BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA (1977)
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BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA (1977)



Alguns fãs de cinema - principalmente aqueles que já viram filmes demais - costumam defender a teoria de que todas as boas ideias (e as ruins também) já foram filmadas, e tudo o que está sendo lançado nas últimas décadas não passa de um reaproveitamento (às vezes inconsciente) de produções do passado.

Não concordo muito com essa afirmação. Por outro lado, às vezes me surpreendo ao descobrir em um filme antigo vários elementos que aparecem posteriormente em obras que eu julgava originais!

É o caso desse BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA, uma relíquia do mercado de VHS no Brasil que eu nunca tive a sorte de encontrar nas locadoras (nem nos sebos), e que só consegui conferir agora, via download. Pior: o filme é raro no mundo inteiro e nunca foi relançado em DVD. Tive que me contentar com uma péssima cópia VHSripada e sem legendas (e aparentemente cortada nas cenas de violência).


Para a minha surpresa, essa produção obscura de 1977 já traz elementos marcantes de dois filmes que eu gosto muito e que foram lançados 20 anos depois: "Cubo" (1997), de Vincenzo Natali, e "Matrix" (1999), dos Irmãos Wachowski.

O roteiro de Stephen Schneck e Michael Winder (sem outros créditos expressivos; Winder também escreveu "A Fera Deve Morrer") trabalha um conceito enigmático: numa época indeterminada, oito pessoas acordam na margem de um rio, num local desconhecido, sem saber como foram parar ali.

Vestem uniformes idênticos na cor cinza e coturnos, mas aparentam ter perdido a memória, pois não sabem quem são ou o que faziam antes de despertar naquele local. Dentro de seus bolsos, cada um deles encontra uma ficha com seu nome (ou o que acreditam que deve ser seu nome) e um crime que supostamente cometeram (mas é claro que não lembram de nada disso).


De cara, já temos o argumento central de "Cubo": os desconhecidos que acordam - também com uniformes padronizados e coturnos, também sem lembrar como foram parar ali - no interior de uma gigantesca estrutura em formato de cubo.

Sem saber o que fazer, o grupo resolve seguir o rio na esperança de encontrar algum lugar habitado, mas têm um encontro nada agradável com dois homens vestidos como pistoleiros do Velho Oeste. A dupla mata um dos homens, estupra a única garota do grupo (Hollis McLaren) e foge levando todos os calçados do pessoal.


Parece que a coisa não pode ficar pior, mas fica: os sete sobreviventes logo chegam a uma misteriosa cidadezinha chamada Blood City, que também lembra uma pequena vila do Velho Oeste, com cowboys e pistoleiros andando a cavalo pelas ruas principais e trocando tiros com forasteiros.

A única diferença é que, misteriosamente, todos os cowboys se vestem de preto, e com uma enorme estrela vermelha bordada no peito, onde está impresso um código alfa-numérico!


Eis que surge Frendlander (Jack Palance!!!), o xerife de Blood City, e prende os poucos desmemoriados que sobreviveram ao confronto com os pistoleiros da cidade. Ao que parece, os homens de uniforme são escravos e devem trabalhar como tal, até conquistarem o direito de ser cidadãos de Blood City. E a única forma de fazer isso é matando algum pistoleiro em duelo!

Tudo parece muito estranho, mas já aos 20 minutos de filme a trama começa a se explicar, quando a câmera deixa Blood City e vai para dentro de um laboratório repleto de cientistas e computadores, onde as imagens dos prisioneiros e dos pistoleiros são acompanhadas atentamente através de monitores.


Na verdade não estamos no Velho Oeste, mas sim num futuro distante. Os desmemoriados prisioneiros que foram parar em Blood City são cidadãos do futuro que estão presos naquele laboratório, e, através de implantes cerebrais, foram "transportados" para um ambiente de realidade virtual - sim, o argumento de "Matrix" num filme feito quando os Irmãos Wachowski estavam começando a tirar as fraldas!

O objetivo do "experimento", segundo explica a dra. Katherine (Samantha Eggar), é identificar e preparar futuros líderes, que demonstrem capacidade de enfrentar situações adversas e tomar decisões difíceis no ambiente de realidade virtual de Blood City, para que depois possam fazer o mesmo no caótico "mundo real".


A trama de BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA começa a esquentar quando a dra. Katherine se interessa por um dos prisioneiros, o inteligente e determinado Lewis (Keir Dullea, que interpretou um dos astronautas de "2001 - Uma Odisséia no Espaço").

A cientista começa a manipular a programação do experimento para ajudar seu queridinho, pois, através de simples comandos de computador, pode influenciar em praticamente tudo o que acontece em Blood City, como se fosse o "Deus" daquele universo - inclusive fazer aparecer armas magicamente para salvar Lewis no meio de um duelo, como veríamos depois em "Matrix".

Assim, Lewis mata um pistoleiro e adquire o direito de ser um "cidadão" do lugar. Mas pode colocar tudo a perder quando resolve salvar a sua companheira, que será vendida como escrava a um dos mais terríveis pistoleiros da cidade, Gellor (Chris Wiggins).


É possível assistir BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA como uma espécie de embrião ou rascunho de "Matrix". Várias ideias e conceitos vistos nas aventuras de Neo, Trinity e Morpheus já aparecem nesse filme de 1977, não só no tocante ao "mundo falso" criado por computador, mas também à manipulação do universo virtual por fora dele.

Uma cena que lembra muito um "retro-Matrix" mostra o personagem de Jack Palance perseguindo Lewis; graças aos comandos de computador digitados pela dra. Katherine, Frendlander aparece magicamente sempre um passo à frente do herói, como se fosse o avô do Agente Smith de "Matrix", numa cena muito bem-bolada que você pode ver no vídeo abaixo:

Jack Palance, o avô do Agente Smith



Ação, entretanto, não é o forte de BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA, ainda mais em comparação aos posteriores "Cubo" e "Matrix". O clima é de mistério, com Lewis tentando descobrir quem é e o que faz em Blood City, e o espectador descobrindo, aos poucos, para que serve aquele bizarro experimento.

No final, frio e pessimista, Lewis e o espectador finalmente têm as respostas - inclusive sobre o que acontece às pessoas que "morrem" no mundo virtual. Longe de uma conclusão heróica, como a de Neo e sua trupe, a história termina deixando poucas esperanças de um "futuro melhor".


Infelizmente, BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA não é o filmaço que parece e que poderia ser, nem consegue desenvolver satisfatoriamente a belíssima situação que apresenta.

Depois dos primeiros 30 minutos, o ritmo torna-se arrastado, como se não houvesse mais história para contar, com Keir Dullea perambulando pela cidadezinha de Velho Oeste (que resume-se a meia dúzia de casas) e discutindo com Jack Palance. A coisa só volta a esquentar no final, mas é difícil não pensar que o mesmo roteiro ficaria muito melhor em mãos mais habilidosas.


Do jeito que está, parece mais uma inocente produção para a TV, talvez um episódio de "Além da Imaginação" esticado. Não por acaso, o diretor Peter Sasdy é mais conhecido justamente por seu trabalho na TV, onde dirigiu alguns episódios da célebre série "Hammer House of Horror", embora também tenha assinado alguns filmes de terror (entre eles, "Nas Mãos do Estripador", de 1971).

Pois o trabalho de Sasdy aqui é burocrático e inexpressivo, salvando-se apenas a ótima idéia do mundo de Velho Oeste de mentirinha. Por alguns momentos, eu até achei que o filme seria uma cópia de "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma", e que os pistoleiros com cruz vermelha eram todos robôs!


BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA vale, entretanto, por ser uma produção obscura e difícil de encontrar, e principalmente por já antecipar esses elementos de dois filmaços da década de 90.

Mas bem que alguma distribuidora gringa poderia fazer um relançamento correto em DVD, pois na versão ripada de VHS que se encontra na internet o formato original em widescreen foi transformado em tela cheia, com horrendos cortes nas laterais da imagem (às vezes os personagens ficam totalmente fora do quadro!). Talvez com uma cópia melhor o fime pareça melhor também.


Ou então alguém poderia financiar um remake, dessa vez com um diretor mais habilidoso no comando e, principalmente, um ritmo mais apropriado.

Epa, peraí, isso já existe: é só ver "Cubo" e "Matrix" em seqüência que a sensação é a mesma de se ver uma refilmagem melhorada de BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA!

PS: É bom lembrar que essa não é a primeira obra a trazer elementos parecidos com "Matrix". Quatro anos antes, em 1973, a minissérie de TV da Alemanha "Welt am Draht/World on a Wire", de Rainer Werner Fassbinder, já trazia o conceito de um super-computador que gera um mundo virtual para aprisionar os humanos. Será que realmente todas as boas ideias já foram filmadas?

Cena de BEM-VINDOS À CIDADE MALIGNA



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Bem-vindos à Cidade Maligna (Welcome to
Blood City, 1977, Inglaterra/Canadá)

Direção: Peter Sasdy
Elenco: Keir Dullea, Jack Palance, Samantha Eggar,
Barry Morse, Hollis McLaren, Chris Wiggins, Les
Barker e Larry Benedict.



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