Na aurora desse nosso século 21, alguns cineastas miraram suas câmeras e dedos acusadores para uma instituição norte-americana por excelência: o hambúrguer. Os riscos do consumo de fast food para a saúde e suas implicações sociais e sanitárias (como o uso de mão-de-obra barata e a falta de higiene na manipulação dos alimentos) foram dissecados em filmes como "Super Size Me" (2004), de Morgan Spurlock, e "Nação Fast Food" (2006), de Richard Linklater.
Ironicamente, na inconsequente década de 80, a indústria da fast food não era acusada e nem analisada criticamente; pelo contrário, era motivo de escárnio em comédias debilóides como "O Segredo Está no Molho" e este inacreditável HAMBURGER - O FILME - uma comédia tão escrota que faz os filmes atuais do Adam Sandler e do Rob Schneider parecerem algo escrito pela Jane Austen!
HAMBURGER - O FILME se encaixa dentro de um subgênero bem popular nos anos 1980: os "filmes de escolinha", em que um grupo de alunos desajustados ingressava em algum curso temático e enfrentava situações absurdas envolvendo sexo, drogas e alguma autoridade que eles combatiam e ridicularizavam.
Tivemos "filmes de escolinha" sobre academias de polícia (a franquia "Loucademia de Polícia" e sua cópia genérica, "Esquadrão de Recrutas"), sobre escolas militares ("Rebeldes da Academia", "Loucademia de Combate"), sobre auto-escolas ("Trânsito Muito Louco", "Loucademia de Trânsito"), e tudo mais que pudesse gerar piadas imbecis: "Loucademia de Bombeiros", "Loucademia de Ninjas" (!!!), "Loucademia de Esqui" e, a cereja do bolo, "Loucademia Funerária"!!!
Era questão de tempo para que algum cabeça-de-bagre pensasse em tirar sarro das cadeias de fast food adotando o formato "loucademia", e assim surgiu HAMBURGER - O FILME e sua inacreditável "Universidade Buster Burger", onde os alunos são iniciados nos segredos da produção e comercialização de hambúrgueres!
O filme começa com uma sequência de créditos muito divertida, que sintetiza a paixão nacional dos ianques por fast food de maneira apaixonada e sem a crítica ácida dos tempos atuais (chegando ao ponto de mostrar uma mãe alimentando seu bebê de colo com um sanduíche!), ao som de uma música grudenta que celebra o consumo desse tipo de alimento. O refrão diz: "Sliced tomatoes, cheese and bacon / Soda pop, and shakes a shakin' / And while you're listening and lookin' / It makes them proud, that they're a-cookin' / Hamburgers, for America!".
Logo em seguida, sem perda de tempo, HAMBURGER - O FILME nos transporta diretamente para o terreno da comédia grosseira e sexista típica da década de 80: somos apresentados ao nosso protagonista, Russell, enquanto ele está transando com uma gatinha no chuveiro da sua faculdade.
Pego no flagra, é enviado direto à psiquiatra da escola (a deliciosa Karen Mayo-Chandler, já falecida), que lembra o fato de o rapaz ter sido expulso de quatro universidades porque prefere transar com as colegas do que frequentar as aulas. Russell é diagnosticado como viciado em sexo, e, surpreendentemente, a própria psiquiatra tenta seduzi-lo, até que o reitor chega, pega o rapaz novamente no flagra e o expulsa da sua quinta faculdade!
Um rápido parêntese: Russell, um jovem universitário, é interpretado por Leigh McCloskey, que muitos devem lembrar como o protagonista de "Mansão do Inferno" (1980), de Dario Argento. Em 1986, quando HAMBURGER - O FILME foi feito, McCloskey já tinha 31 anos (!!!), e não convence nem minha vó míope como "jovem universitário"!
De todo jeito, nosso herói é estrangulado pelo pai após a quinta expulsão, pois está para ganhar uma polpuda herança, só que o dinheiro será liberado apenas se ele tiver um diploma de ensino superior. Como seus pais não têm mais dinheiro para mandá-lo a uma sexta faculdade, Russell vê uma única saída: ingressar na tal Universidade Buster Burger, administrada por uma famosa cadeia de fast food, e que oferece um curso superior gratuito para a formação de gerentes de lanchonetes!
É óbvio que os seus colegas de turma na "universidade" são aqueles escrachados estereótipos típicos dos filmes estilo "loucademia": tem uma freira, um gordão que controla seu apetite através de violentos choques elétricos, um nerd apaixonado por fast food, uma guerrilheira latina, um sósia de Michael Jackson e um outro viciado em sexo, Fred (Sandy Hackett), que, obviamente, acaba se tornando colega de quarto de Russell.
A universidade é radicalmente contra drogas, sexo e o consumo de outros alimentos que não a fast food servida pela cadeia Buster Burger, e quem garante a disciplina é o Sargento Drootin (Dick Butkus, o cara que batia em Jerry Lewis sempre que ele acendia um cigarro em "Cracking Up - As Loucuras de Jerry Lewis"). Vestido como militar e sempre levando uma espátula na mão, Drootin é a versão "fast food" do Capitão Harris, da série "Loucademia de Polícia".
As confusões começam quando Russell se apaixona por Mia, a filha do proprietário da cadeia de lanchonetes (interpretada pela gracinha Debra Blee, de "Ruas Selvagens"); já seu colega de quarto Fred começa a ter uma relação assanhada com a própria esposa do dono do lugar, a voluptuosa e ninfomaníaca Sra. Vunk (Randi Brooks).
OK, antes de mais nada, vou ser sincero: caso não tenha dado para perceber até agora, HAMBURGER - O FILME é uma comédia pavorosamente ridícula sobre fast food e que, para piorar, vem embalada nesse ridículo formato de "escolinha" - os alunos da Universidade Buster Burger têm aulas de "oniologia" (às lágrimas por causa da cebola), sobre cortes de carne, "medicina" do picles (uma cena tão estúpida que fiquei com medo de ter um derrame), e por aí vai.
E o motivo pelo qual essa tralha é um autêntico "Filme Para Doidos" é justamente a sua ruindade: HAMBURGER - O FILME é tão estúpido e tão grosseiro que se torna realmente divertido. Você provavelmente vai sentir a maior vergonha alheia se assisti-lo sozinho em casa num sábado à noite; mas tente colocar o filme para rodar quando tiver um grupo de amigos bêbados em casa, e prepare-se para gargalhar alto até o estômago doer.
Se as piadinhas prontas raramente são engraçadas, é possível cavocar algumas pérolas como a da velhinha que tem um ataque cardíaco no drive-thru da lanchonete. Apavorada, uma das meninas do caixa procura o gerente avisando sobre a mulher morta no estacionamento, e o rapaz apenas comenta despreocupadamente: "Bem, então cancele o pedido dela".
A Universidade Buster Burger também é um caso tão grotesco de vergonha alheia que rende algumas boas gargalhadas: os alunos precisam usar uniforme vermelho e boné com chifrinhos imitando boi (a freira, claro, usará um hábito vermelho!), e dormem em quartos decorados com motivos de fast food, inclusive as camas são gigantescos hambúrgueres!
O lugar ainda tem uma igreja com uma variação bem particular da pintura da Santa Ceia, onde o coro canta "Burgerluia" ao invés de "Aleluia", e o padre (o próprio dono da cadeia de lanchonetes) usa uma bíblia própria para dar sermões sobre a "sagrada fast food". Aí não tem erro: ou você bate a cabeça na parede, por vergonha de estar vendo uma coisa tão imbecil, ou abre mais uma cervejinha e rola de rir justamente com a imbecilidade do negócio.
Mas o mais engraçado de HAMBURGER - O FILME é justamente o excesso de mau gosto, com algumas piadas pesadas que podem até chocar espectadores mais sensíveis - se brincadeiras com sexo e escatologia não são a sua praia, FIQUE LONGE DESSE FILME!
Um dos momentos mais grosseiros e sem-noção (e nada engraçado, a não ser que você esteja REALMENTE alcoolizado) é quando um grupo de gordões invade a lanchonete onde os alunos estão estagiando. Eles fazem pedidos estrambólicos, como 50 hambúrgueres, e ainda roubam a comida dos outros clientes, tudo enquanto grunhem como porcos! Para liberar a lanchonete dos glutões, os alunos têm a fantástica ideia de misturar laxante industrial nos milk-shakes (!!!), fazendo os sujeitos saírem correndo da lanchonete em busca de um banheiro livre (tudo ao som daquela sonoplastia tenebrosa de "peidos molhados" e nojentos ruídos estomacais).
Algumas piadas sobre sexo também pegam pesado nesse mesmo (baixo) nível. Além de mulheres peladas desfilando com frequência pelo filme, há um momento espantoso em que Russell e Fred estão num "double data" às escondidas com Mia e Sra. Vunk, num restaurante de comida chinesa. Quando o Sargento Drootin aparece de repente, os rapazes precisam se esconder embaixo da mesa.
É quando Fred descobre que a Sra. Vunk não usa calcinha, e, sem a menor cerimônia, se atira no meio das pernas da moça para uma ruidosa sessão de sexo oral. Enquanto "acima" da mesa a mulher se contorce num ruidoso orgasmo, embaixo Fred comenta com Russell: "Ah, como eu adoro comer fora!". E tem gente que acha "American Pie" grosseiro e ofensivo...
O culpado por HAMBURGER - O FILME é o roteirista Donald Ross, também co-produtor. Este é o único crédito cinematográfico do sujeito, que, vejam só, especializou-se em escrever roteiros para inocentes seriados de TV como "Arnold", "Casal 20" e "Super Vicky"! Pelo jeito, Ross foi guardando dentro de si toda essa grosseria que liberou sem censura na sua única comédia sexista adolescente!
Já o diretor é Mike Marvin, também em sua estréia no cinema. Ele dirige o filme com mão pesada (há sérios problemas de ritmo), e às vezes as cenas são mais caóticas e bagunçadas do que propriamente engraçadas. Mas se o intuito era ser grosseirão, pode-se dizer que ele cumpriu o objetivo com louvor. Logo em seguida, Marvin dirigiu um clássico das videolocadoras brasileiras: "The Wraith - A Aparição", com Charlie Sheen.
É curioso constatar que um negócio obscuro como HAMBURGER - O FILME tem uma legião de fãs apaixonados, não só nos Estados Unidos (onde essa paixão faz mais sentido), mas também aqui no Brasil.
Particularmente, já vi o filme umas três vezes e o considero um "guilty pleasure": como já deixei bem claro, uma comédia pavorosamente ruim e mal-dirigida, que os próprios atores devem morrer de vergonha de ter feito, mas divertida justamente pelos seus excessos e por não ter medo de pegar pesado quando precisa. E as mulheres são todas lindas e frequentemente peladas (menos Debra Blee, que só mostrou os peitinhos em outros filmes, mas aqui está comportada).
Recentemente, o filme foi de certa forma homenageado pelo decadente Kevin Smith em "O Balconista 2": os personagens principais trabalham numa lanchonete com figurino bem parecido (inclusive o bonézinho com chifres imitando boi), que também vira cenário de inúmeras piadas grosseiras e escatológicas. Mas "O Balconista 2" não é nem de longe tão divertido quanto HAMBURGER - O FILME: pelo contrário, é apenas ruim e de mau gosto mesmo.
Portanto, se você tem saudade daquelas comédias estúpidas e sem-noção dos anos 80, e, como eu, acha que hoje os caras desaprenderam a fazer filmes assim, corra atrás dessa pérola esquecida, que espantosamente só está disponível em VHS, tanto aqui no Brasil quanto lá fora (nunca foi relançado em DVD ou blu-ray, apesar dos fãs apaixonados que tem nos EUA).
E, como nota de rodapé, vale destacar que o diretor Mike Marvin também atuou, anos antes, numa outra comédia adolescente sexista e grosseira chamada... "Hot Dog - The Movie", dirigida por Peter Markle!!!
Ou seja: se ele não tivesse sumido do mapa, provavelmente já teria dirigido ou produzido todo o cardápio de uma lanchonete - talvez seus próximos projetos fossem "French Fries - The Motion Picture", "Onion Rings - The Movie" e uma continuação de HAMBURGER chamada "Cheeseburger - The Sequel"!
Trailer de HAMBURGER - O FILME
******************************************************* Hamburger - The Motion Picture (1986, EUA) Direção: Mike Marvin Elenco: Leigh McCloskey, Debra Blee, Dick Butkus, Randi Brooks, Charles Tyner, Sandy Hackett, Barbara Whinnery, Maria Richwine, Karen Mayo-Chandler e Chuck McCann.
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