NO CORAÇÃO DO PERIGO (1986)
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NO CORAÇÃO DO PERIGO (1986)



Depois de duas resenhas de filmes mais amenos, chegou a hora de voltar ao que interessa, amiguinhos. Ou seja: filmes de ação casca-grossa, daqueles com tanto tiro e explosão que, depois de ver, dá vontade de pegar uma metralhadora e sair pelas ruas declarando guerra contra o mundo inteiro. Um belo exemplar desse estilo é o visceral NO CORAÇÃO DO PERIGO (1986), mistura explosiva de ação e guerra feita por John Woo antes de ir para Hollywood e virar florzinha.

Originalmente chamado "Ying Xiong Wu Lei", e nos EUA "Heroes Shed No Tears" (Os Heróis Não Derramam Lágrimas), NO CORAÇÃO DO PERIGO representou uma mudança radical no "estilo Woo" de cinema. Até então, ele era conhecido como diretor "pau-pra-toda-obra" da Golden Harvest, contratado para dirigir filmes de artes marciais (dois bons saíram no Brasil como "A Jugular Blindada" e "A Lâmina Fatal") e até comédias de horror ("A Farra do Demônio", de 1981).

Finalmente, entre 84 e 85, o cineasta foi para a Tailândia rodar este que é seu primeiro grande filme de ação, com sangrentos e exagerados tiroteios, cenas estilizadas de ação em câmera lenta e muito sangue jorrando, lançando uma forma toda pessoal e barulhenta de fazer filmes que atingiria a perfeição nos clássicos "Fervura Máxima" e "The Killer", ambos dos anos 90.


Mas, como todo diretor à frente do seu tempo, Woo teve que enfrentar a cabeça fechada dos seus patrões da Golden Harvest, que não gostaram do festival de tiros e explosões sem propósito de NO CORAÇÃO DO PERIGO e deixaram o filme mofando na gaveta, sem lançamento comercial. Ele só chegou aos cinemas em 1986, quando o diretor alcançou fama internacional justamente através de um filme com tiroteios violentos e estilizados, o ótimo "Alvo Duplo" (A Better Tomorrow/Ying Hung Boon Sik), com Chow Yun-Fat, que saiu naquele ano. Com Woo transformado em "nome quente" dos filmes de ação, finalmente seu épico de guerra viu a luz do dia.

O mais interessante de NO CORAÇÃO DO PERIGO é que ele já traz todos os elementos que o diretor aperfeiçoaria nos filmes seguintes (a relação amizade-honra, onde vale a pena se sacrificar por amigos ou pela "coisa certa"; os vilões obcecados e movidos pela fúria cega; os amigos que tombam pelo caminho em cenas dramáticas em câmera lenta; atiradores usando uma arma em cada mão; um herói enfrentando um exército, etc etc etc...).

Mas tudo isso, aqui, ainda é feito de maneira crua, caótica, barulhenta, sem aquelas acrobacias e coreografias perfeitas que apareceriam nos filmes seguintes. Justamente por isso, talvez este seja o trabalho mais furioso do diretor, antes de virar moda e começar a enfeitar as obras posteriores - e sem astros de Hollywood, como Tom Cruise e Ben Affleck, ou a MPAA para encher o saco.

Eu vi o filme pela primeira vez nos anos 90. Woo estava em alta e era "moderninho" conhecer seu cinema, já que a nossa imprensa, sempre atrasada (considerando que o cara já fazia filmes há duas décadas), começou uma babação de ovo descarada à "coreografia da matança" do cinema do diretor - com muitos pseudo-críticos e pseudo-jornalistas esquecendo que Sam Peckinpah e Enzo G. Castellari já faziam mais ou menos a mesma coisa bem antes de John Woo. Mas enfim, o homem era febre, só se falava nele e era praticamente obrigatório conhecer seus filmes para não ficar por fora.


Existem duas versões circulando. A original tem 93 minutos, mas o corte internacional mal chega a 80 minutos. Foi esta versão, dublada em inglês ainda por cima, que chegou às videolocadoras brasileiras pela Penta Vídeo. E eu só conhecia esta versão reduzida, mas ficava pensando o que haveria nos 13 minutos cortados, considerando que o filme, do jeito que está, já é um massacre. Felizmente, agora fui descobrir que os cortes são apenas de cenas "expositivas", que aprofundam a relação entre os personagens - e estas cenas cortadas não fazem qualquer diferença.

Do jeito que está, NO CORAÇÃO DO PERIGO é nitroglicerina pura: começa com um prólogo vapt-vupt explicando sobre o "Triângulo Dourado" que controla o tráfico de drogas entre Mianmar, Laos e Tailândia, e que seria responsável por 75% da distribuição de entorpecentes no mundo todo. Em seguida, ficamos sabendo que o governo tailandês contratou um grupo de destemidos mercenários para explodir o quartel-general dos traficantes e levar à justiça o principal cabeça da organização, o general Sampton. No momento seguinte, sem qualquer outra cena expositiva ou apresentação dos personagens, o filme corta diretamente para a ação, com o tal grupo de mercenários invadindo a base de Sampton e detonando uns 100 soldados inimigos - tudo isso só nos primeiros dez minutos!!!

O chefão do tráfico é levado pelos soldados, liderados pelo típico herói durão Chan Chung (Eddy Ko, visto recentemente em "Mad Detective", de Johnny To). Ele aceitou liderar a missão para poder mudar-se com o filho Sang para os Estados Unidos. O problema é que se a prisão de Sampton foi fácil, levá-lo até a fronteira do país para entregá-lo às autoridades não será tão simples: perseguidos pelos intermináveis homens do traficante, eles cruzam o país enfrentando inúmeros perigos e batalhas violentas.

A coisa piora quando, na fronteira com o Vietnã, eles compram uma briga que nem era deles ao resgatar uma jornalista francesa (Cécile Le Bailly) do estupro coletivo pelos homens liderados por um sádico e anônimo comandante (Ching-Ying Lam, ótimo). Durante o resgate, Chung acaba cegando o vilão, que então empreende uma caçada obsessiva aos mercenários, usando todo o exército do país e mais os reforços de uma tribo local, "convencida" à força a participar da perseguição. Some-se a eles os homens do traficante e dá para ter uma idéia da quantidade de problemas (e de inimigos) que os nossos heróis terão que enfrentar ao longo do resto do filme - principalmente porque o filho de Chung e sua cunhada passam a fazer parte da caravana fugitiva!


NO CORAÇÃO DO PERIGO praticamente não tem história, ainda mais nesta versão reduzida. É ação, ação e ação: um tiroteio leva ao outro, centenas de figurantes perdem a vida (imagine 15 tiroteios finais de "Comando Para Matar", e você terá uma idéia do massacre absurdo perpetrado neste filme...), e os comandados de Chung aos poucos vão perecendo pelo caminho, sempre da forma mais horrível e violenta, normalmente crivados por inúmeras rajadas de metralhadoras, embora uma das cenas mais violentas envolva um soldado atravessado por diversas lanças inimigas - o que me lembrou morte semelhante no espetacular "Conquista Sangrenta", de Paul Verhoeven.

Lá pela metade, há algumas tentativas de fazer humor que arrastam um pouco a narrativa (e soam deslocadas), principalmente uma envolvendo um mercenário viciado em jogos de azar. Claro que fica meio forçado imaginar que, com meio país atrás deles, o cara iria perder tanto tempo jogando dados! Mais adiante, o grupo chega à casa de um amigo de Chung dos tempos do Vietnã, um soldado norte-americano desertor (interpretado por Philippe Loffredo) que vive chapado (!!!), ransando com duas garotas (!!!) e permanentemente com um cinturão de explosivos amarrado ao tórax (!!!), para poder explodir seus inimigos a qualquer momento!!!

E é aí que se inicia uma das maiores matanças da história do cinema de ação... É tanto tiro e tanta morte que o espectador até começa a aceitar com naturalidade o fato de meia dúzia de caras conseguir exterminar centenas de inimigos sem muita dificuldade. Praticamente não há trilha sonora: rajadas de metralhadora e explosões são a única música ao longo dos 80 minutos de genocídio!

Numa história movida pela ação, escrita pelo próprio John Woo, os personagens quase nem têm nomes. É o caso do anônimo vilão que Chung cega com um tiro disparado através da mira telescópica da arma do sujeito (cena que seria "reaproveitada" por Spielberg em "O Resgate do Soldado Ryan"). Sem um olho e cego (literalmente) de fúria, o oficial passa o restante da história querendo o couro do herói, movido à morfina para amenizar as dores do ferimento.


E no meio deste inferno de balas e mortes, Woo ainda consegue espaço para mostrar a dramática relação entre o herói e seu filho pequeno, num toque que lembra o mangá "Lobo Solitário".

NO CORAÇÃO DO PERIGO é ação barulhenta, absurda e exagerada. Um filme de guerra feio, sujo e malvado que, se fosse filmado hoje, seria "Rambo 4". Um filme de macho onde as mulheres não têm vez nem voz, e só aparecem para serem estupradas ou servirem de alvo. Um filme onde morrem 100, 200, 300 inimigos, e aí você pára de contar porque ainda tem muito tempo pela frente. Um filme em que tiros de escopeta e de metralhadora de grosso calibre lançam os dublês vários metros longe, em que sangrentos buracos de bala explodem na roupa das vítimas, em que você quase sente a dor dos tiros, tal o realismo da coreografia da matança.

Um filme que encerra com uma luta brutal e de mãos limpas entre Chung e o comandante caolho, então já reduzidos a verdadeiras feras selvagens. Os dois trocam porradas entre escombros em chamas, de maneira tão convincente que os atores (e seus dublês) devem ter terminado a filmagem da cena repletos de hematomas da cabeça aos pés. Enfim, um filme que você jamais vai poder assistir com a sua namorada!


E se o próprio cineasta posteriormente filmaria uma história de guerra superior ("Bala na Cabeça", de 1990), é até bom ver esta para comparar com as produçõezinhas fru-frus que o homem dirige hoje nos Estados Unidos!

A verdade é que Woo nasceu para fazer estes filmes exagerados, repletos de tiros e explosões, com 300 mortes on-screen, e não coisas tipo "Missão Impossível 2" e "O Pagamento". Quando foi importado para os EUA, ele não soube se reciclar, e seus filmes da "fase Hollywoodiana", além de não trazerem nada de novo (sempre descambam para os tradicionais duelos em câmera lenta com duas pistolas nas mãos e pombas voando, o que acabou até se tornando uma piada), têm muito enfeite e pouquíssimo conteúdo.

Por isso, façam coro comigo: "Volta pra Hong-Kong, Woo!!!".

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Heroes Shed No Tears/Ying Xiong Wu Lei
(1986, Hong-Kong)

Direção: John Woo
Elenco: Eddy Ko, Ching-Ying Lam, Cécile Le
Bailly, Philippe Loffredo, Kuo Sheng, Chau
Sang Lau, Ho Kon Kim.



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