James Glickenhaus é um sujeito cuja obra precisa ser urgentemente descoberta (ou redescoberta) pelos cinéfilos "alternativos" desse mundo.
Não só como produtor, que através da sua empresa, a Shapiro-Glickenhaus Home Video, bancou obras como "Maniac Cop", do William Lustig, e boa parte da filmografia de Frank Henenlotter (a série "Basket Case", "Frankenhooker - Que Pedaço de Mulher").
Mas principalmente como diretor e roteirista, já que James Glickenhaus foi o cara que comandou alguns dos filmes de ação mais sem-noção dos anos 80, até aposentar-se prematuramente no início da década de 90 (para trabalhar como corretor da bolsa em Wall Street), deixando a área livre para um monte de bunda-moles e praticamente decretando o fim do "cinema de macho" daquele período.
É ele o responsável por filmes casca-grossa como "O Exterminador", em que um bandido era solenemente esquartejado num moedor de carne, e "A Fúria do Protetor", onde o diretor teve o mérito de transformar o Didi Mocó do Oriente, Jackie Chan, em policial durão, violento e que fala palavrões, numa obra que o astro renega até hoje (e que em breve também estará aqui no FILMES PARA DOIDOS).
MCBAIN - O GUERREIRO MODERNO é de 1991 e, provavelmente, o último grande clássico de Glickenhaus (que depois só dirigiu mais um suspense e uma aventura infanto-juvenil).
É o tipo de filme em que os níveis de testosterona ultrapassam todos os limites, a contagem de cadáveres passa dos três dígitos e a trilha sonora praticamente se resume ao som de tiros e explosões. Tanto que o cartaz original de cinema trazia uma apropriada frase do L.A. Times em destaque: "A macho action fantasy"!!! Não podia ser mais apropriado.
Eu até sugeriria uma impagável sessão dupla de MCBAIN com "Os Mercenários", a recente homenagem ao truculento cinema de ação dos anos 80 comandada por Sylvester Stallone.
Primeiro, porque os dois filmes têm muito em comum (o roteiro e algumas cenas bem parecidas); segundo, porque a obra de Glickenhaus coloca a do Stallone no chinelo, e mostra que não adianta QUERER fazer um filme de ação como aqueles da época de ouro do gênero, mas principalmente tem que SABER fazer. E Glickenhaus sabe.
Como em "O Exterminador" - filme mais conhecido do diretor-roteirista -, a história começa no Vietnã, mais precisamente nos últimos dias do sangrento conflito. Soldados norte-americanos comemoram o retorno para casa.
Mas alguns deles, num helicóptero rumo a Saigon, passam pelo que parece um campo de prisioneiros, e resolvem dar uma paradinha para averiguar - embora a guerra, oficialmente, já esteja "acabada".
Ali, um tenente durão chamado McBain (Christopher Walken) e alguns outros prisioneiros de guerra enfrentam um desafio muito parecido à "Cúpula do Trovão" do terceiro "Mad Max" - aquele lance do "dois homens entram, um homem sai". Dentro de uma imensa gaiola de bambu, nosso herói é obrigado a enfrentar um vietcongue gigantesco, até que os seus parceiros aparecem de surpresa e metralham todos os soldados inimigos.
McBain agradece aos seus salvadores e promete um dia retribuir o favor. Eis que o soldado que teve a idéia de voltar para investigar o acampamento, Santos (Chick Vennera), rasga uma cédula no meio e dá metade ao homem que salvou. Se um dia ele receber a outra metade, explica, é porque chegou a hora de pagar a dívida.
Após um salto de décadas no tempo, encontramos Santos como líder de um exército revolucionário que tenta derrubar o violento presidente da Colômbia, um milita linha-dura interpretado por Victor Argo.
O presidente é um daqueles vilões sanguinários que fuzila seus inimigos políticos no "paredón" e ameaça esmagar mulheres e crianças com tanques de guerra.
Quando a revolução falha em recuperar o controle do país, e o presidente em pessoa executa Santos com um tiro na cabeça transmitido no mundo inteiro via TV, a irmã do falecido, Cristina (Maria Conchita Alonso, de "O Limite da Traição"), vai aos EUA com aquela metade da cédula para pedir o favor que McBain deve. Neste caso, vingar a morte de Santos e depor o presidente colombiano.
Só que McBain é um metalúrgico pé-de-chinelo em Nova York, e não um herói com poder de fogo para derrubar o governo militar de um país sul-americano. A solução é ir atrás dos velhos colegas do Vietnã (entre eles, Michael Ironside e Steve James!!!), conseguir dinheiro para a operação e finalmente partir rumo à Colômbia para uma missão suicida.
Achou parecido demais com "Os Mercenários"? Pois é isso mesmo. E algumas cenas de matança lembram também o ótimo "Rambo 4", principalmente quando um sujeito assume o comando de uma enorme metralhadora .50 e passa fogo em jipes e caminhões cheios de inimigos, que são instantaneamente moídos pela munição de grosso calibre. Será que Stallone é um grande fã de James Glickenhaus?
MCBAIN tem todas as qualidades (ação, violência, personagens durões) e defeitos típicos do cinema de Glickenhaus. Falando especificamente nos defeitos, o principal é o roteiro desestruturado, mais interessado em criar desculpas para as cenas de ação do que uma história linear.
Na primeira metade do filme, por exemplo, os ex-combatentes reunidos precisam arranjar dinheiro para financiar sua operação de guerrilha na Colômbia. Resolvem, sem mais nem menos, atacar e matar uns traficantes (!!!) para roubar-lhes a féria do dia. Porém, quando o chefe da boca passa um sermão nos heróis (!!!), eles decidem deixar o cara com seu suado dinheirinho (!!!) e atacar um perigoso gângster para conseguir os fundos necessários (!!!).
Essa cena do traficante dando discurso é tão gratuita e sem pé nem cabeça que se torna involuntariamente engraçada: McBain e seus amigos invadem a boca-de-fumo matando todo mundo sem piedade, até sobrar apenas o chefão interpretado por Luis Guzmán. Segue-se um diálogo impagável:
Traficante:Que porra vocês querem? McBain:Dinheiro. Traficante:Dinheiro? Porra cara, leva o dinheiro! Vocês mataram um montão de pessoas por pouquíssimo dinheiro! Parceiro de McBain: Pessoas? E quem se importa com uns merdas como vocês? Traficante:Ah, entendi! Mercadores da morte, né? Quem se importa com pessoas que vendem drogas para crianças de 8 anos? Ei cara, você espera que a gente trabalhe no Burger King recebendo US$ 3,75 por hora? Eu pago a eles 200 dólares por dia! Eles estão apenas tentando viver! Eu pareço o tipo de cara que conseguiria emprego num daqueles prédios de escritórios? E em relação a vender drogas para crianças de 8 anos, você vê alguma criança aqui? Tudo que eu vejo é um bando de babas de New Jersey!
Simplesmente genial!
Mais adiante, o roteiro de Glickenhaus também perde um tempão mostrando a viagem de avião de McBain e seu pequeno exército até a Colômbia, quando eles são atacados por caças da força militar colombiana. Eis que um piloto norte-americano surge do nada na história para ajudar os heróis, num longo combate aéreo que não fede e nem cheira (parece até um aproveitamento tardio da onda "Top Gun").
E a ajuda do sujeito no fim nem era necessária, já que McBain é tão fodão que consegue a façanha de derrubar um dos jatos inimigos com um tiro disparado do cockpit de outro avião - em mais uma cena absurda e nonsense que quase transforma o filme em comédia involuntária!
Finalmente, quando McBain e seu grupo de amigos mercenários chega à Colômbia, MCBAIN transforma-se num festival ininterrupto de ação explosiva e exagerada. Ajudados pelos rebeldes agora comandados por Cristina, os ianques enfrentam todo o exército colombiano para chegar ao maligno "el presidente" - uma tarefa que não será nada fácil.
Se alguém duvida que James Glickenhaus é um autêntico doente mental, esse filme divertidíssimo é a prova perfeita. Balas atravessam pessoas como se elas fossem de manteiga. O diretor também faz questão de mostrar bonecos em chamas voando para os ares em cada explosão de veículos e casamatas.
Já o final é um autêntico massacre em frente ao palácio do governo colombiano (na verdade, o filme foi rodado nas Filipinas). Sabe a cena de "Regras do Jogo", do Friedkin, em que Samuel L. Jackson comanda um massacre de inocentes em frente à embaixada americana no Iêmen?
Pois a cena parece tirada de MCBAIN, quando os cruéis soldados colombianos abrem fogo covardemente contra o povo que tenta invadir o prédio para derrubar o presidente!
O caso é que não tem como contabilizar, mas a contagem de mortos dessa maravilha passa dos 300, com toda certeza. Entre as mortes provocadas pelos homens de McBain e o extermínio liderado pelo exército colombiano, o Produto Interno Bruto da Colômbia deve ter caído uns 80%! Quase não sobra ninguém no país para o futuro presidente governar!
É por isso que eu digo que filmes como MCBAIN - O GUERREIRO MODERNO não existem mais (ou pelo menos não existiam, até "Rambo 4"). E o recente "Os Mercenários" perde feio na comparação. Não duvido que o McBain, sozinho e com um braço nas costas, derrotaria com a maior facilidade todo o time de "expendables" do Stallone.
Aliás, entre mortos e feridos, Christopher Walken mantém-se soberbo como o implacável, incansável e indestrutível McBain. Dá até pena de ver um ator bom desses sendo sub-aproveitado, hoje, como "coadjuvante de luxo" em filmes tipo "Penetras Bons de Bico". Walken precisa URGENTE de um bom papel como o de McBain, pois seu olhar gélido e ar cínico se encaixam perfeitamente nesse tipo de personagem.
E é uma pena que Glickenhaus tenha abandonado essa vida de diretor de filmes casca-grossa para se dedicar a Wall Street e à sua cobiçada coleção de Ferraris (sim, o sujeito é milionário, por incrível que pareça!).
Sem ele, o mundo do cinema de ação perdeu futuras "macho action fantasies" como MCBAIN, e o máximo que se vê atualmente são pálidas homenagens a essas produções absurdas, porém sem o mesmo talento e criatividade.
Trailer de MCBAIN - O GUERREIRO MODERNO
******************************************************* McBain - O Guerreiro Moderno (McBain, 1991, EUA) Direção: James Glickenhaus Elenco: Christopher Walken, Maria Conchita Alonso, Michael Ironside, Chick Vennera, Steve James, Luis Guzmán e Victor Argo.
- ForÇa Especial (2003)
Até o começo deste nosso século 21, o cineasta israelense Isaac Florentine era apenas "o cara que dirigia episódios dos Power Rangers". Tudo bem, ele já estava no mercado do cinema há algum tempo, tendo atuado como coreógrafo de cenas de luta...
- A FÚria Do Protetor - Director's E Jackie Chan's Cut (1985)
(Alô amigos do FILMES PARA DOIDOS! Eis que nesta semana comecei num emprego temporário de um mês, e assim mais uma vez me vi sem tempo de atualizar o blog. Para compensar, como sou bonzinho, vou postar mais uma Sessão Dupla, dessa vez com duas versões...
- O Limite Da TraiÇÃo (1987)
Poucos cineastas levaram tão a sério a proposta "filme pra macho" quanto Walter Hill, o homem por trás de sucessos como "48 Horas" e "Warriors - Os Selvagens da Noite". Num mundo injusto como esse nosso, Hill anda sumido das telas já há um tempinho,...
- No CoraÇÃo Do Perigo (1986)
Depois de duas resenhas de filmes mais amenos, chegou a hora de voltar ao que interessa, amiguinhos. Ou seja: filmes de ação casca-grossa, daqueles com tanto tiro e explosão que, depois de ver, dá vontade de pegar uma metralhadora e sair pelas ruas...
- InvasÃo Usa (1985)
Ah, o cinema de ação dos anos 80... Violência e exagero eram as palavras de ordem. Os heróis eram sempre valentões sem sentimentos que passavam as horas livres treinando tiro ao alvo ou limpando suas armas, e para eles não bastava apenas prender...