MACUMBA SEXUAL (1981)
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MACUMBA SEXUAL (1981)



Uma maneira bem simples de definir MACUMBA SEXUAL seria compará-lo ao clássico "Vampyros Lesbos" (1970), com a transsexual Ajita Wilson no lugar da musa Soledad Miranda, e feitiçaria no lugar do vampirismo. Mas, por mais correta que seja, esta definição não faz justiça ao filme - um dos trabalhos mais enigmáticos dirigidos por Jess Franco nos anos 1980, e infelizmente prejudicado pela insistência de travar a narrativa a cada cinco minutos para mostrar cenas de sexo no limite do explícito.

MACUMBA SEXUAL foi filmado nas Ilhas Canárias (Espanha), um dos cenários preferidos do diretor na época, pois a geografia local lhe permitia imitar diversas partes do mundo sem a necessidade de gastar dinheiro indo até elas, do Deserto do Saara (em "Oásis dos Zumbis") a Hong-Kong (em "La Sombra del Judoka Contra el Doctor Wong").

Trata-se de mais uma produção da Golden Films, aquela pequena empresa espanhola que deu a Jess liberdade total para filmar o que quisesse, desde que custasse bem pouco - neste filme em específico, há apenas cinco atores e outras três pessoas na equipe técnica além do próprio Franco!


Franco e uma pequena equipe foram para as Ilhas Canárias em 1981 rodar dois filmes back-to-back, reaproveitando inclusive alguns dos mesmos atores. MACUMBA SEXUAL foi filmado antes (embora tenha sido lançado apenas em 1983, segundo o nem sempre confiável IMDB), e logo depois o diretor fez "La Mansión de los Muertos Vivientes".

Estes dois trabalhos são bem parecidos, e não apenas por causa da locação e dos atores repetidos: ambos jogam elementos de horror (mortos-vivos lá, vodu aqui) numa narrativa típica de filme pornográfico, em que tudo o que acontece é apenas para justificar a próxima trepada, ou a próxima cena em que alguém aparece pelado.


Se em "Vampyros Lesbos" a loiraça Ewa Strömberg estava sendo assombrada por pesadelos recorrentes estrelando a Condessa Nadine Carody (uma vampira interpretada por Soledad Miranda), aqui é a corretora de imóveis Alice Brooks que está sendo visitada, nos seus pesadelos, por uma misteriosa feiticeira vodu (Ajita Wilson) que aparece sempre em meio às dunas, levando dois "escravos" andando de quatro e com coleiras no pescoço, como se fossem feras selvagens. Às vezes, nesses sonhos, Alice também vê esta mulher desfalecida na areia, com um misterioso ídolo (que lembra um pato mumificado, mas com uma vistosa ereção!) cobrindo sua genitália.


A "heroína" é interpretada pela musa e esposa do diretor Lina Romay, aqui "disfarçada" com sua tradicional peruca chanel loira e usando o pseudônimo "Candy Coster". Ela está de férias em Bahía Feliz, uma das ilhas das Canárias, com o marido novelista Peter (Antonio Mayans, creditado como "Robert Foster", as usual). Ele está preparando seu novo livro e precisa de paz e tranquilidade, embora invista mais tempo transando com a esposa tarada do que escrevendo!

Mas o clima romântico é interrompido pelo telefonema do patrão de Alice, que pede que ela vá discutir os detalhes da venda de uma propriedade em Atlantic City com uma cliente em potencial, a Princesa Tara Obongo, que vive reclusa numa ilha próxima. Com a promessa de uma grande comissão caso feche o negócio, a garota se manda no primeiro barco rumo à casa da compradora.


A exemplo do que aconteceu com Ewa Strömberg em "Vampyros Lesbos", Alice logo descobrirá que sua futura cliente é justamente a mulher que estão aparecendo nos seus sonhos/pesadelos recorrentes! Pior: a Princesa Obongo é uma sacerdotisa vodu que atrai suas vítimas até a ilha e as domina, transformando-as em escravas sexuais.

Depois de ser seduzida pela mulher e participar de um autêntico gang-bang com a princesa e seus dois escravos de coleira, a jovem acorda no dia seguinte e encontra sua anfitriã "morta", deitada na areia com aquele misterioso ídolo entre as pernas, como acontecia nos seus pesadelos. Apavorada, Alice foge e volta para perto do marido, mas já é tarde demais: Peter também está sob o poder hipnótico da princesa!


E o que a macumba tem a ver com a história, afinal?

Bom, para começo de conversa, os rituais filmados por Franco em MACUMBA SEXUAL têm pouco ou nada a ver com macumba, e lembram muito mais o vodu (que o diretor já havia enfocado no fraquinho "Voodoo Passion", de 1977). A Princesa Obongo vive rodeada de ídolos africanos que, segundo Jess, foram comprados de imigrantes senegaleses que viviam nas Ilhas Canárias.

O título inicial do filme era apenas "Macumba", mas o "Sexual" foi adicionado pelo distribuidor posteriormente para "agregar valor" à produção, mais ou menos como aconteceu com muitos filmes brasileiros realizados entre as décadas de 70 e 80 (que ganhavam títulos "pornográficos" para atrair mais espectadores).


É possível que a referência à macumba seja apenas uma citação a um filme de 1960 chamado "Macumba Love" (exibido nos cinemas brasileiros como "Mistério na Ilha de Vênus"), uma co-produção classe B entre EUA e Brasil, que foi dirigida por Douglas Fowley aqui no país! As histórias dos dois filmes inclusive têm semelhanças: em "Macumba Love" também há uma sacerdotisa vodu aprontando altas confusões com um casal em lua-de-mel.

O próprio Franco se atrapalha ao tentar explicar o que é macumba numa entrevista que faz parte dos extras do DVD importado do filme, confirmando que não entendia bulhufas da coisa e deve ter se inspirado no infame "Macumba Love", criando bizarros rituais saídos da sua cachola, como o curioso momento envolvendo um ídolo de marfim que é desenterrado do meio do deserto (e o formato fálico do negócio já dá uma bela ideia de para quê exatamente ele será utilizado mais tarde...).


A exemplo de "La Mansión de los Muertos Vivientes", e de outros filmes que o diretor começou a fazer ainda nos anos 1970, MACUMBA SEXUAL tem 15 minutos de história e 60 de sexo e safadeza.

Lina Romay, como de costume, aparece pelada frente e verso quase que o filme inteiro, e é até estranho vê-la VESTIDA em algumas poucas cenas. A cada 10 minutos, Franco dá um jeito de encaixar uma cena de sexo ou pelo menos de exibição gratuita das formas da sua estrelinha - que, quando não está transando com o marido, está sendo abusada pela Princesa Obongo e seus escravos.


Parece ser uma vingança do diretor contra a censura espanhola, que o manteve afastado do seu país-natal por quase 20 anos. Com a morte do General Francisco Franco e o fim da ditadura (em 1975), o cinema produzido no país pôde escancarar tudo aquilo que antes era proibido, e Jess levou isso ao pé da letra.

Inclusive falta muito pouco para MACUMBA SEXUAL entrar no território do pornô explícito, e algumas cenas rápidas ficam no limite do X-Rated - como quando Ajita Wilson enfia um dedo em certo orifício corporal de Lina Romay, ou quando o tal ídolo de marfim com formato fálico é parcialmente enfiado na vagina da própria Ajita!


O problema é que, passado o impacto inicial de vermos Lina Romay sempre pelada e transando avidamente com homens e mulheres (pense em alguém que gosta do que faz), MACUMBA SEXUAL começa a se tornar repetitivo. E como a história tinha bastante potencial, o espectador só pode lamentar que a narrativa não avance apenas porque Franco precisa cortar para mais uma cena de putaria ou de mulher pelada.

Parece até um disco de vinil riscado que fica tocando sempre a mesma música: talvez existam faixas bem melhores depois, mas você não tem acesso a elas e precisa ficar preso naquele repeteco. Da mesma forma, há ideias bem legais no filme que o diretor não se preocupa em desenvolver, preferindo ficar na zona de conforto da sacanagem seguida de mais sacanagem.


É uma pena, porque o filme ficaria bem melhor se investisse mais nos elementos de horror. Em alguns momentos, quando quer, Franco até consegue criar um clima genuinamente arrepiante.

Tal qual uma Freddy Krueger dos pobres (mas criada três anos ANTES que o personagem de Wes Craven), a Princesa Obongo fica assombrando Alice nos momentos mais inesperados, de maneira que o próprio espectador começa a ficar perdido entre pesadelo e realidade: numa hora ela está transando com o marido, e no minuto seguinte Peter é substituído pela "macumbeira"; numa hora Alice está se masturbando, e no minuto seguinte a princesa aparece magicamente tocando as partes da garota, e por aí vai. Ou seja, a personagem de Ajita Wilson é uma daquelas ameaças onipresentes e onipotentes, o que me lembrou filmes bem melhores sobre feitiçaria, como o assustador "Adoradores do Diabo" (1987), de John Schlesinger.


Além disso, os estranhos rituais realizados pela sacerdotisa - como quando ela usa o tal ídolo com formato fálico no bizarro "ritual de iniciação" de Alice - passam aquela sensação de que não há para onde fugir, e de que o casal de protagonistas não tem saída contra a poderosa magia da feiticeira. Como o já citado Freddy, ela está sempre no controle daquele mundo de delírios e pesadelos, onde os pobres mortais não têm vez.

E tem também aquela esquisitíssima criatura em forma de pato mumificado, que fica no limite entre o tosco e o inquietante. Suas repetidas aparições durante o filme ajudam a criar um clima de horror bem particular, uma coisa bem de pesadelo filmado. Só que ai começa a fodelança e...


Na resenha de "La Mansión de los Muertos Vivientes", eu comentei que Jess pode ter sido bastante influenciado por "O Iluminado" ao rodar estes dois filmes de horror ao mesmo tempo, já que lá havia um hotel isolado e abandonado assombrado por possíveis fantasmas, tipo um Overlook Hotel dos pobres.

Pois aqui em MACUMBA SEXUAL há uma cena que ajuda a confirmar a inspiração, quando o personagem de Mayans, sob efeito da magia da princesa, datilografa uma página inteira com seu nome, "Tara" - mais ou menos como o antológico "Só trabalho sem diversão faz de Jack um bobão", de "O Iluminado".


MACUMBA SEXUAL termina com aquele final circular que os italianos adoravam fazer, em que a falsa ilusão de segurança logo dá lugar ao reinício do pesadelo. E funciona. Por isso eu insisto que Franco poderia ter feito um belíssimo filme de horror, se não estivesse tão preocupado em fechar a cota de putaria e mulher pelada.

Aí acontece o seguinte: as partes sérias e sinistras ficam separadas não apenas por longas cenas de sexo, mas também por várias bobagens que transformam a coisa toda em comédia involuntária. Tipo as roupas curtíssimas que Alice sempre veste (abaixo), incluindo shortinhos atolados na bunda ou que mal cobrem as suas "carnes"; ou o momento em que a "heroína" atravessa um enorme deserto a pé, correndo, sem água e PELADA; ou, ainda, a peruca de Lina Romay se soltando e caindo numa cena em que ela está "montada" em Antonio Mayans (e Franco nem se preocupou em cortar, já que foi ele quem editou o filme!).


E embora a Princesa Obongo perca de goleada para a Condessa Carody de Soledad Miranda em "Vampyros Lesbos", a exótica Ajita Wilson tem uma presença realmente hipnótica, e por isso é uma pena que tenha feito tão poucos filmes do gênero - na entrevista nos extras do DVD, Jess chega a compará-la a Christopher Lee!

A molecada de hoje não vai lembrar, mas Ajita provocou muita polêmica (e ganhou muitas manchetes) entre o final dos anos 70 e metade da década de 80. Nascida "George Wilson", ela começou sua carreira artística como travesti, mas logo fez uma operação de mudança de sexo e tornou-se uma desejada musa transsexual.


Numa época em que mudança de sexo ainda era tabu (lembram que, por aqui, Roberta Close também vivia nas manchetes pelo mesmo motivo?), Ajita aproveitou os holofotes e estendeu seus 15 minutos de fama, exibindo o "novo" corpo em uma série de filmes com sexo softcore (principalmente WIPs, aquelas histórias de mulheres na cadeia) e até alguns pornôs. Foi um sucesso: muita gente até hoje duvida que aquela negra de corpo escultural nasceu homem!

Ela já tinha sido dirigida por Franco no filme de mulheres na prisão "Sadomania" (1980), em que interpretou a sádica diretora de um campo de prisioneiras, e também contracenou com Lina Romay antes no pornô "Apocalipsis Sexual" (1981), de Carlos Aured e Sergio Bergonzelli.

Mas a Princesa Obongo é o grande papel da sua carreira, com direito a um diálogo que parece referir-se à própria Ajita Wilson: "Eu sou tudo que é proibido, uma mulher negra de sexualidade indefinida, devassa e irresistível!". Infelizmente, Ajita morreu prematuramente, de complicações resultantes de um acidente de trânsito que sofreu em 1987.


Para os conhecedores da filmografia do velho Jess, MACUMBA SEXUAL também tem duas curiosas piadas internas. A primeira é a participação do próprio diretor, repetindo o papel que fez em "Vampyros Lesbos" (o funcionário esquisitão de um hotel).

Lá em 1970, o personagem se chamava Memeth; aqui, é Memé! Só que agora ele não é um assassino de mulheres, como em "Vampyros Lesbos", mas "apenas" um voyeur, que fica espionando Alice pelada em seu quarto (o que acontece com bastante frequência, diga-se; e, como é comum nos filmes do diretor, a moça nem se preocupa em cobrir a nudez ao perceber que está sendo observada por um completo desconhecido!).


A outra brincadeira é o pseudônimo usado nos créditos iniciais pela atriz Genoveva Ojeda, que "interpreta" uma das "cachorras" da Princesa Obongo: LORNA GREEN - que, para quem não lembra, era o nome da personagem de Janine Reynaud em "Necronomicon" (1967). Desde então, várias "Lornas Green" apareceram em filmes do diretor, seja como nomes de personagens, seja como pseudônimos de atrizes.


Apesar dos pesares, MACUMBA SEXUAL é um dos filmes mais bem filmados dessa fase picaretona do diretor, com belíssimo aproveitamento dos cenários naturais (as dunas das Ilhas Canárias realmente lembram um grande deserto, e lá pelas tantas aparece um barco que parece saído de uma velha aventura de piratas) e também da curiosa arquitetura da região (a mansão modernosa da princesa é um achado!)

É uma pena, portanto, que o filme siga pelo caminho fácil do erotismo softcore. E que a trama requentada de "Vampyros Lesbos" provoque uma sensação de déjà vu no espectador - mas é bom ressaltar que esta refilmagem disfarçada não chega a um dedinho do pé do sofisticadíssimo "Vampyros Lesbos"!


Do jeito que está, somente um tipo de espectador não se sentirá tentado a assistir MACUMBA SEXUAL fazendo uso da tecla Fast Foward: os fãs apaixonados de Lina Romay, que aqui, como já aconteceu em "A Maldição da Vampira" e "La Mansión de los Muertos Vivientes" (entre tantos outros), terão a oportunidade de estudar o corpão da musa espanhola nos seus mais mínimos detalhes.

Mas quem resistir bravamente à narrativa redundante se deparará com um filme bem estranho e hipnótico, às vezes incômodo pelos poucos diálogos, às vezes até assustador pelo excesso de cenas de pesadelo/delírio. Poderia ser bem melhor? Sim, poderia. Mas, a julgar pelas tranqueiras que Franco fazia nessa fase "liberdade total", também poderia ser bem pior!

Chuta que é macumba? Não necessariamente: fãs do cinema Franquiano irão se divertir com certeza; mas eu definitivamente não recomendaria para novatos na obra do diretor...




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Macumba Sexual (1981, Espanha)
Direção: Jess Franco
Elenco: Lina Romay (aka Candy Coster), Ajita Wilson,
Antonio Mayans (aka Robert Foster), Genoveva Ojeda
(aka Lorna Green), José Ferro e Jess Franco.



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