FORÇA CRUEL (1982)
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FORÇA CRUEL (1982)



Visualize a cena: estamos no final dos anos 80, e você entra numa videolocadora em busca de um filme para ver numa noite de sábado, com seus pais, sua namorada ou sua esposa. As videolocadoras da época eram templos repletos de preciosidades, onde você podia encontrar lado a lado produções do Spielberg e do Bruno Mattei. Uma das capinhas chama a sua atenção. Curiosamente, nada no título ou na arte da capa dá qualquer pista sobre o que é aquele filme. Mas você arrisca e leva de qualquer forma. Chegando em casa, você coloca a fita de FORÇA CRUEL no seu velho videocassete de quatro cabeças, e se acomoda no sofá com quem quer que seja a sua companhia. E, pelos próximos 86 minutos, você vê um pouco das seguintes coisas:

- Uma ilha misteriosa onde são sepultados os maiores mestres de artes marciais do planeta.
- Uma quadrilha de traficantes de escravas brancas liderada por um alemão nazista, que tem bigodinho de Hitler.
- Uma seita de monges canibais.
- Um cruzeiro repleto de campeões de kung-fu e mulheres nuas.
- Uma briga num puteiro, bem no meio de um montão de figurantes peladas.
- Zumbis que levantam dos túmulos para lutar artes marciais.


Pode parecer esquisitice demais para um único filme de 86 minutos... Mas, acredite, FORÇA CRUEL tem tudo isso e ainda muito mais - até ataques de piranhas em pleno mar, embora o peixe seja de água doce! E é claro que se você locou a fita para ver com os pais, com a namorada ou com a esposa, provavelmente vai ter apanhado deles muito antes de subirem os créditos finais. Mesmo assim, como era divertido o mercado de vídeo brasileiro dos anos 80...

FORÇA CRUEL é uma co-produção classe Z entre Estados Unidos e Filipinas. O cinema de ação bagaceiro filipino é uma das coisas mais exóticas (para não dizer sem pé nem cabeça) da face da Terra - que o diga quem já viu produções tipo "Lady Terminator" (em breve aqui no blog).

Este aqui obviamente não foge à regra, e ainda tenta bater o recorde filipino de cenas de pancadaria e quantidade de mulher pelada por minuto de projeção. Se você é daqueles que curte filmes mais, digamos, "normais", é melhor parar de ler por aqui. Afinal, estamos diante de mais um FILME PARA DOIDOS com louvor.


Escrito e dirigido por um débil mental chamado Edward D. Murphy (que me lembra um outro "Edward D.", cujo sobrenome era Wood...), FORÇA CRUEL conta a história da tal "Warriors Island", onde estão as sepulturas dos grandes guerreiros de artes marciais de todas as eras - e o motivo que leva essa gente a ser enterrada numa ilha remota é algo que foge à compreensão.

Além do montão de cadáveres, a ilha também tem habitantes humanos, ou quase: a tal seita de monges com hábitos alimentares bem diferentes, que costuma trocar pedras de jade por mulheres para a sua dieta alimentar (!!!). O "cardápio" é fornecido pela quadrilha do tal alemão nazista, o dr. Speer (Ralph Lombardi).

Enquanto os monges canibais fazem churrasquinho de mulheres nuas e os traficantes de escravas brancas pesam o jade que faturaram na última "entrega", um cruzeiro de luxo parte com destino às várias ilhas exóticas do sudeste da Ásia.


No navio estão garotas assanhadas que vivem tirando a roupa (entre elas Camille Keaton, a protagonista do clássico exploitation "A Vingança de Jennifer", numa participação rapidíssima - e pelada, claro!); uma gata (Jillian Kesner) que, acredite se quiser, é integrante da SWAT (!!!), e três campeões de kung-fu norte-americanos, Taylor, Schwartz e O'Malley (interpretados por Geoffrey Binney, John Dresden e John Locke).

Ah, e o capitão do navio é o Cameron Mitchell, completamente mamado em toda e qualquer cena que aparece (numa delas, chega a perder toscamente seu quepe de capitão, mas nem dá bola e continua "interpretando").

Quando o dr. Speer descobre que o cruzeiro está para visitar a "sua" Warriors Island, começa a temer que o pessoal descubra o que anda acontecendo por lá, e aí ele vai perder o grande negócio de trocar vagabas por jade.


A solução encontrada é enviar seus homens, um mais incompetente que o outro, para tentar aniquilar os passageiros, primeiro num puteiro, depois a bordo do próprio navio, quando rolam cenas toscamente coreografadas de artes marciais (assinadas pelo norte-americano Mike Stone, que trabalhou em filmes como "American Ninja" e "Ninja - A Máquina Assassina"). Em meio à pancadaria no convés, alguém acaba incendiando o barco, obrigando os sobreviventes a saltar para um bote salva-vidas e enfrentar as águas infestadas de tubarões.

E aí acontece justamente o que os bandidões tentavam evitar: nosso heróis chegam a Warriors Island. Eles são recepcionados novamente pelos homens de Speer, armados com bazucas e metralhadoras, mas estes voltam a perder a luta (pela terceira vez!), obrigando os monges canibais (ainda lembra deles?) a despertar os mestres das artes marciais das suas sepulturas para lidar com os intrusos.


Você não leu errado: no terceiro ato, os protagonistas enfrentam zumbis que lutam karatê!!! Pena que o rigor mortis comprometeu as habilidades dos tais "grandes mestres", e eles também apanham facilmente de todos os heróis - principalmente do cozinheiro do navio, o tradicional chinês bom de luta, interpretado por Rey King.

FORÇA CRUEL é o tipo de zorra total que só podia ser produzida nas Filipinas, onde o que vale é filmar porrada e nudez feminina, e o roteiro que se dane. A mistura de elementos tão diferentes quanto traficantes de escravas brancas, monges canibais, campeões de kung-fu e zumbis lutando artes marciais lembra outros "sambas do crioulo doido", como o clássico ítalo-brasileiro "Perdidos no Vale dos Dinossauros". Mas o filme de Murphy não é nem de longe tão divertido.


Momentos escandalosamente trash (como o vilão malvado que usa capacete com uma suástica, mas, ao tirar as calças para estuprar uma moça, revela ter uma cueca cheia de coraçõezinhos) e diálogos de rolar de rir (como o "Holy smokes! Who the heck is he?", dito por um sujeito ao ver um zumbi) ficam perdidos em meio a uma narrativa frouxa, com cenas de lutas mal-feitas ou muito escuras, que sempre descambam para atos de violência representados através de efeitos muito pobres (a exceção é a decapitação de um dos zumbis, com direito a sangue jorrando de mangueirinha e tudo mais).


Talvez o grande problema seja o diretor jamais decidir se faz um filme sério e involuntariamente trash ou uma bobagem de mau gosto assumido. Enquanto alguns dos heróis estão realmente levando a coisa a sério (menos Cameron Mitchell, que estava bêbado demais para sequer saber o que estava filmando), os intérpretes dos monges canibais e o sujeito que faz o dr. Speer obviamente representam como se estivessem numa comédia ou numa produção da Troma, e isso tira boa parte da graça da coisa - afinal, o "involuntariamente ruim" sempre é mais divertido que a coisa mal-feita de propósito!

Mas se há uma qualidade em FORÇA CRUEL, é o fato de que o espectador sempre acaba surpreendido de algum jeito. Quando você acha que o pior já aconteceu, eis que uma nova bobagem ainda pior aparece na tela, como os mortos-vivos interpretados por atores com o rosto pintado de tinta verde ou cinza (e que nem ao menos tentam "interpretar" zumbis), ou o tal ataque de piranhas em alto mar, encenado com a ajuda de takes obviamente retirados de algum documentário.


E nada pode preparar o espectador para cenas como a dos monges preparando uma garota para virar churrasquinho, sem esquecer nem mesmo de espalhar tempero pelo corpo da moça!!! (Sim, eles são monges, são canibais e vivem numa ilha deserta, mas isso não os impede de ter um paladar refinado, ora!)

Se tudo isso não basta para dar uma idéia do nível trash da coisa, vale destacar que o filme talvez tenha a maior coleção de mulheres feias (e nuas) da história do cinema, concorrendo de igual para igual com aqueles horrorosos pornôs dirigidos pelo José Mojica Marins, tipo "24 Horas de Sexo Explícito". E tudo é desculpa para tirar a roupa da mulherada: inclusive aquelas que são despidas "à força" pelos malfeitores nem parecem se importar muito com o fato de ficarem peladinhas.


Para completar, os heróis enfrentam todas as adversidades sem jamais se espantar, sejam os traficantes de escravas, sejam os monjes canibais (!!!), sejam os apodrecidos mortos-vivos lutadores de artes marciais (!!!!!). Eles nem ao menos parecem surpresos ou assustados, sentando porrada em qualquer inimigo que apareça pela frente, como se topar com zumbis karatekas fosse fichinha ou algo do dia-a-dia! Por isso, o melhor é desligar o cérebro e "divertir-se", se é que isso é possível. A propósito, o filme inteirinho está disponível no YouTube, para os corajosos que quiserem conferir.

Agora imagine-se de volta ao sofá da sua sala lá atrás, nos anos 80. O filme está quase acabando e você já apanhou dos seus pais, da sua namorada ou da sua esposa, que jamais te deixarão encarregado de escolher o filme para o sábado à noite outra vez. E é então que FORÇA CRUEL dá o golpe de misericórdia: na última cena, antes que subam os créditos finais, um dos heróis dá uma piscadinha para a câmera (ou seja, diretamente para você, nobre espectador), e entra um letreiro enorme dizendo: "TO BE CONTINUED..."!!!


Dá para acreditar? Quem em sã consciência iria encarar mais uma sessão de monges canibais, zumbis lutadores de kung-fu e traficantes de escravas brancas? Menos mal que até hoje, 27 anos depois, ninguém se animou a voltar para a Warriors Island e continuar a "aventura". Por via das dúvidas, é melhor não provocar...

PS: Não é nenhuma surpresa saber que o diretor Edward D. Murphy só fez mais um filme depois desse, "Vietnam - Sangue e Vingança" (1985), que eu infelizmente não tive o "prazer" de ver. Ultimamente, ele anda muito ocupado com sua carreira de ator. Entre 1991 e 2000, por exemplo, Murphy emprestou sua fuça para nada menos de 12 personagens diferentes em episódios do seriado "Law & Order"!

Review de FORÇA CRUEL (em inglês)


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Raw Force/ Kung-Fu Cannibals
(1982, EUA/Filipinas)

Direção: Edward D. Murphy
Elenco: Cameron Mitchell, Geoffrey Binney,
Hope Holiday, Jillian Kesner, John Dresden,
John Locke e Camille Keaton.



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