JOHNNY MNEMONIC (1995)
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JOHNNY MNEMONIC (1995)



"QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO? Toda minha vida eu tive o cuidado de ficar no meu canto, sem complicações. Agora, de repente, sou o responsável por toda a porra do mundo, e todos estão tentando me matar... Isso se minha cabeça não explodir primeiro! Você vê aquela cidade lá no fundo? Era lá que eu deveria estar! Não aqui embaixo com cães, lixo e essas merdas de jornais do mês passado. Me enchi deles, me enchi de você, me enchi de tudo isso! Eu quero um serviço de quarto! Eu quero um 'club-sandwich'! Eu quero uma cerveja mexicana gelada! Eu quero uma prostituta de 10 mil dólares! Eu quero minhas camisas lavadas... como eles fazem... no Imperial Hotel... em Tóquio!"

Em 1995, quando realidade virtual e internet ainda eram pura ficção científica, um filme chamado JOHNNY MNEMONIC tentou faturar em cima da estética "cyberpunk" dos romances de William Gibson - um universo então conhecido apenas por nerds, e que somente "Matrix", quatro anos depois, conseguiria transformar em "cultura pop".

Talvez JOHNNY MNEMONIC seja um filme à frente do seu tempo. Afinal, esta bizarra e sombria aventura de ficção científica parece bem melhor hoje do que na época do seu lançamento, quando foi detonada pela crítica e boicotada pelo público, quase enterrando a promissora carreira de um jovem astro chamado... Keanu Reeves! Que, por este trabalho, foi indicado ao Framboesa de Ouro de Pior Ator, depois passou um tempão estrelando porqueiras como "O Observador", e, ironicamente, voltou ao estrelato justamente ao revisitar o tema "cyberpunk" na bem-sucedida série "Matrix".


Roteirizado pelo próprio William Gibson, a partir do seu conto homônimo, este filme "quase B" (custou 26 milhões de dólares) parte de uma idéia intrigante: no ano de 2021, piratear informação é tão comum que internet e satélites não são mais confiáveis; a única maneira segura de "transportar" informação é carregar o cérebro dos chamados agentes mnemônicos com os dados em gigabytes e então mandá-los até o seu destino, incógnitos.

Pode parecer idiota, considerando que o tal agente corre o risco de sofrer um acidente no percurso e adeus informações. Mas, sei lá, soa mais seguro que o correio comum numa sociedade à beira do colapso como a que é mostrada no filme - uma sociedade extremamente capitalista e dominada por megacorporações, no estilo daquelas das obras do holandês Paul Verhoeven.

Keanu interpreta Johnny, um destes agentes mnemônicos, cuja capacidade cerebral de informação é de 80 GB. Isso mesmo, igual a muitos IPods de hoje (e insira aqui mesmo a sua própria piadinha em relação ao tamanho do cérebro de Keanu Reeves!).

Claro que o mundo de 2021 não é dos melhores: fazer implantes cibernéticos no corpo é tão comum quanto cortar o cabelo ou trocar de cueca; por outro lado, uma doença chamada NAS é transmitida através das ondas eletromagnéticas e está matando a maior parte da população mundial. Que horror, não?


A ação começa quando o pobre Johnny aceita uma "última missão" (alerta de clichê!!!): carregar dados confidenciais de uma poderosa indústria farmacêutica, de Tóquio para Newark. Ele "compacta" seu HD cerebral para poder carregar 160 GB, mas a quantidade de informação que os caras enfiam na sua cabeça chega a 320 gigas!!! Claro que isso não é nada bom: se Johnny não conseguir fazer o download dos dados em 24 horas, seu crânio vai literalmente explodir!!! Problema número 2: a Yakuza, ligada à tal indústria farmacêutica, está atrás dos dados confidenciais carregados por Johnny. E a vida do mensageiro não importa: tudo que eles precisam é da sua cabeça, e o resto que se exploda!

JOHNNY MNEMONIC tem muitos problemas que explicam a fria recepção na época do seu lançamento. Keanu vinha do sucesso de "Velocidade Máxima", e ninguém esperava vê-lo no papel de um herói desagradável e nada simpático, numa história complicada e sem humor. Embora o roteiro tente "humanizar" o agente mnemônico vivido pelo astro (o rapaz perdeu todas as memórias da sua infância por carregar mais informações no cérebro do que seria recomendável), a verdade é que Johnny Mnemonic é um herói bem diferente do usual, egoísta, insensível e sem a menor vocação para salvar o mundo - tudo que ele quer é salvar a própria cabeça.

Outro grande problema é que tudo soa bizarro demais para o público em geral, embora seja um verdadeiro deleite para quem gosta de FILMES PARA DOIDOS. A ambientação "cyberpunk", por exemplo, atropela o espectador com uma quantidade absurda de informação que não fazia muito sentido lá atrás, em 1995.


Se hoje termos como download, cyberspace e internet já são comuns até para crianças de 6 anos, é bem possível que a maioria do público tenha ficado boiando na época de lançamento do filme. Mesmo hoje, algumas operações "cibernéticas" dos personagens e certos termos técnicos utilizados parecem grego até para quem tem um mínimo de conhecimento na área.

Completando o quesito "bizarria", este é um filme não só estrelado por um herói nada heróico (o discurso do início do texto é feito pelo personagem no clímax da trama, para dar uma idéia de sua preocupação com o futuro da humanidade), mas que também conta com um assassino que usa seu chicote laser para cortar metal, pescoços e pessoas ao meio; um médico viciado em fazer implantes cibernéticos baratos em seus amigos; um golfinho que teve o cérebro modificado pela Marinha para decodificar códigos inimigos e que vive num aquário, viciado em LSD (!!!), além, é claro, de um padre psicopata, vestido como Jesus Cristo, com esqueleto biônico e uma espada em forma de cruz!!!

Para completar, JOHNNY MNEMONIC traz um dos elencos mais "diferentes" já reunidos numa produção hollywoodiana: um astro como Keanu Reeves divide a tela com roqueiros (Ice-T e Henry Rollins), com o astro oriental Takeshi Kitano e mais Dina Meyer, Udo Kier, Barbara Sukowa e, acredite se quiser, Dolph Lundgren (!!!), provavelmente no papel mais esquisito da sua carreira como o tal padre biônico assassino! O pior é que Lundgren quase rouba o filme. Inacreditável!

Obviamente, uma mistura tão estranha só pode ser apreciada por públicos bem específicos. Também não ajuda o fato de o filme ser de uma escuridão digna de Tim Burton (toda a história se passa à noite), e de ser o primeiro (e até agora único) longa-metragem de um obscuro artista plástico chamado Robert Longo, que até então só havia dirigido videoclipes do REM e do New Order e um episódio (ruim) da série "Contos da Cripta".


Contando ainda com as tradicionais e multicoloridas cenas criadas por computação gráfica para representar as viagens dos personagens pelo cyberspace (estilo "O Passageiro do Futuro"), JOHNNY MNEMONIC é o tipo de filme que você nem sabe direito como avaliar, em que idéias muito boas são jogadas lado a lado com outras completamente imbecis, e cenas bem legais (incluindo bastante violência, de mãos e cabeças decepadas a flechadas no pescoço) são seguidas por momentos nada inspirados (cortesia do diretor de primeira viagem).

Entretanto, várias imagens e situações seriam vistas posteriormente em outros filmes, dos sobretudos escuros que viraram mania em "Matrix" às traquitanas tecnológicas que se tornaram presença obrigatória em todo e qualquer filme sobre hackers e computadores (alguns aparelhos ligados no cérebro também lembram "Matrix"). E tem até a imagem do casal se beijando enquanto edifícios queimam no horizonte (vista depois em "Clube da Luta").

Será que estamos diante de uma obra visionária? Bem, dá para apostar que tanto o filme quanto os seus realizadores teriam muito mais sorte caso JOHNNY MNEMONIC tivesse sido lançado hoje, e não 14 anos atrás. Mas este é o preço pago por todas as obras à frente do seu tempo, como "Blade Runner", que também foi um fracasso na época de seu lançamento (1982).


Claro que seria covardia (para não dizer loucura) comparar este debut de Robert Longo ao eterno cult movie de Ridley Scott, embora ambos tenham muito em comum, da "estética" futurista à presença de um astro hollywoodiano completamente perdido no seu papel. Mas quem sabe JOHNNY MNEMONIC não seja redescoberto nos anos vindouros?

PS 1: O tradutor brasileiro que teve a genial idéia de colocar no filme o subtítulo "O Cyborg do Futuro" merecia ele mesmo um implante cibernético... no rabo! Afinal, não há um único cyborg no filme, seja do futuro ou do passado.

PS 2: A versão japonesa do filme tem 107 minutos (11 a mais que a versão original). Estes minutos adicionais dão mais tempo em cena para o personagem de Takeshi Kitano. Como o ator era muito mais conhecido no Oriente do que no Ocidente lá no ano de 1995, foram gravadas mais cenas com ele especialmente para atrair o público oriental. Não deu outra: esta versão estendida é mais respeitada (e realmente bem melhor, incluindo nova trilha sonora) do que a "oficial".

Trailer de JOHNNY MNEMONIC



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Johnny Mnemonic (1995, EUA/Canadá)
Direção: Robert Longo
Elenco: Keanu Reeves, Dina Meyer, Dolph
Lundgren, Takeshi Kitano, Ice-T, Henry
Rollins, Barbara Sukowa e Udo Kier.



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