelamente a toda essa trama que avacalha com "Zero Hour!" e seus personagens, APERTEM OS CINTOS... atira para todos os lados, bombardeando o espectador com gags visuais, trocadilhos e cenas satirizando momentos famosos de filmes de sucesso, tipo a dança de John Travolta na pista de uma discoteca em "Os Embalos de Sábado à Noite", o casal se beijando na praia em "A um Passo da Eternidade" e a brincadeira com "Tubarão", em que a cauda do avião aparece como se fosse a barbatana do bicho.

A diferença de APERTEM OS CINTOS... para muitas outras "sátiras" produzidas desde então é que, aqui, você não é obrigado a conhecer as produções e cenas satirizadas para achar graça do filme, ao contrário de 99% das "comédias" de hoje - claro que estou me referindo a essas bobagens tipo "Todo Mundo em Pânico" ou "Não é Mais um Besteirol Americano", em que a "graça" reside em arrumar sósias de atores famosos e refazer as cenas de filmes de sucesso, mas a compreensão das piadas fica completamente prejudicada caso você não tenha visto os tais filmes antes!


Não é o que acontece aqui: você não precisa sequer conhecer o filme que inspirou a sátira, "Zero Hour!", para divertir-se - e muito - com APERTEM OS CINTOS... E mesmo que identificar as cenas satirizadas seja parte da diversão, não é pré-requisito para divertir-se com o restante, já que há uma cacetada de piadas de todos os tipos e para todos os públicos.

Os primeiros 10 minutos do filme, por exemplo, trazem uma verdadeira saraivada de gags das mais diversas, desde uma discussão entre os locutores da mensagem que anuncia a zona branca para embarque e desembarque de passageiros até a plaquinha na parte de revistas adultas de uma banca de jornais, que diz "Whacking Material" (Material para Punheteiros, em tradução literal).


É bom destacar que não foram os três diretores-roteiristas que inventaram esse tipo de humor "nonsense". Naquela mesma época, e anos antes de APERTEM OS CINTOS..., Mel Brooks já era um especialista em comédias satirizando filmes e principalmente clichês do cinema, como "O Jovem Frankenstein", "Banzé no Oeste" e "Alta Ansiedade".

Mas até mesmo o tresloucado Brooks parece um sujeito comportado perto da anarquia do Trio ZAZ, que joga tantas piadas por minuto (ou segundo) sobre o espectador que lá pelas tantas você nem sabe se presta atenção nos diálogos, para tentar identificar algum trocadilho ou citação, ou no que está acontecendo no fundo da cena.


Um grande problema para o público fora dos Estados Unidos é que APERTEM OS CINTOS... apela o tempo inteiro para trocadilhos em inglês, muitos deles intraduzíveis. Deve ter sido um autêntico pesadelo para os tradutores dos demais países do mundo tentar adaptar diálogos como aquele em que Striker diz para o Dr. Rumack "Surely you can't be serious", e o médico responde "I am serious. And don't call me Shirley".

(Na versão brasileira, Striker exclama "Minha mãe, você não está falando sério!", e o médico responde algo como "Estou falando muito sério. E não sou mãe de ninguém", o que, convenhamos, está muito longe de ser tão engraçado quanto o trocadilho original, que se aproveita da semelhança de pronúncia entre a palavra "surely" e o nome próprio Shirley.)


Outro momento clássico que se perdeu completamente na tradução envolve os nomes dos tripulantes do avião: Oveur tem a mesma pronúncia de "over", ou "câmbio"; Roger, o primeiro nome do co-piloto, lembra "roger", a expressão usada em comunicações via rádio, que significa "entendido"; e Victor, o nome do navegador, soa como "vector" ("vetor", em português).

Pois, lá pelas tantas, os três tripulantes começam a ter problemas para se comunicar devido às semelhanças fonéticas entre seus nomes e as respectivas palavras. Aqui no Brasil, até tentaram rebatizar o Capitão Oveur como "Capitão Câmbio" para tentar salvar um ou outro trocadilho, mas não havia muito o que fazer com os demais. Por isso, o aloprado diálogo entre os tripulantes na decolagem, repleto de trocadilhos tipo "We have clearance, Clarence" e "What's our vector, Victor?", perde completamente o sentido na tradução!


Mesmo que o obscuro "Zero Hour!" seja a grande fonte de inspiração de APERTEM OS CINTOS..., o cinema-catástrofe dos anos 70 também é sacaneado sem dó nem piedade, principalmente a série "Aeroporto". Já começa pelo título original do filme, que, fazendo contraste com "Airport" (Aeroporto), é apenas "Airplane!" (Avião!).

Claro que por aqui os tradutores preferiram a adaptação gigantesca para APERTEM OS CINTOS, O PILOTO SUMIU!, já que títulos enormes e sem muita relação com o original estavam na moda naqueles tempos (tipo "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" para "Annie Hall", ou "Brincou com Fogo… Acabou Fisgado" para "Continental Divide").


Algumas situações secundárias também foram inspiradas em "Aeroporto 75", o segundo filme da série, de onde saíram personagens como a menina doente (uma citação a Linda Blair em "Aeroporto 75"); a freira que toca violão e a aeromoça forçada a manter o avião no piloto automático quando a tripulação é inutilizada - sendo que o piloto automático, aqui, é um boneco inflável que assume o comando da aeronave!

Além disso, a freira cantora é interpretada pela cantora da vida real Maureen McGovern, numa aparição-simbólica que cria um elo com a época de ouro do cinema-catástrofe: Maureen cantou as oscarizadas músicas-tema de dois sucessos desse subgênero, "O Destino do Poseidon" (1972) e "Inferno na Torre" (1974).


Porém, como já escrevi, não é preciso fazer cursinho e nem ver esses filmes todos para divertir-se com APERTEM OS CINTOS..., já que a maior parte das piadas envolve gags visuais e tiradas de duplo sentido. Quando jornalistas anunciam que vão "tirar algumas fotos", por exemplo, eles simplesmente retiram as fotografias emolduradas das paredes, ao invés de fotografar!

E há ainda diversas tiradas para quem gosta de um humor mais grosseiro, com sexo e consumo de drogas, incluindo peitos gigantescos balançando durante uma turbulência (eles pertencem a Kitten Natividad, uma das musas peitudas do cineasta Russ Meyer) e uma velhinha que recusa a oferta de um gole de uísque (o que também acontecia em "Zero Hour!"), apenas para cheirar cocaína no momento seguinte - em cena que costumava ser cortada nas exibições na TV, arruinando completamente a piada.


Os diretores-roteiristas são tão lazarentos que não param de fazer graça nem mesmo quando o filme termina. Durante os créditos finais, eles incluíram diversas categorias estapafúrdias, tipo "Worst Boy ... Adolf Hitler" ou "Thirteenth President of the United States ... Millard Filmore", e gracinhas como "Author of A Tale of Two Cities ... Charles Dickens".

Colocaram também um agradecimento à "Argon Oil Company", uma empresa de mentirinha que já tinha sido citada em "The Kentucky Fried Movie". Dessa forma, os safados conseguiram manter os espectadores ligados na tela até o final dos créditos, quando geralmente as pessoas começavam a levantar e sair do cinema! (Eles repetiriam essa prática em seus filmes seguintes.)


Enfim, é tanta piada, gag, trocadilho e tiração de sarro que diversas vezes o espectador perde alguma coisa, e por isso reassistir APERTEM OS CINTOS... de tempos em tempos é sempre uma redescoberta. Nos comentários em áudio do DVD, o Trio ZAZ inclusive lamenta o fato de que muitas piadas passam completamente desapercebidas no meio da overdose de gracinhas.

Uma delas, e que eu confesso que só "peguei" ao assistir o filme com os comentários dos diretores, envolve o personagem de Robert Stack se arrumando em frente a um "espelho" que na verdade é uma simples porta - algo que só vendo para entender.


Entre os muitos acertos dessa sua estreia num filme próprio, a grande bola dentro do Trio ZAZ foi recrutar atores veteranos (Bridges, Stack, Nielsen e Graves), conhecidos por seus papéis "sérios", e pedir que interpretassem seus personagens em APERTEM OS CINTOS... com a mesma seriedade, de maneira que o espectador acaba rindo exatamente por isso. "Eram atores que até então nunca tinham feito comédia, mas nós achávamos que eles eram muito mais divertidos do que os comediantes da época", justificou David Zucker numa entrevista.

Vale destacar que a presença desses veteranos no elenco está ligada à participação deles em produções "sérias" sobre desastres aéreos: Stack foi um piloto à beira de um ataque de nervos em "Um Fio de Esperança" (1954); Bridges trabalhava num aeroporto no seriado "San Francisco International Airport" (1970-71); e Graves era uma das celebridades em perigo no telefilme "Ameaça no Supersônico" (1977). Já Nielsen apareceu em dois filmes-catástrofe da época, "O Destino do Poseidon" e "Cidade em Chamas" (1979).


Ironicamente, três desses veteranos não queriam participar de APERTEM OS CINTOS... no primeiro contato: Stack teve que ser convencido pelos três diretores, já que eles escreveram o personagem Rex Kramer já pensando nos trejeitos do ator como Eliott Ness no seriado "Os Intocáveis"; Bridges foi convencido pelos seus filhos, e Graves chegou a ser aconselhado pelo seu agente a recusar o papel por causa das piadas envolvendo pedofilia.

Mas os três mudaram de ideia, e hoje é impossível dissociá-los dos personagens que interpretam. Stack e Graves retornaram à comédia esporadicamente depois dessa experiência, sempre fazendo tipões mais sérios, enquanto Lloyd Bridges abraçou o humor de vez e reapareceu em outras sátiras, tipo "Top Gang - Ases Muito Loucos" Partes 1 e 2 e "Jane Austen's Máfia".


O único dos quatro veteranos que não precisou ser convencido a fazer APERTEM OS CINTOS... foi Leslie Nielsen, que estava louco para fazer algo diferente dos papéis "sérios" que lhe ofereciam até então. E ele ficou tão marcado como personagem cômico que, a partir de então, praticamente só conseguiu papéis em comédias, e geralmente sátiras "nonsense" na linha deste aqui.

O próprio Trio ZAZ escalou Nielsen para interpretar o inesquecível policial Frank Drebin - primeiro num seriado de TV chamado "Police Squad", que não emplacou, e depois em "Corra que a Polícia Vem Aí!". Mas a interpretação de Nielsen em APERTEM OS CINTOS... é diferente de tudo que ele fez depois: sem caretas, sem reações bobocas às piadas, sem parecer que está numa comédia, enfim.

Mesmo quando dispara os bordões mais imbecis (tipo o clássico "And don't call me Shirley"), o ator mantém a expressão completamente séria, e portanto fica impossível não se mijar de rir. O curioso é que Nielsen não foi a primeira opção para interpretar o médico: um tal de Christopher Lee foi inicialmente convidado, mas recusou o papel.


Ainda que não tenha ficado tão popular quanto Leslie Nielsen no ramo da comédia, é Lloyd Bridges quem rouba a cena em APERTEM OS CINTOS..., na minha modesta opinião. Inclusive seu personagem (o estressado McCroskey) é um dos meus preferidos, sempre vomitando ordens sem sentido (como esse tipo de personagem adora fazer nas "situações tensas" de filmes sérios) e acendendo um cigarro no outro.

E é McCroskey quem repete a clássica frase "Acho que escolhi a semana errada para parar de fumar", de "Zero Hour!", mas aqui complementa dizendo que também escolheu a semana errada para parar de tomar anfetaminas e de cheirar cola, em outra piada que costumava ser cortada nas exibições do filme na TV.


Consta que o Trio ZAZ também foi atrás de outros famosões conhecidos pela seriedade e que estavam envolvidos com a série "Aeroporto", mas a Universal ameaçou a turma de processo e eles recuaram. Dois atores da franquia que chegaram a ser contatados foram Helen Reddy, que reprisaria seu papel de freira cantora de "Aeroporto 75", e George Kennedy, que interpretou Joe Patroni nos quatro episódios da famosa franquia de desastres aéreos.

Pelo menos Kennedy teve a oportunidade de trabalhar com os realizadores mais tarde, quando foi chamado para interpretar o Capitão Ed, superior de Leslie Nielsen em "Corra que a Polícia Vem Aí!".


Num elenco em que todo mundo tenta se passar por sério, a exceção é o afeminado controlador de voo Johnny, interpretado por Stephen Stucker (do impagável "Delinquent Schoolgirls"). Ele parece ser o único ator/personagem consciente de estar numa comédia absurda, e que os diretores deixaram atuar como tal (não por acaso, Stucker fazia parte da trupe "Kentucky Fried Theater" desde o início).

No seu grande momento no filme, Johnny desliga as luzes da pista de pouso no momento mais tenso da aterrissagem, simplesmente puxando uma tomada na torre de controle (!!!), e então olha sorridente para a câmera (e para o espectador) e dispara: "Brincadeirinha!". Por essas e por outras, Johnny tornou-se um personagem tão popular que, mesmo aparecendo só de vez em quando, garantiu seu retorno na sequência "Apertem os Cintos... 2ª Parte".


Assim como a maioria dos intérpretes, a trilha sonora do veteraníssimo Elmer Bernstein também se leva bastante a sério, sem buscar o tom leve ou engraçadinho de uma comédia. O tema principal, que toca durante os créditos iniciais, é simplesmente antológico - daqueles que você fica assobiando por dias, até semanas, depois de ver o rever o filme. E poderia muito bem estar num filme sério de suspense, tipo os que são satirizados aqui.

Já o "tema romântico" de Ted e Elaine parece ser uma citação (plágio?) do tema romântico composto por Paul Sawtell para o filme "Raposas de Fogo" (1958), de Dick Powell, um drama de guerra sobre... surpresa!... um piloto de caça durante a Guerra da Coréia (interpretado por Robert Mitchum).


Filmado em apenas 34 dias no final de 1979, APERTEM OS CINTOS... estreou nos cinemas norte-americanos em 1980. Os diretores tinham um pouco de receio de que seu humor caótico e absurdo pudesse não agradar o público. Mas a previsão não se confirmou: produzido com 3,5 milhões de dólares, o filme faturou mais de 80 milhões nas bilheterias só na América do Norte, repetindo a boa recepção na maior parte do mundo.

Não demorou para tornar-se um clássico também na TV, inclusive no Brasil, onde em áureos tempos reprisava pelo menos uma vez por ano! Nos Estados Unidos, algumas cenas adicionais foram incluídas na montagem para que se pudesse eliminar piadas mais fortes. Uma dessas cenas envolve outro brilhante (e intraduzível) trocadilho verbal, quando um homem no aeroporto cumprimenta um amigo gritando "Hi, Jack!", e é imediatamente preso pelas autoridades, já que "hijack" é "sequestro" em inglês, e na época já havia o medo de terroristas sequestrarem aviões comerciais!


Com o sucesso de seu filme de estreia, o Trio ZAZ foi convidado para dirigir uma sequência já no ano seguinte. Porém, acreditando que já tinham esgotado todas as piadas com o tema, os diretores-roteiristas preferiram abandonar o projeto e levar seu humor anárquico para a televisão, criando e escrevendo o já citado seriado "Police Squad", que estreou em 1982 (o mesmo ano de "Apertem os Cintos... 2ª Parte").

Somente uma temporada foi produzida, mas os seis únicos episódios são hilários por fazerem com o universo dos enlatados policiais televisivos o que APERTEM OS CINTOS... fez com o cinema-catástrofe. Com direito até a uma brincadeira com o "freeze frame" no final de cada episódio, e que na verdade não era bem um "freeze frame" - os próprios atores fingiam estar "congelados" até que acabassem os créditos finais!


Dois anos depois, em 1984, o Trio ZAZ satirizou as aventuras de espionagem em "Top Secret - Super Confidencial", que considero uma obra-prima das comédias nonsense no mesmo nível de APERTEM OS CINTOS..., se não melhor. Depois de "Por Favor Matem Minha Mulher" e "Corra que a Polícia Vem Aí!", os três amigos se separaram, no final dos anos 80, e cada um seguiu seu caminho.

David e Jim continuaram fazendo comédias parecidas, embora com resultado bem distante de seus trabalhos mais antigos (David fez "Todo Mundo em Pânico" 3 e 4, e Jim os dois "Top Gang"). Jerry Zucker foi o que acabou fazendo mais sucesso em carreira solo, ao dirigir filmes de outros gêneros, como "Ghost - Do Outro Lado da Vida" e "Lancelot, O Primeiro Cavaleiro".


Recentemente, metade do mundo foi ao delírio com a notícia de que o grupo humorístico inglês Monty Python pensava em se reunir, depois de décadas, para fazer um show comemorativo. Mais até do que os Pythons, eu confesso que adoraria ver o retorno do Trio ZAZ ao que eles fazem de melhor - ou seja, as comédias na linha de APERTEM OS CINTOS...

Temo, entretanto, que as gags e trocadilhos de Jerry, Jim e David sejam muito sofisticadas para a média do "humor" que se vê hoje, já que as produções atuais nesse estilo simplesmente não têm graça alguma (e falo de atrocidades como "Espartalhões" e "Os Vampiros que se Mordam").

E falando especificamente aqui do Brasil, quando o referencial de "humor" de uma geração é "Crô - O Filme" num extremo e Fábio Porchat e Bruno Mazzeo no outro, o melhor mesmo é recorrer ao DVD de APERTEM OS CINTOS..., pois suas piadas revistas pela 32ª vez continuam mais engraçadas do que todas as dessa turminha contadas pela primeira vez!

PS: Dois mestres dos efeitos especiais da década de 1980, Rob Bottin ("O Enigma do Outro Mundo") e Chris Wallas ("A Mosca"), trabalharam na equipe técnica deste filme.


Trailer de APERTEM OS CINTOS...



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Airplane! (1980, EUA)
Direção: Jim Abrahams, David e Jerry Zucker
Elenco: Robert Hayes, Julie Hagerty, Robert Stack,
Leslie Nielsen, Lloyd Bridges, Peter Graves, Kareem
Abdul-Jabbar e Lorna Patterson.



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