ASSALTO AO TREM BLINDADO (1978)
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ASSALTO AO TREM BLINDADO (1978)



Foram os "bastardos sem glória" de um dos títulos alternativos ("The Inglorious Bastards") deste filme italiano que inspiraram o cineasta Quentin Tarantino a escrever seu fantástico épico de guerra "Bastardos Inglórios" (2009) - usando apenas o título, mas pouco ou nada da trama desta pequena gema dirigida pelo mestre Enzo G. Castellari em 1978. Enquanto Tarantino usou a Segunda Guerra como pano de fundo para uma história rocambolesca de traições, vinganças e conspirações, aqui temos um roteiro episódico escrito a 10 mãos (!!!), em que os personagens pulam de uma "missão" a outra como se estivessem num jogo de videogame.

Tanto no argumento quanto no título em inglês e na frase do cartaz norte-americano ("Whatever the Dirty Dozen did they do it dirtier!"), ASSALTO AO TREM BLINDADO faz referência ao clássico de guerra "Os Doze Condenados" ("The Dirty Dozen"), dirigido por Robert Aldrich em 1967. Naquele filme, um grupo de prisioneiros de guerra era escalado para uma perigosa missão durante a Segunda Guerra. Aqui, a idéia é semelhante: os "bastardos sem glória" são soldados e um oficial norte-americano condenados pelos mais diversos crimes (assassinato, roubo...).


Se os "Doze Condenados" eram gente do naipe de Lee Marvin, Ernest Borgnine, Charles Bronson, Jim Brown, John Cassavetes, George Kennedy, Telly Savalas e Donald Sutherland, para Castellari e seu orçamento muitas vezes reduzido só restou escalar um elenco de caras conhecidas do cinema classe B da época, liderado pelos norte-americanos Bo Svenson e Fred Williamson. O único "grande astro" do elenco é o falecido escocês Ian Bannen, que em 1965 ganhou o Oscar de Ator Coadjuvante por "O Vôo da Fênix", e que em 1978 já andava meio mal das pernas e estrelava estas produções baratas rodadas na Itália.

Das vinhetas animadas nos créditos de abertura à música épica de Francesco De Masi, passando ainda pela estrutura "man on a mission" do roteiro, ASSALTO A TREM BLINDADO é um perfeito retrato de uma época áurea do cinema italiano que infelizmente morreu na década de 90: a época dos exagerados e barulhentos filmes de ação feitos na esteira de sucessos norte-americanos, onde o orçamento reduzido era contornado com malandragem e soluções muitas vezes toscas, mas nem por isso o resultado era menos divertido.


A história se passa em 1944, último ano da Segunda Guerra Mundial, na França, onde um grupo de prisioneiros é escoltado por um comboio para uma outra base, onde serão julgados pela Corte Marcial pelos seus respectivos crimes. Entre eles estão os soldados norte-americanos Tony (Peter Hooten), que é viciado em apostas; Fred Canfield (Williamson), acusado do assassinato de um racista; Berle (Jackie Basehart), que tem ataques de pânico e ansiedade diante de tiroteios e explosões, e o italiano Nick (Michael Pergolani), que vive de roubar e vender posses dos soldados mortos no conflito. De última hora, chega o preso mais ilustre do comboio: o tenente Robert Yeager (Svenson), acusado de deserção (para visitar a namorada nos Estados Unidos!).

No caminho para o julgamento, o comboio militar é atacado por um avião nazista, que enche os veículos de chumbo. Quase todos os prisioneiros são mortos no interior do caminhão em que eram transportados, e os que tentam fugir são fuzilados pelos guardas de escolta. No fim do confronto, sobrevivem apenas o tenente Yeager e os quatro soldados anteriormente citados, que resolvem se unir para chegar à fronteira da Suíça – que, na época, era território neutro, e onde eles poderiam escapar da guerra.


Este é o toque mais genial do roteiro escrito por Sandro Continenza, Sergio Grieco, Franco Marotta, Romano Migliorini e Laura Toscano: os "bastardos sem glória" não recebem arrego de nenhum dos lados do conflito, sendo caçados pelos nazistas (afinal, ainda são inimigos) e também pelos seus próprios companheiros aliados (por serem prisioneiros de guerra fugitivos).

A única esperança de salvação é chegar à fronteira, mas, no processo, o grupo se envolve em uma série de batalhas sem relação com a trama principal, encarando de pequenos destacamentos alemães até um insólito encontro com mulheres nuas tomando banho de rio - e que logo pegam metralhadoras para expulsar os tarados dali!


O "maledetto treno blindato" do título original italiano e do título nacional só entra na trama depois de uma hora de filme, quando os fugitivos exterminam, acidentalmente, um grupo de soldados norte-americanos que estava vestido com fardas alemãs. Eles eram especialistas treinados para uma missão secreta e suicida: interceptar um trem blindado nazista para roubar o giroscópio de um novíssimo míssil V-2 para a Resistência Francesa.

Tendo matado a tropa acidentalmente, Yeager e seus homens resolvem tomar o lugar dos falecidos, combinando com o responsável pela missão, o coronel Charles Thomas Buckner (Bannen), o perdão pelos seus crimes caso consigam cumprir o objetivo.


ASSALTO AO TREM BLINDADO não tem um roteiro coeso que possa ser resumido em meia dúzia de linhas. Se você lê, por exemplo, o resumo do velho Guia de Filmes da Nova Cultural, que só fala da missão do trem blindado, fica sem ter uma idéia abrangente do que na verdade é o filme.

Como o tal trem só aparece no final, os dois primeiros atos são preenchidos com seqüências de ação cada vez mais exageradas, onde os fugitivos se metem em encrenca com os dois lados do confronto, e sempre se saem bem, claro, mas isso envolve matar dezenas, às vezes centenas de inimigos. Os perigos vão ficando cada vez mais complicados, na medida que os próprios "heróis" se colocam em risco quando se disfarçam de nazistas, por exemplo.


Castellari é um brilhante diretor de ação, e isso pode ser visto nas cenas de guerra, recheadas de tiroteios e explosões. Mas o estilo habitual do diretor (com a câmera lenta ao estilo do que o norte-americano Sam Peckinpah fazia na época) demora a aparecer, surgindo somente na conclusão, já na missão do trem blindado. Mas vale a pena esperar, pois as cenas estão entre as melhores que o velho Enzo já filmou, incluindo sangrentos tiros que explodem o peito das vítimas e fazem voar pedaços de "carne" e roupa contra a câmera.

O interessante é que o diretor não levou a coisa muito a sério, e, na maior parte do tempo, entrega apenas um divertido filme de ação e guerra, com tiroteios e explosões a rodo, sem aquela pretensa "seriedade" que as produções sobre a Segunda Guerra Mundial tinham na mesma época.


O único momento mais sério e dramático, em que Castellari parece tentar mostrar ao espectador a imbecilidade da guerra, é brilhante: durante uma violenta batalha, o volume da trilha sonora sobe e abafa o som de gritos, tiros e explosões da carnificina filmada em câmera lenta, com direito a soldados de ambos os lados do conflito lançados pelos ares por explosões ou se contorcendo com os tiros disparados pelas metralhadoras inimigas! Um momento que parece ter saído de "A Cruz de Ferro", de Peckinpah, que por sinal é do ano anterior (1977).

O filme também ganha pontos pelos toques de humor (especialmente de Williamson, interpretando um canalha que vive com um charuto no canto da boca, e de Pergolani, como o soldado malandro que tem todas as traquitanas necessárias "escondidas" no seu uniforme), pelo uso criativo de miniaturas para baratear custos (nas cenas mais complicadas de explosões de casas e de veículos), pelo fato de os próprios atores principais encararem algumas das cenas perigosas (Williamson aparece pulando de uma ponte sobre o trem em movimento, por exemplo) e pela conclusão completamente fora do convencional, especialmente no inesperado destino de alguns dos personagens.


Recentemente, aproveitando o "Inglorious Bastards" do Tarantino, foi lançada uma edição superespecial de ASSALTO AO TREM BLINDADO nos States, com três discos (!!!) repletos de extras (um deles é a trilha sonora composta por De Masi). O tipo de coisa que nunca vai chegar por aqui, e que traz também uma longa conversa entre o próprio Tarantino e Castellari.

Num momento do bate-papo, Castellari elogia Tarantino, chamando-o de gênio, e este responde de maneira humilde, dizendo que é Castellari o "maestro" ("mestre", em italiano). E, durante a conversa, percebe-se que Tarantino realmente respeita o trabalho de Castellari, um ótimo diretor que infelizmente não filma há anos.

Para finalizar: falam tanto de "Comando para Matar", "Rambo 4" e outros filmes com altos números de morte, mas ASSALTO AO TREM BLINDADO com certeza é um recordista neste quesito. Precisa, claro, ter paciência para contar os cadáveres, e segurar o riso quando os mesmos figurantes aparecem morrendo múltiplas mortes diferentes...

Trailer de ASSALTO AO TREM BLINDADO



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Quel Maledetto Treno Blindato/The Inglorious
Bastards (1978, Itália)

Direção: Enzo G. Castellari
Elenco: Bo Svenson, Peter Hooten, Fred Williamson,
Michael Pergolani, Jackie Basehart, Michel Constantin,
Debra Berger, Raimund Harmstorf e Ian Bannen.



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