"Desejo de Matar 2" foi a primeira produção da Cannon Films com um grande astro (Charles Bronson) e também um sucesso de bilheteria, enchendo os produtores israelenses Golan e Globus de dinheiro e reputação para tocar outros projetos. Ao mesmo tempo em que produziam filmes de ação baratos estrelados por Chuck Norris, Lou Ferrigno, Robert Ginty e Michael Dudikoff, os dois primos tentavam ganhar Oscars contratando diretores consagrados, como Jean-Luc Godard, John Frankenheimer e John Huston, para tocar projetos mais "artísticos". Esses sempre naufragaram nas bilheterias, enquanto os filmes de ação continuavam dando retorno financeiro. E como em time que está ganhando não se mexe, a Cannon decidiu iniciar uma duradoura parceria com Charles Bronson, que inevitavelmente levou a um DESEJO DE MATAR 3.
Até hoje, toda vez que eu revejo DESEJO DE MATAR 3, fico imaginando a cara dos espectadores que tinham curtido as Partes 1 e 2 ao sair de uma sessão do terceiro filme na época do seu lançamento, lá em 1985. Porque se o original de 1974 era uma história policial séria sobre um homem que liberta sua fúria exterminando marginais na rua, e a segunda parte, de 1982, mostrava o mesmo homem comum vingando-se dos responsáveis pela morte da filha, DESEJO DE MATAR 3 não tem a menor vergonha na cara e parte direto para a avacalhação: o vigilante Paul Kersey agora é representado como uma máquina de matar incansável e indestrutível estilo "O Exterminador do Futuro", que sai às ruas baleando, metralhando e explodindo delinquentes como se estivesse jogando videogame!
Algumas fontes alegam que a terceira aventura cinematográfica de Kersey foi diretamente influenciada por dois exagerados e barulhentos filmes de ação lançados no mesmo ano de 1985: "Rambo 2 - A Missão", onde Sylvester Stallone massacra 70 inimigos viecongues e russos, e "Comando para Matar", onde Arnold Schwarzenegger bateu todos os recordes de violência cinematográfica e exterminou 96 pessoas (!!!) on-screen.
Mas a verdade é que DESEJO DE MATAR 3 começou a ser filmado em abril de 1985, antes do lançamento destes dois filmes, e portanto já trazia uma avantajada contagem de cadáveres sem ser influenciado por Stallone e Schwarzenegger, provavelmente motivada por outras produções baratas da Cannon lançadas no ano anterior, como "Braddock - O Super Comando" (1984), em que Chuck Norris mata 63 soldados vietcongues, ou "A Vingança do Ninja" (1983) e seus mais de 50 cadáveres.
Consta, também, que a Cannon Films queria aproveitar a publicidade gratuita gerada por um vigilante da vida real: em dezembro de 1984, como Charles Bronson tinha feito dez anos antes em "Desejo de Matar", Bernhard Hugo Goetz atirou em quatro supostos assaltantes dentro de um trem do metrô de Nova York.
Goetz foi chamado de "Subway Vigilante" pela mídia, e a imprensa e a população da cidade ficaram divididas entre glorificar ou condenar sua ação, já que o homem foi imortalizado como um exemplo de reação extrema do cidadão diante da violência urbana de Nova York na época. O vigilante da vida real entregou-se à polícia e foi a julgamento, ficou preso durante oito meses e até hoje é figura popular nos Estados Unidos.
Charles Bronson desta vez não pestanejou para voltar ao papel de Paul Kersey pela terceira vez, enquanto o diretor inglês Michael Winner, responsável pelas Partes 1 e 2, só retornou à série porque sua carreira outra vez estava em baixa. Seus dois projetos pós-"Desejo de Matar 2" ("A Perversa", de 1983, e o horror "Scream for Help, de 1984, que quase não chegou aos cinemas) foram grandes fracassos de bilheteria, e ele precisava de um novo hit para continuar na ativa.
Provavelmente com certa má vontade por estar fazendo a mesma coisa pela terceira vez, Winner não se preocupou em manter o tom mais sério e realista dos dois filmes anteriores. Pelo contrário, chutou o pau da barraca e investiu no exagero e na ação absurda. Se nas Partes 1 e 2, somadas, o número de mortos mal chegava a 30, em DESEJO DE MATAR 3 o herói e os vilões exterminam mais que o dobro disso, numa aventura impossível de levar a sério!
E é exatamente aí que reside o charme da coisa toda. Se tivéssemos que analisar o filme friamente como obra cinematográfica, o bagulho provavelmente ganharia nota zero com seu roteiro inexistente, situações forçadas, violência gratuita e direção precária. Por outro lado, DESEJO DE MATAR 3 é divertidíssimo exatamente por causa desses defeitos, e você está lendo o FILMES PARA DOIDOS, e não o Cinequanon ou a Contracampo. É impossível não rolar de rir ao ver Bronson, com 63 anos de idade, aniquilando inimigos com 40 anos a menos sem sequer suar!
Embora goste muito MESMO de "Desejo de Matar", confesso que meu preferido da série é esse terceiro filme. Até tenho esse pôster de cinema (com Bronson apontando sua pistola Wildey) emoldurado na minha parede, com muito orgulho. Mas acho que o cartaz que melhor reflete o clima da terceira aventura de Kersey é o usado na Europa (ao lado), que traz Bronson disparando uma metralhadora de grosso calibre com a munição enrolada ao corpo, como se fosse uma versão geriátrica de Rambo ou Braddock! Portanto, é indispensável assistir DESEJO DE MATAR 3 como se fosse uma aventura independente, sem nenhuma relação com as duas anteriores, ou a decepção será inevitável.
Sem muita preocupação em explicar o que aconteceu com o arquiteto Paul Kersey após os acontecimentos de "Desejo de Matar 2", o fiapo de história desta terceira parte já começa com nosso herói num ônibus com destino a Nova York - de onde ele foi praticamente expulso pela lei no final do primeiro filme. A única coisa que o roteiro se preocupa em esclarecer é que nosso herói pretende encontrar Charley (Francis Drake), um amigo dos tempos da Guerra da Coréia.
O problema é que o velho Charley não estará vivo para dar as boas-vindas ao amigo vigilante. Ele vive num bairro pobre que é a verdadeira filial do inferno, dominado por uma gangue de punks que faz os marginais dos dois primeiros filmes parecerem escoteiros. Enquanto Kersey está desembarcando na rodoviária, alguns dos punks invadem o apartamento de Charley e arrebentam o velhote. Quando o vigilante finalmente chega ao local, já encontra o amigão à beira da morte. E bem na hora, sempre atrasada, a polícia aparece e prende Kersey como suspeito do crime.
Quando o "suspeito" é levado para a delegacia, se identifica como Kimball (mesmo nome falso que usou para alugar um quarto de hotel na Parte 2) para que não descubram seu passado. Mas o inspetor Shriker (o eterno careca Ed Lauter) reconhece o vigilante que agiu na cidade 10 anos antes.
O tira joga Kersey numa cela repleta de marginais - onde ele toma e dá porrada -, somente para poder chantageá-lo: vai aliviar o lado do vigilante, com a condição que ele volte para o bairro onde seu amigo foi morto e ajude a fazer uma limpeza "por baixo dos panos" na bandidagem, pois a coisa está tão violenta naqueles lados que até a polícia tem medo dos marginais!
E não sem motivo: o tal bairro faz as favelas dos filmes "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite" parecerem um lugar tranquilo para se viver. Punks armados fazem a maior algazarra dia e noite, agredindo velhinhos, invadindo apartamentos, estuprando mulheres e botando para correr qualquer policial que chegue perto dos limites do bairro - tem até uma cena hilária em que os marginais apedrejam uma viatura que tenta entrar no local e nenhum dos policiais faz nada em represália!
Ou seja, o lugar é uma verdadeira terra de ninguém, e eu não consigo entender porque Shriker não envia logo uma tropa de choque fortemente armada para dar um jeito na situação ao invés de um decrépito vigilante na terceira idade! Claro, em algum momento do filme o policial alega que nunca consegue provas para colocar os punks atrás das grades pelos meios "convencionais", mas isso é simplesmente ridículo, porque os vilões agem abertamente à luz do dia, e só o episódio do apedrejamento da viatura já poderia render um bom tempo na cadeia!
Porém, ineficaz como toda polícia cinematográfica, a de DESEJO DE MATAR 3 só entra no bairro para confiscar o revólver com o qual um dos pobres velhinhos pretendia se defender dos punks; os marginais podem continuar roubando e matando livremente!
O que importa é que Kersey se muda para o apartamento do amigo morto e atrai a simpatia de outros moradores do local, quase todos velhinhos à mercê da bandidagem - entre eles, um veterano da Segunda Guerra Mundial chamado Bennett, interpretado pelo ator de respeito (até fazer esse filme, claro) Martin Balsam.
Ao invés de partir direto para o ataque, o vigilante prefere provocar os bandidos com iscas. Por exemplo: ele aluga um carro somente para que alguns marginais quebrem os vidros para roubar o rádio do veículo. Aí Kersey aparece e desenrola-se um dos muitos diálogos hilariantes do filme:
Paul Kersey: Qual é o problema? Punk 1: O quê? Paul Kersey: Qual é o problema com o carro? Punk 2: Estamos roubando o carro. Por quê? Paul Kersey: Porque é o MEU carro! BANG! BANG!
O vigilante também usa suas habilidades como arquiteto para construir armadilhas para proteger seu apartamento e o dos vizinhos, como uma tábua cheia de pregos colocada debaixo de uma janela por onde os invasores costumam entrar. Motivados pelas ações do herói, os moradores decentes do bairro (cerca de 3% das pessoas que lá vivem, pelo que parece) também começam a reagir à brutalidade dos bandidos.
O problema é que os punks têm um líder: um psicopata chamado Fraker (Gavan O'Herlihy, de "Superman 3"). Herói e vilão se conhecem na rápida passagem do vigilante pela cadeia nova-iorquina, e, antes de sair, Fraker anuncia: "Vou matar uma velhinha em sua homenagem". O cara é o estereótipo do vilão fodão, a verdadeira encarnação da maldade, e o inimigo mais cruel de todos os cinco filmes da série. Preocupado com as ações do vigilante e com a reação dos moradores, Fraker chama reforços de uma gangue de motoqueiros das redondezas e inicia uma guerra civil no bairro, que culmina no i-na-cre-di-tá-vel ato final de DESEJO DE MATAR 3!
Certo, você até engole Chuck Norris matando 63 vietcongues no meio da selva ou Schwarzenegger chacinando 96 mercenários numa ilha qualquer longe da civilização. Mas é impossível não rolar de rir quando Charles Bronson, um velhinho com 63 anos de idade, sai correndo pelas ruas do bairro em guerra exterminando moleques com tiros de metralhadora e pistola, como se estivesse de volta aos seus tempos da Guerra da Coréia - ou então num daqueles jogos de tiro dos fliperamas!
Nada pode preparar o espectador para o momento em que Kersey e Shriker (o comandante da polícia, lembra?) esquecem qualquer convenção, lei ou noção de civilidade e correm lado a lado disparando tiros nos marginais, como se estivessem em pleno Velho Oeste! Também é de chorar de rir a reação dos moradores do bairro durante a guerra civil, quando grupos de velhinhos, donas-de-casa e até crianças (!!!) saem às ruas com armas de fogo, baleando bandidos desarmados e caídos ao chão, e depois dando pulos de alegria pela carnificina!
Se o filme original buscava criar um debate sobre o vigilantismo e a segunda parte ainda censurava bem de leve as ações do personagem de Bronson, cada minuto de DESEJO DE MATAR 3 é uma ode à beleza da matança e da justiça pelas próprias mãos, uma apologia descarada da máxima "Bandido bom é bandido morto", buscando convencer o espectador de que a paz só é possível se todos os marginais forem implacavelmente exterminados.
Legítimo fascista da Era Reagan, o Kersey de DESEJO DE MATAR 3 chega a comparar os criminosos a baratas, dizendo algo como: "Temos que eliminar todas as baratas, senão não adianta nada!". Hoje, o filme poderia tanto ser usado como vídeo institucional obrigatório para as polícias de São Paulo e do Rio de Janeiro, quanto como filme de horror para organizações que defendem os direitos humanos (principalmente quando Shriker diz a Kersey: "Eu sou a Lei, e isso significa que posso violar seus direitos civis", antes de dar um murro na cara do velhinho algemado!!!).
Evidentemente que um filme com esse teor tinha tudo para provocar uma polêmica daquelas, mas DESEJO DE MATAR 3 jamais se leva a sério para tanto. É o completo oposto, por exemplo, do original: se naquele você pesava as ações do vigilante e ficava questionando se ele estava certo ou não em sua cruzada solitária contra o crime, aqui você obviamente se pega torcendo por Bronson e vibrando quando explode a Terceira Guerra Mundial no ato final!
A cena que melhor sintetiza a moral questionável do filme é aquela em que Kersey enfrenta um ladrão de bolsas chamado Giggler ("Risadinha", na tradução brasileira), interpretado por Kirk Taylor. Sabendo por uma experiência anterior que jamais conseguiria alcançar o meliante na corrida, pois ele é muito mais jovem e veloz, o herói prepara uma armadilha: sai à noite para comprar picolé levando uma câmera Nikon a tiracolo (!!!) e fingindo-se de bobo.
Giggler aproveita o deslize do velhote, rouba a câmera e sai correndo e rindo, como costuma fazer. E aí Kersey, julgando que o roubo de uma câmera fotográfica é suficiente para sentenciar o bandido com a pena de morte, simplesmente saca uma pistola para matar elefantes (!!!) e, sem sequer cogitar uma perseguição, dispara um tiro pelas costas do marginal, que abre um rombo do tamanho de uma bola de futebol no seu peito!
(Vale destacar que a pistola em si é a grande estrela de DESEJO DE MATAR 3 depois de Bronson: trata-se de uma Wildey calibre 475 Magnum, cujo disparo realmente pode matar elefantes! A arma leva o nome de seu criador, Wildey Moore, que até hoje garante que as vendas da pistola triplicam sempre que o filme é reprisado na TV!)
Se esta cena da execução do bandido com arma de matar elefantes já não fosse hilária por si só, de tão absurda e amoral (o pobre Giggler sequer usa um revólver ou mesmo canivete para ameaçar a integridade física do herói, ele apenas rouba sua câmera e sai correndo!), Kersey ainda se afasta deixando a câmera nas mãos do cadáver estatelado, porque o que ele queria era matar o ladrão e a isca usada já não tem mais qualquer importância.
Enquanto isso, os "cidadãos de bem" correm até a janela para aplaudir e vibrar pela execução covarde de Giggler. Uma velha dona-de-casa não se impressiona com o cadáver mutilado, mas sim comemora aos gritos: "É o marginal que roubou minha bolsa na semana passada! Está morto! Viva!!!". Já na cena seguinte, a reação dos punks à execução é ainda mais hilária. Cabisbaixos e revoltados, os vilões protestam: "Eles mataram o Giggler, cara! Eles não tinham esse direito!".
(A execução do "Risadinha" rendeu uma brincadeira muito criativa na internet: o curta "The Lonely Death of The Giggler", de Rodney Ascher, que você pode e DEVE ver clicando aqui)
Em seu livro "Bronson's Loose! - The Making of the 'Death Wish' Films", o pesquisador Paul Talbot explica o complicado processo de criação desta comédia involuntária chamada DESEJO DE MATAR 3. Em 1984, quando a Cannon anunciou a realização do terceiro filme, contratou o roteirista Don Jacoby ("Trovão Azul") para escrever a aventura. Mais conhecido pelo trabalho em filmes de ficção científica (escreveu "Projeto Filadélfia" e, depois, "Força Sinistra" e "Invasores de Marte" para a Cannon), Jacoby enganou os produtores apresentando basicamente uma refilmagem disfarçada de "Exterminador 2", outra aventura sobre justiça com as próprias mãos que Golan e Globus haviam produzido naquele mesmo ano. E ninguém percebeu!
Só que a história que transformava Kersey numa espécie de Rambo urbano contra uma gangue de punks não agradou ao astro Bronson, que ameaçou pular fora do projeto. Os produtores chamaram Gail Morgan Hickman para escrever um novo roteiro. Hickman era conhecido na época por ter emplacado seu roteiro de "Sem Medo da Morte" (1976), a terceira aventura de Dirty Harry, quanto tinha apenas 24 anos de idade. Ele escreveu três diferentes argumentos para DESEJO DE MATAR 3, cada um deles com sete a oito páginas, e apresentou as sugestões ao astro.
Mas eis que Bronson simplesmente resolveu voltar atrás e filmar o roteiro antigo de Jacoby sobre a guerra do vigilante contra os punks! Imagine, então, a qualidade dos novos argumentos escritos por Hickman. Aliás, nem precisa imaginar: basta assistir "Desejo de Matar 4", cujo roteiro é dele!
As filmagens aconteceram em Nova York e, em sua maioria, em Londres (!!!), onde saía mais barato. Com pouquíssimos diálogos e uma expressão de desgosto, está mais do que na cara que Bronson fez o filme de má vontade e sem nenhum empenho.
Para piorar, passava os dias reclamando da dificuldade para correr e do som dos tiros de festim das armas que disparava, que estaria machucando seus ouvidos. Coisas da idade: se no filme Bronson era um justiceiro incansável e indestrutível, na vida real não passava de um velhote ranzinza.
Por isso, chega a ser absurdo o fato de inventarem um interesse romântico para o personagem com idade suficiente para ser sua filha, e não sua namorada! A honra coube à bonitinha Deborah Raffin, que tinha 31 anos (metade da idade de Bronson!!!), e interpreta a defensora pública Kathryn Davis. A moça se apaixona pelo velhote da maneira mais improvável possível, e depois de duas rápidas conversas eles já estão na cama!
Como tudo que vem fácil vai fácil, Kathryn logo se transforma em vítima de Fraker e sua turma, pois, como se sabe, qualquer pessoa diretamente ligada a Paul Kersey acaba morrendo em pouquíssimo tempo, principalmente esposas e namoradas. (Tá, a personagem de Jill Ireland escapou viva no final de "Desejo de Matar 2", mas apenas porque acabou o romance com o vigilante. E ela morreu NA VIDA REAL!)
Tudo isso faz parte das muitas bobagens que o roteiro de Jacoby vai empilhando ao longo dos 92 minutos de DESEJO DE MATAR 3. Um outro momento fantástico acontece quando Bennett (o coroa interpretado por Martin Balsam, lembra?) aparece com duas metralhadoras de grosso calibre dos tempos da Guerra da Coréia. Acredite se quiser, mas o velhote simplesmente levou para casa duas metralhadoras e um montão de munição como lembrança da guerra, e ninguém deu pela falta das armas!!!
Finalmente, não posso deixar de citar a cena inacreditável que acontece depois que a vizinha latina de Kersey passa pela sessão coletiva de estupro tradicional da série (embora aqui menos explícita que de costume). Após a agressão, a moça é levada para o hospital. Kersey e o marido da vítima vão até lá e um médico explica, sem a menor sensibilidade, que a mulher morreu. "Mas como? Pelo telefone me disseram que ela tinha apenas um braço quebrado!", questiona o herói, e o médico responde: "O braço foi torcido com muita gravidade e coágulos de sangue chegaram ao seu coração". Mas não era mais fácil mostrar logo os bandidos matando a mulher do que inventar esta forçada reviravolta?
Talvez com vergonha de um roteiro tão cretino, o autor Jacoby pediu para esconder-se atrás do pseudônimo "Michael Edmonds". Segundo ele, foi porque o diretor Winner mudou tanto o seu roteiro na hora da filmagem que ele não reconhecia mais seu trabalho no resultado final do filme. Tá bom...
Consta que algumas cenas do roteiro original foram até suavizadas por Winner. O estupro acima citado, por exemplo, terminava violentamente: o roteiro pedia que Giggler quebrasse o braço da vítima on-screen, mas a cena sequer foi filmada. Outro momento mais forte que acabou sendo cortado acontecia quando Kersey estava na cadeia e testemunhava, segundo o roteiro de Jacoby, dois marginais estuprando um rapaz indefeso sobre um colchão imundo!
Só que os cortes não evitaram problemas para os produtores. Quando o filme foi enviado à famigerada Motion Picture Association of America (MPAA), o órgão norte-americano que regula a classificação etária dos lançamentos em cinema, os censores já estavam enfurecidos graças aos exageros perpetrados por Winner e cia. nas duas aventuras anteriores de Paul Kersey.
A MPAA queria classificar DESEJO DE MATAR 3 como "X" (mesma classificação dos filmes pornográficos, que significa proibido para menores de 18 anos), por causa do excesso de violência. Aí aconteceu um episódio divertido, narrado no livro "Bronson's Loose!": Winner foi discutir a questão com os censores, alegando que "Rambo 2 - A Missão", classificado com "R" (menores de 17 podem assistir acompanhados dos pais), tinha tantas mortes quanto no seu filme, ou mais. Para seu espanto, uma das diretoras da MPAA justificou que a maioria dos mortos em "Rambo 2" eram vietcongues, então não havia problema!
Além de Lauter e Balsam, dois outros atores conhecidos integram o elenco dessa presepada. A vítima do estupro desta vez é a inglesa Marina Sirtis, ironicamente interpretando uma personagem latina! Marina ficaria famosa a partir de 1987 como Deanna Troi no seriado "Jornada nas Estrelas: A Nova Geração", mas paga peitinho em DESEJO DE MATAR 3 e em quase todos os filmes que fez até então - entre eles, "A Perversa", do próprio Winner, e "Visão Fatal" (1984), do grego Nico Mastorakis.
O outro coadjuvante famoso é Alex Winter, aqui em seu segundo trabalho no cinema como o bandido Hermosa, que praticamente não tem falas. O rapaz também ficaria mais conhecido a partir de 1987, primeiro com "Os Garotos Perdidos", e depois fazendo dupla com um jovem Keanu Reeves como o Bill da série "Bill & Ted"!
Um dos poucos detalhes inspirados no roteiro de Don Jacoby é que fica claro, desde o início, que Paul Kersey abandonou seu trabalho de arquiteto para virar vigilante em tempo integral após "Desejo de Matar 2". Ele volta a Nova York armado como se fosse um xerifão do Velho Oeste, e Shriker informa o espectador de que o herói andou bastante ocupado depois dos acontecimentos mostrados na Parte 2, tendo matado marginais em outras cidades por onde passou.
Além disso, Kersey passa o filme inteiro encomendando armas poderosíssimas PELO CORREIO. Pistolas e até um lançador de foguetes anti-tanque (!!!) chegam confortavelmente e sem qualquer burocracia ou problema legal na caixa postal alugada pelo vigilante na agência de correio do bairro, sem que nunca se explique de onde elas vêm, de onde Kersey, um arquiteto que nem exerce a atividade, tira o dinheiro para pagar e, principalmente, COMO UMA BAZUCA PODE SER ENVIADA PELO CORREIO? Só podemos supor que o personagem conseguiu apoio "de cima" para continuar suas atividades como vigilante, mas o roteiro não se preocupa em elucidar nada neste sentido.
DESEJO DE MATAR 3 acabou sendo celebrado, desde a época do seu lançamento, como uma autêntica pérola trash, levando o público às gargalhadas nas salas de cinema. E foi ganhando um número de fãs cada vez maior com o passar dos anos. No livro "Bronson's Loose!", o diretor Winner disse que aprova o culto "tão ruim que é bom" que sua obra recebeu: "Eu acho um filme muito divertido, e muito melhor que o segundo".
Bronson, por outro lado, nunca gostou deste terceiro filme. Numa entrevista da época ao jornal Los Angeles Daily News, o astro disse taxou-o de "péssimo e ridículo, muito violento e sem necessidade de ser tão violento". Ele também brigou feio com Winner, acusando o diretor de ter filmado várias cenas sanguinolentas, que não existiam no roteiro, quando o ator não estava no set. Este episódio encerrou a longa parceria entre Bronson e Winner, que fizeram seis filmes juntos, mas nunca mais voltariam a trabalhar um com o outro - o que levou à substituição do cineasta inglês nas duas continuações seguintes da série.
E como lembra tanto um videogame pela sua estética "corra e atire", DESEJO DE MATAR 3 foi o único filme da série a virar, vejam só, um jogo de videogame! A empresa Gremlin Graphics transformou a violenta aventura de Kersey num jogo de 8-bits para os computadores ZX Spectrum e Commodore 64 (imagem abaixo).
"Você é Bronson em 'Death Wish 3'...", dizia a publicidade do game, e a dinâmica do jogo consistia em correr e atirar nos inimigos com uma variedade de armas.
Como não poderia deixar de ser, "Death Wish 3 - The Videogame" foi considerado um dos jogos mais sangrentos da época, pois o jogador podia matar civis inocentes (embora perdesse pontos sempre que fizesse isso, ao contrário dos jogos atuais tipo "GTA") e também usar a arma mais poderosa, o lançador de mísseis, para transformar os bandidos num montinho fumegante de pedacinhos vermelhos!
A verdade é que DESEJO DE MATAR 3 é aquele tipo de filme sobre o qual é inútil falar muito. A graça da coisa reside em assistir e reassistir o festival de bobagens, de violência explícita, de exageros e absurdos. De testemunhar um herói de 63 anos correndo e matando moleques, enquanto prédios e carros explodem ao seu redor.
DESEJO DE MATAR 3 é, em suma, a epítome do cinema divertido de tão ruim, e um tipo de filme que definitivamente não se faz mais. Nesses tempos de "Velozes e Furiosos" e "Os Mercenários" com sua câmera epilética, onde está a Cannon Films quando precisamos tanto dela para dar umas boas gargalhadas?
PS: Embora a trilha sonora deste terceiro filme seja creditada a Jimmy Page, o roqueiro inglês nunca compôs novas músicas. Tudo que os produtores fizeram foi reaproveitar e rearranjar algumas das canções compostas para a trilha de "Desejo de Matar 2", economizando assim uns belos trocados!
FICHA CRIMINAL: * Pessoas ligadas a Kersey agredidas: namorada (morta), amigo (morto), vizinha (estuprada e morta), vizinho (espancado) * Armas usadas pelo vigilante: pistola Wildey .475 Magnum, revólver Colt Cobra .38, metralhadora Browning M1919 .30, lançador de foguetes anti-tanque, armadilhas diversas * Contagem de cadáveres: 83!!! (Kersey 49 x 16 Marginais x 18 Shriker/Rodriguez/Polícia/Outros moradores)
Trailer de DESEJO DE MATAR 3
******************************************************* Death Wish 3 (1985, EUA) Direção: Michael Winner Elenco: Charles Bronson, Deborah Raffin, Ed Lauter, Martin Balsam, Gavan O'Herlihy, Kirk Taylor, Alex Winter, Ricco Ross, Marina Sirtis, Barbie Wilde e Sandy Grizzle.
- Desejo De Matar 5 (1994)
No ano 2000, Charles Bronson foi diagnosticado como portador do Mal de Alzheimer. Como se sabe, o sintoma principal desta doença é a perda de memória. Apesar de ter seu óbvio lado trágico, o Alzheimer também deve ter sido um alívio para o astro....
- Desejo De Matar 2 (1982)
Depois de estrear nos cinemas em 1974, "Desejo de Matar" demonstrou-se não apenas um filmaço e um sucesso de bilheteria, mas também um trabalho polêmico que provocou acaloradas discussões sobre vigilantismo e justiça pelas próprias mãos - inclusive...
- Desejo De Matar (1974)
Eu devo ser muito sortudo ou muito prevenido, mas em trinta e poucos anos de vida só fui assaltado uma única vez. E nem foi em São Paulo, onde vivo desde 2009, mas, acreditem ou não, na minha pacata cidadezinha natal de 25 mil habitantes lá no Rio...
- Exterminador 2 (1984)
"O Exterminador" (1980), de James Glickenhaus, foi um dos filmes que melhor aproveitou a figura do vigilante que mata criminosos de uma maneira tão brutal que acaba se tornando muito parecido com os vilões que combate. O resultado é quase um filme...
- O Exterminador (1980)
Não foram poucos os "filmes de vigilante" surgidos com o sucesso de "Desejo de Matar" em 1974. O clássico estrelado por Charles Bronson originou imitações e cópias xerox em praticamente todo o mundo, da Itália (onde Enzo G. Castellari dirigiu o...