NA TRILHA DA MORTE (1976)
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NA TRILHA DA MORTE (1976)



Sempre que sai um novo "Os Mercenários", ou o último filme de ação estrelado por Stallone e Schwarzenegger (que estão chegando na casa dos 70 anos!), é comum que a molecada leite-com-pêra comece a reclamar e/ou fazer piadinhas envolvendo a idade dos veteranos. Talvez eles não saibam, mas dos anos 1970 até começo dos 1980 os astros de ação mais legais não eram jovenzinhos raquíticos, mas sim coroas cinquentões ou sessentões, de cabelo branco ou sem cabelo algum, e que nem por isso faziam feio!

Lee Marvin, por exemplo, foi um dos grande durões dos anos 1970, quando já era cinquentão, e tinha 62 anos ao fazer "Comando Delta" (1986) - isso porque, à época, era o único sujeito casca-grossa o suficiente para convencer como superior do astro Chuck Norris. Charles Bronson tinha 52 anos ao estrelar o primeiro "Desejo de Matar" e 63 quando fez "Desejo de Matar 3". E Clint Eastwood, antes de ser um diretor respeitado, era criticado (pelos mesmos críticos que hoje lhe rasgam seda) por estrelar descerebrados filmes de ação tipo "Firefox - A Raposa de Fogo" e "Impacto Fulminante" quando já tinha passado dos 50 anos!


E não dá para esquecer de Yul Brynner, dono de uma das carecas mais famosas do cinema. Nos anos 70, já cinquentão mas ainda em forma, o russo naturalizado norte-americano estrelou dois ótimos filmes em que dá um show na maioria dos moleques que você vê na telona do cinema hoje. Um é a aventura pós-apocalíptica "O Último Guerreiro" (1975), já resenhada aqui; o outro é NA TRILHA DA MORTE, que seria o seu último filme (Brynner estava com 56 anos na época das filmagens).

Mesmo com o rosto sulcado por rugas e pelas marcas do tempo, os 56 anos do astro não transparecem neste policial bem decente, dirigido por um dos grandes artesãos do cinema italiano, "Anthony M. Dawson", ou Antonio Margheritti. Ele era bastante popular pelos filmes de horror gótico e de ficção científica que dirigiu nos anos 60-70; mas àquela altura, como muitos outros cineastas da Terra da Bota, já se aventurava pelos mais diversos gêneros (no caso, o que quer que estivesse dando lucro no momento).


Yul Brynner era um daqueles atores tão fodões que, mesmo se ficasse parado o filme inteiro, só olhando para a câmera, sem socar ou atirar em ninguém, já bastaria para o espectador se convencer do quanto ele é fodão. E isso só por causa do seu semblante sério e de um característico olhar gélido e ameaçador que poucos atores depois dele conseguiram imitar - um daqueles olhares que deixaria muito brutamontes sem dormir de noite.

Esse "olhar 43" é uma das grandes armas de Brynner também em NA TRILHA DA MORTE, onde ele interpreta um assassino da Máfia aposentado chamado Peter Marciani, que está trabalhando como freelancer em Nova York e passa as horas de folga pescando na margem da famosa Ponte do Brooklyn!


Marciani resolveu abandonar o trabalho com os mafiosos depois que seu irmão mais novo foi executado na sua frente alguns anos antes, e ele próprio quase morreu no mesmo atentado. O ocorrido lhe deixou com um problema de visão (que pode ser puramente psicológico) permanente: sofre "bloqueios" diante de luzes muito fortes, porque isso lhe lembra o momento da morte do irmão.

Enquanto isso, em Nápoles, o mafioso Sal Leonardi é assassinado pelos homens de uma quadrilha rival, chefiada por Gennaro Gallo. O grupo de Leonardi resolve partir para a "vendetta" (vingança), mas decide que o melhor a fazer é mandar seu melhor homem para a guerra. E este é o ex-assassino Marciani, convencido a voltar para a Itália ao descobrir que Gallo, seu novo alvo, teria sido o mandante do assassinato do seu irmão anos antes.


Sem demora, o veterano matador viaja para Nápoles, onde acaba juntando forças com um jovem vigarista chamado Angelo (interpretado pelo cantor pop, e ídolo das adolescentes da época, Massimo Ranieri). A principal ocupação do rapaz é manipular os resultados das apostas no hipódromo local: ele convence clientes a fazerem grandes apostas em determinado animal e depois atinge o cavalo com um tiro de arma de pressão, forçando-o a acelerar e vencer a corrida!

Embora seja um mero vigarista, Angelo tem planos de subir para a "primeira divisão" do crime, e por isso acredita que associar-se a uma lenda do ramo, como Marciani, será muito bom para o seu currículo. A ligação entre eles fica tão forte que o rapaz chega a entregar a amada, uma stripper chamada Anny (Barbara Bouchet), para ser amante do veterano!


Numa reviravolta que lembra bastante "Assassino a Preço Fixo" (1972), de Michael Winner, o personagem de Brynner também começa a treinar o rapaz para ser um matador frio e implacável como ele, a exemplo do que Charles Bronson fez com outro jovem pupilo naquele filme.

Assim, entre um tiroteio e outro, o espectador acompanha o "embrutecimento" de Angelo e sua transformação de simples vigarista a assassino sem sentimentos. Quando Marciani executa um capanga que havia lhe dado informações importantes, o rapaz questiona: "Mas ele contou o que você queria, por que o matou?". O mentor rapidamente justifica sua frieza: "Para que não dissesse aos outros que sabemos". Mais adiante, Marciani explica as três etapas importantes do "negócio": preparação, tiro e fuga. "Se cometer um erro em alguma delas, você está morto", resume.


Ao mesmo tempo em que capangas de Gallo pipocam por toda parte, para tentar impedir o velho assassino de cumprir sua missão, a dupla Marciani/Angelo também enfrenta a própria polícia, representada por um comissário veterano interpretado pelo norte-americano Martin Balsam, que, encarnando o típico xerifão de western, quer evitar uma guerra sangrenta nas ruas da "sua" cidade.

Produzido pelo cineasta Umberto Lenzi (que dirigiu ele mesmo alguns policiais ultraviolentos na mesma época), NA TRILHA DA MORTE provavelmente não se diferenciaria muito de outros exemplares do cinema policial italiano se não fosse pela hipnótica presença de Brynner. Sempre vestido de preto, e raramente esboçando algo sequer parecido com um sorriso (a não ser quando vê Barbara Bouchet pelada, mas quem pode culpá-lo?), seu Peter Marciani é um daqueles personagens incríveis que o espectador até lamenta por não ter aparecido em mais filmes.


O roteiro de Guy Castaldo (este é o seu único crédito) é bastante eficiente em apresentar Marciani como uma figura cuja fama o faz ser ao mesmo tempo temido e respeitado, tanto pela polícia quanto pelos seus rivais. E isso acontece sem que seja preciso mostrar Brynner matando 30 ou 40 pessoas no começo do filme; pelo contrário, o ator convence o espectador da sua periculosidade apenas com a (falta de) expressão e atitude.

Numa cena fantástica, que resume o quanto Marciani é "o cara", ele é rendido por um dos capangas de Gallo, que aponta uma arma para a sua cabeça. "Se eu fosse você, atiraria agora mesmo", diz Brynner, com aquela sua cara de poucos amigos. Quando o capanga explica que Marciani vale muito mais caso seja entregue vivo, o temido matador retruca: "Se eu fosse você, atiraria mesmo assim!".


E o que acontece depois é relevante; a força da cena é a mítica do personagem e do ator que o interpreta - já que qualquer espectador que tenha visto "Sete Homens e um Destino", "Adios Sabata" ou mesmo "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma", sabe que Yul Brynner é um sujeito com quem não se deve mexer...

Nesses tempos em que vigora o politicamente correto, e heróis são exemplos de conduta chatos como coroinhas, sempre é bom ver um filme cujo protagonista é um anti-herói que não faz prisioneiros e nem fica com a consciência pesada depois de executar rivais desarmados.

Para arrancar informações de um capanga ferido, por exemplo, Marciani cutuca o buraco de bala do sujeito com sua arma, sem fazer cerimônia. O que só evidencia aquilo que eu escrevi acima: que não se deve mexer com Yul Brynner!


Embora NA TRILHA DA MORTE não esteja entre os melhores trabalhos de Margheritti, e muito menos entre os mais memoráveis, tem muita coisa boa que ajuda a valorizar a trama de vingança mafiosa já batida. Um dos diferenciais é o trauma/problema de visão do protagonista, que se manifesta sempre que uma luz forte incide sobre os seus olhos, seja o sol ou a passagem de um trem no metrô.

Quando isso acontece, Marciani é bombardeado por imagens que até lembram uma viagem de LSD, enxergando, em cores vivas, as últimas imagens do momento da execução do irmão. Mais tarde o espectador descobre que este trauma surgiu do reflexo do sol no pára-brisa de um carro, que atingiu os olhos de Marciani durante aquele evento traumático.


Outra coisa boa (ou, neste caso, maravilhosa) de NA TRILHA DA MORTE é a alemã Barbara Bouchet, interpretando a stripper por quem Marciani e Angelo são igualmente apaixonados. A moça não regula no quesito nudez e aparece completamente pelada em frente e verso, embora as cenas mais "ousadas" tenham sido cortadas em algumas versões do filme que circulam por aí.

O irônico é que embora Anny e Marciani interpretem um casal apaixonado, nos bastidores não havia nenhuma química entre Brynner e Barbara: eles simplesmente se odiavam! Segundo entrevistas da atriz, o quebra-pau teria começado por causa da maneira tirânica com que Yul tratava a equipe. Ao testemunhar o envelhecido astro jogando as meias sujas no rosto da figurinista e mandando que as lavasse, Barbara ficou revoltada e passou a tratar seu colega de cena com a mesma grosseria.

O auge da provocação foi quando ela descobriu que Yul era supersticioso e não gostava de cravos, por temer uma reação alérgica às flores. Sem pensar duas vezes, Barbara mandou um enorme buquê de cravos para o camarim do ator!


Curiosamente, o resto da equipe sempre manteve uma relação de cortesia com o careca. Massimo Ranieri, que interpretou seu pupilo no filme, e teve que passar mais tempo com ele, falou sobre isso em entrevista publicada no livro "Yul Brynner: A Biography", de Michelangelo Capua. O rapaz teve um contato anterior com Yul durante as filmagens de "O Farol do Fim do Mundo" (1971), e na ocasião havia achado o ator muito arrogante e pretensioso.

Nesse segundo trabalho juntos, entretanto, Yul teria mudado praticamente da água para o vinho: "Eu descobri um ser humano fantástico, com uma sensibilidade extraordinária", disse Ranieri no livro, lembrando das suas conversas com o astro sobre os trabalhos humanitários que ele fazia, voltados a crianças refugiadas da guerra (Brynner inclusive teria realizado diversas viagens ao Vietnã por aqueles anos, colaborando com as Nações Unidas para ajudar órfãos do conflito).


O diretor Margheritti também gostou muito de trabalhar com Yul e realizou um grande sonho ao dirigi-lo, já que era fã declarado do astro. A experiência foi tão boa que Margheritti prometeu fazer um segundo filme estrelado por ele, em que o careca interpretaria um caçador na África. Só que o projeto nunca sairia do papel porque a carreira de Brynner ganhou uma sobrevida na Broadway: a partir do seu retorno aos EUA, naquele mesmo ano, o ator passou a fazer mais sucesso nos palcos do que seus últimos filmes no cinema!

Em 1977, ele resolveu repetir um dos seus papéis mais famosos, o Rei Mongkut de "O Rei e Eu", que já havia feito nos palcos e no filme homônimo de 1956, numa nova montagem da obra para a Broadway. O espetáculo foi um sucesso estrondoso e teve diversas turnês pelos Estados Unidos e pela Europa durante os oito anos seguintes, até 1985. Neste ano, em 30 de junho, Yul comemorou 4.625 performances em "O Rei e Eu" (!!!), e morreria quatro meses depois (em 10 de outubro de 1985), por complicações decorrentes do câncer de pulmão diagnosticado algum tempo antes.


Embora não tenha concretizado a anunciada parceria seguinte com o astro, pelo menos Margheritti deu a última oportunidade para Yul Brynner no cinema. E parece ter se divertido bastante na direção, já que NA TRILHA DA MORTE não se leva tão a sério como parece: tem até um momento em que os vilões tentam eliminar Marciani usando um... colírio assassino?!?

Mas a cena mais divertida é aquela em que Marciani executa uma vítima durante o show de uma banda de rock tipicamente setentista; atingida pelo tiro fatal, a vítima se contorce em câmera lenta, com os braços abertos, e a imagem se confunde com a do vocalista da banda na mesma posição!


As cenas de ação também são eficientes, com a quantidade certa de tiroteios e perseguições de automóvel, ao som da bela trilha sonora dos irmãos De Angelis, Guido e Maurizio (o mausoléu da família De Angelis aparece em certa cena num cemitério, talvez numa homenagem/citação à dupla).

Mas o filme não abusa da violência explícita característica dos filmes policiais (ou de Máfia) produzidos na Itália na época, e pouquíssimo sangue é mostrado - o oposto do que promete o violento pôster italiano, reproduzido acima.


E por falar em pôster, vale destacar uma inacreditável picaretagem relacionada ao filme. NA TRILHA DA MORTE chama-se, originalmente, "Con La Rabia Aggli Occhi" ("Com a Raiva nos Olhos"), um título que diz muito sobre o personagem de Brynner, sua sede de vingança e mesmo o seu problema ocular/psicológico.

Mas quando ele foi lançado nos Estados Unidos, o distribuidor resolveu transformá-lo numa continuação de "Desejo de Matar" (!!!), mesmo que um filme não tenha absolutamente nada a ver com o outro.

Para isso, rebatizou o policial italiano como "Death Rage" (Fúria Mortal), e providenciou um pôster completamente enganoso (ao lado), onde se lê, em letras garrafais: "O segundo capítulo do Vigilante da Cidade Grande! Bronson começou, Brynner termina!".

Mais embaixo, para forçar a relação com o sucesso dirigido por Michael Winner em 1974, há um "Primeiro 'Death Wish'. Agora... 'Death Rage'!".

Não sei se a picaretagem do distribuidor surtiu algum efeito, mas com certeza o público que esperava ver uma nova aventura na linha de "Desejo de Matar" saiu frustrado ao encontrar uma história sobre guerra de mafiosos que sequer se passa em Nova York, mas sim na Itália!

(A continuação "oficial" de "Desejo de Matar" sairia apenas em 1982, e com Charles Bronson de volta ao papel de protagonista, e não Yul Brynner!)


NA TRILHA DA MORTE pode até não ser o mais memorável dos trabalhos do astro no cinema (embora bastante decente como um fim de filmografia, já que ele interpreta um personagem de classe e ainda dá uns pegas numa gatinha com a metade da sua idade). Mas sempre é bom ver o mitológico Brynner em ação e constatar como esses coroas mandavam bem no cinema de outrora.

Principalmente em comparação com o que se tem hoje, pois o posto de careca durão do cinema de ação deixado por ele espera desde 1985 para ser preenchido. Até existem dois bons concorrentes contemporâneos à vaga (Vin Diesel e Jason Statham), mas ambos ainda precisam comer muito feijão com arroz para ficar à altura do bom e velho Yul Brynner...


Trailer de NA TRILHA DA MORTE



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Con La Rabbia Aggli Occhi (1976, Itália)
Direção: Anthony M. Dawson (aka Antonio Margheritti)
Elenco: Yul Brynner, Massimo Ranieri, Martin Balsan,
Barbara Bouchet, Giacomo Furia, Salvatore Borghese,
Rosario Borelli e Giancarlo Sbragia.



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