MARATONA JESS FRANCO
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MARATONA JESS FRANCO



Hoje (2 de abril de 2014) faz exatamente um ano que o mundo do cinema perdeu um dos seus nomes mais atuantes: o mítico Jess Franco. Nascido Jesus Franco Manera em Madrid, Espanha, em 1930, ele teria dirigido, segundo o IMDB, 201 filmes, mas o número pode ser muito maior devido à quantidade de versões existentes de um mesmo filme (versão do diretor, versão do produtor, versão com sexo explícito enxertado) e também pelo expressivo total de projetos não-concluídos ou nunca lançados por problemas diversos.

Jess Franco iniciou-se artisticamente com música (foi trompetista e pianista) e teatro (foi ator e diretor), mas não demorou para encontrar sua vocação no cinema, primeiro como compositor, depois como assistente de outros cineastas, e finalmente como diretor, roteirista e compositor da trilha (ufa!) do seu primeiro filme, "Tenemos 18 Años" (1959).

A essa altura, ele estava com 29 anos e, por motivos até hoje desconhecidos, havia sido expulso do Instituto de Investigaciones y Experiencias Cinematográicas (IIEC), após apenas dois anos de curso. O fato de ter se tornado um dos diretores de maior filmografia da história certamente foi um belo tapa na cara dos antigos mestres...

Ironicamente, Jess trazia no seu próprio nome o de dois personagens que não lhe foram muito simpáticos durante sua longa trajetória: Jesus, para alguém que o Vaticano chamou de "o diretor mais perigoso do mundo" (junto com Luis Buñuel), e Franco, sendo que ele foi perseguido e censurado durante a ditadura do General Francisco Franco na Espanha (entre 1939 e 1975), e teve que abandonar o próprio país em que nascera para poder trabalhar em paz.


Jess, o homem que viveu e respirou cinema: "Me aposentar? Eu não vou me aposentar! Eu vou me aposentar no dia em que eu morrer", prometeu em entrevista a site norte-americano em 2009. Dito e feito: "Revenge of the Alligator Ladies", seu último filme, foi lançado seis meses depois de sua morte, em outubro de 2013!


Ao longo das próximas cinco décadas, o incansável Jess desbravou a Europa dirigindo filmes de baixíssimo orçamento, mas com um apuro visual e narrativo que se tornaria sua marca registrada. Trabalhou com praticamente todos os gêneros, dos filmes de horror ao pornô, muitas vezes mesclando ambos num mesmo trabalho (no que alguns pesquisadores chamam de "horrotica"), e sempre emendando uma produção na outra. Em alguns anos, chegou a dirigir mais de 10 filmes!

Neste meio século de trajetória, Jess só não fez faroestes. Em compensação, dirigiu cenas adicionais para um filme do Zorro assinado por Marius Lesoeur em 1975, e também escreveu roteiros para dois filmes de El Coyote dirigidos por Joaquín Luis Romero Merchant nos anos 50. Logo, nem mesmo nesse gênero ele deixou de se aventurar!

Se Jess Franco hoje é "cult", até uns 15 anos atrás a história era diferente: confessar-se fã do diretor em um grupo de cinéfilos era o mesmo que dizer que você estava com AIDS, lepra e tuberculose AO MESMO TEMPO. Geralmente, todos davam aquele sorrisinho amarelo, meio sem jeito, e te deixavam de lado, fora da conversa.

Eu mesmo já senti este preconceito ao confessar publicamente que Jess Franco era um dos meus diretores preferidos numa comunidade de cinema dos tempos do Orkut. A partir de então, alguns usuários passaram a descartar imediatamente qualquer opinião minha sobre qualquer filme justificando com algo do tipo "Ah, mas você gosta até dos filmes do Jess Franco".


Franco (centro) em ação: "Eu fiz alguns filmes interessantes, ou mais ou menos bonitos. Mas nunca fiz nada grande o suficiente, do meu ponto de vista. Grande como John Ford ou algo assim".


Felizmente, o tempo fez justiça à obra do espanhol, principalmente quando diretores consagrados como Quentin Tarantino (lá fora) e Carlos Reichenbach (aqui) começaram a falar bem de Jess Franco, forçando aquela mesma geração que antes o condenava apenas pela "fama" a procurar seus filmes para ver o que havia de tão especial (ou não) neles. Muito crítico de cinema metido também acabou dando a mão à palmatória.

Tarantino inclusive usou uma música de "Vampyros Lesbos" (1970), uma das obras-primas de Jess, em "Jackie Brown" (1997), e numa entrevista declarou que Franco e Pedro Almodóvar eram seus diretores espanhóis preferidos!

Mas Jess Franco nem precisaria de defensores como Tarantino ou Reichenbach. No passado, grandes mestres do cinema como Fritz Lang, Orson Welles e o espanhol Juan Antonio Bardem já haviam ficado igualmente impressionados com a sua obra. Os dois últimos inclusive chamaram aquele jovem hiperativo para ser assistente de direção (Franco teve a honra de trabalhar com Welles em seu lendário e nunca finalizado "Don Quixote" nos anos 50!).

Vá lá que os detratores da obra de Jesus têm argumentos risíveis. Por exemplo: aqueles que só viram um ou dois filmes de Franco (e geralmente os piores) alegam que ele não sabe usar a câmera e abusa do zoom até as cenas saírem do foco. Sim, não nego que tem muito disso na obra de Jess. Mas mostre um filme como "Miss Muerte" ou "Venus em Fúria" para esses moleques e eles ficarão completamente sem palavras.


Sexo e morte, temas comuns no trabalho do diretor. "Eu acho que sexo e morte andam juntos. Se você fizer um filme sobre sexo de uma forma divertida, é diferente. Mas se você for levar o tema a sério, aí a morte está sempre por perto", justificou Franco.


Jess continuou fazendo filmes até morrer, ainda que seus últimos trabalhos sejam produções (ainda mais) capengas gravadas direto em vídeo digital no apartamento do diretor, e com equipes minúsculas que não chegavam a 10 pessoas (resenhei um dos últimos, "Paula-Paula", na época do lançamento, em 2010. A esposa e musa Lina Romay também participou ativamente de sua obra até o fim, e morreu um ano antes do marido, em fevereiro de 2012.

Em fevereiro de 2009, Jess Franco recebeu uma distinção especialíssima da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas da Espanha (o equivalente ao Oscar por lá): um prêmio Goya especial pelo conjunto da sua obra. Era o "cala-boca" que faltava para os seus detratores, já que a distinção o colocou definitivamente no rol dos cineastas "respeitáveis" e imortais.

Meu primeiro contato com a obra de Jess Franco foi sem saber: no começo dos anos 1990, aluguei a fita brasileira do seu filme "The Devil Hunter" (chamado "Manhunter - O Sequestro" por aqui) sem nenhuma referência. Numa época pré-internet e pré-IMDB, você tinha que confiar nas informações dos créditos iniciais, da capinha da fita e do Guia de Filmes Nova Cultural, e nos três lugares dizia que o diretor deste filme se chamava "Clifford Brown" - um dos inúmeros pseudônimos usados por Jess durante sua longa carreira.

Ainda que, à época, eu tenha achado o filme muito ruim, algo ali me marcou para sempre e me fez ser fã dele até hoje (fiz questão de comprar o DVD recentemente lançado pela Severin nos EUA): a podreira tinha um estilo difícil de explicar, a tosquice generalizada era muito engraçada, e a nudez era constante. O que mais um pré-adolescente em busca de 90 minutos de diversão poderia querer?


Franco interpretando um padre exorcista. Sobre ser considerado um dos diretores mais perigosos do mundo pelo Vaticano, ele respondeu: "Eu não sou católico, então não ligo para isso.
Mas, de qualquer jeito, é muito estúpido. Posso citar
umas 200 pessoas que são piores do que eu!"


Depois fui tendo contato com outras obras mais conhecidas de Jess, como "Santuário Mortal" (1968) e sua adaptação de "Conde Drácula" (1969) com Christopher Lee. Já mais velho, percebi que existia uma grande qualidade nesses trabalhos, mesmo com a ausência de grandes orçamentos, e mesmo com as piadinhas feitas pelos cinéfilos "de arte" na época (que, hoje, devem estar correndo atrás do prejuízo e assistindo o maior número possível de filmes do diretor para não passar vergonha).

Aí chegou a época do DVD, e todos esses filmes passaram a ser remasterizados e lançados no seu formato original, quando toda uma geração redescobriu o trabalho de Franco e pôde perceber que a fotografia não era tosca como parecia nos tempos do vídeo. Pelo contrário, Jess Franco sabia exatamente o que estava fazendo; e, quando queria, fazia muito bem.

Ele obviamente dirigiu vários filmes bem ruins, e não dá para esperar outra coisa de alguém que chegava a fazer cinco ou seis POR ANO. Mas sejamos justos: como esperar qualidade constante numa filmografia com mais de 200 títulos? Tem diretor hoje que só fez 10 filmes, com muito mais dinheiro e recursos, e pelo menos cinco deles são intragáveis!!

Pete Tombs, famoso pesquisador de cinema "alternativo" e dono do selo Mondo Macabro (que lançou diversos dos clássicos de Jess em DVD), foi quem melhor definiu este estranho fascínio que a obra do espanhol provoca no espectador: "Franco sempre foi alguém que seguiu seu próprio caminho. Às vezes funcionava, às vezes não, mas geralmente sempre tem algo memorável ali, mesmo no pior dos seus filmes. Pode ser uma única cena, ou apenas o clima e a atmosfera".


Com Lina Romay, sua eterna musa. "Eu não acho que tenha um filme definitivo. Mas se tivesse que salvar filmes meus de um incêndio, eles seriam 'Necronomicon', 'Venus in Furs' e
'Miss Muerte'. Esses são os mais sinceros. Mas não vou dizer
que eu os amo, porque não os amo"
, declarou.

Porém, mesmo com as facilidades dessa nossa Era Internética, catalogar e descobrir a obra de Jess Franco continua sendo uma tarefa difícil. Inúmeras vezes ele filmou cenas alternativas para lançar um mesmo filme em países diferentes; em outras oportunidades, produtores e distribuidores arruinaram as versões originais inserindo cenas filmadas por outros.

É comum que a cópia lançada em um país tenha cenas de nudez, enquanto a de outro tem cenas com os atores vestidos; às vezes, atores diferentes interpretam os mesmos personagens em diferentes montagens de um mesmo filme para diferentes países, e por aí vai. Isso sem contar as versões pornô de alguns filmes que, originalmente, não eram!

Logo, qualquer cinéfilo que queira realmente se debruçar sobre a obra de Jess Franco e estudá-la terá um longo caminho pela frente - até porque faltam fontes e análises mais aprofundadas sobre a maior parte dos seus filmes. Os poucos livros dedicados à obra do diretor, como o fora de catálogo "Obsession", são mais uma coletânea de pequenas resenhas do que algo completo e definitivo.

O legal é que esse trabalho de (re)descobrir a obra de Jess pode reservar muitas surpresas. Tipo a minha satisfação ao perceber que o DVD de "The Devil Hunter" trazia várias cenas não-existentes na cópia lançada em vídeo aqui no Brasil, e que eu já conhecia praticamente de cor. Ou as cenas "alternativas" dos filmes clássicos do diretor, que volta-e-meia aparecem, dando uma nova cara a produções já conhecidas.


"Eu não me importo em ser lembrado. Não sou um grande escritor ou algo assim. Isso deveria ser reservado para quem fez algo realmente grande. Acho que um bom diretor de cinema faz filmes para divertir as pessoas, mas não deve ser considerado um Cervantes, sabe? Um filme é um filme, algo para te divertir durante algumas horas, e não para ser considerado como se fosse Shakespeare!", declarou o inesquecível Jess.


Esta MARATONA JESS FRANCO é uma singela tentativa de homenagear o primeiro aniversário de um mundo sem Jesus Franco. Por isso, resolvi fazer de abril um autêntico "Mês Franco", com atualizações diárias aqui no blog trazendo uma pequena parte da sua enorme filmografia. A relação dos filmes está aí embaixo. Foram escolhidos sem critério específico, apenas porque eram as obras sobre as quais eu queria escrever (ou já tinha resenhas prontas aqui). Para ficar mais divertido, as atualizações não seguirão esta ordem cronológica:

- O TERRÍVEL DR. ORLOFF (Gritos en la Noche / L'Horrible Docteur Orlof, 1961)
- O SÁDICO BARÃO VON KLAUS (La Mano de un Hombre Muerto /
Le Sadique Baron Von Klaus
, 1962)
- MISS MUERTE / THE DIABOLICAL DR. Z (1965
- CARTES SUR TABLE (1966)
- NECRONOMICON (1967)
- SANTUÁRIO MORTAL (Marquis de Sade's Justine / Deadly Sanctuary, 1968)
- VÊNUS EM FÚRIA (Venus in Furs, 1969)
- CONDE DRÁCULA (Bram Stoker's Count Dracula, 1969)
- PESADELOS NOTURNOS (Les Cauchemars Naissent la Nuit, 1970)
- VAMPYROS LESBOS (1970)
- ELA MATOU EM ÊXTASE (She Killed in Ecstasy / Sie tötete in Ekstase, 1970)
- DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN / DRACULA, PRISONER OF FRANKENSTEIN (1971)
- LA COMTESSE PERVERSE (1973)
- A MALDIÇÃO DA VAMPIRA (La Comtesse Noir / Female Vampire, 1973)
- A VIRGIN AMONG THE LIVING DEAD (1973)
- JACK THE RIPPER (1976)
- MONDO CANNIBALE / WHITE CANNIBAL QUEEN (1980)
- MANHUNTER - O SEQUESTRO (The Devil Hunter / El Caníbal, 1980)
- SADOMANIA (1981)
- OÁSIS DOS ZUMBIS (Oasis of the Zombies, 1981)
- BLOODY MOON (1981)
- MACUMBA SEXUAL (1981)
- LA MANSIÓN DE LOS MUERTOS VIVIENTES (1982)
- A QUEDA DA CASA DE USHER (El Hundimiento de la Casa Usher / Revenge in the House of Usher (1983-1987)
- DIAMONDS OF KILIMANDJARO (1983)
- LA SOMBRA DEL JUDOKA CONTRA EL DOCTOR WONG (1984)
- SEM FACE (Faceless / Les Prédateurs de la Nuit, 1987)
- O MASSACRE DOS BARBYS (Killer Barbys, 1996)
- PAULA-PAULA (2010)


A partir deste ano, decreto também que todo mês de abril será "Mês Franco" no FILMES PARA DOIDOS, então podem esperar novas edições desta Maratona em 2015, 2016, 2017 e até quando existirem filmes de Jess para serem assistidos. O que, convenhamos, garantirá material para estas maratonas durante bastante tempo!

E se existir um "Outro Lado", espero que Jess Franco esteja se divertindo muito por lá, produzindo mais algumas centenas de filmes com todos os seus colaboradores que também já partiram (Soledad Miranda, Lina Romay, Howard Vernon, Dennis Price...). Isso seria o equivalente à minha noção de Paraíso...

Divirtam-se sem moderação!

PS: As frases de Franco reproduzidas nesta postagem foram retiradas de uma mesma entrevista feita pelo site de entretenimento The A.V. Club em 2009. Ela pode ser lida na íntegra neste link!





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- Pesadelos Noturnos (1970)
Em 1970, Jess Franco fez seu nono e último filme com o produtor inglês Harry Alan Towers ("Eugenie... The Story of her Journey into Perversion"), e logo começou uma rápida parceria com o polonês radicado na Alemanha Artur Brauner, com quem filmaria...

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- A MaldiÇÃo Da Vampira (1973)
A morte da atriz espanhola Soledad Miranda aos 27 anos de idade, num acidente de carro em 18 de agosto de 1970, foi um duro golpe no diretor Jess Franco, que perdeu sua grande musa de maneira repentina. Para tentar esquecer a tragédia, ele atirou-se...

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Nos anos 1980, de volta à Espanha após um exílio voluntário para escapar da ditadura do General Franco, Jess Franco iniciou uma parceria com a Golden Films International, para quem dirigiu - pelo menos até onde se sabe - 19 filmes dos mais diversos...

- Dracula Contra Frankenstein (1971)
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