ASSASSINO A PREÇO FIXO (1972)
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ASSASSINO A PREÇO FIXO (1972)



Usualmente, mecânico é aquele cara que você chama sempre que o seu carro não sai da garagem, te deixa na mão em algum lugar ou apresenta aquele barulho estranho e irritante. Mas, na gíria da bandidagem dos Estados Unidos, um "mechanic" também é um matador profissional que age sempre sozinho e vende os serviços a quem pagar mais.

É por isso que ASSASSINO A PREÇO FIXO, chamado "The Mechanic" no original, não traz Charles Bronson todo sujo de graxa e trabalhando numa oficina rodeado de pôsteres de mulher pelada pelas paredes. Pelo contrário, as "ferramentas" do mecânico Arthur Bishop (o personagem de Bronson) são bem diferentes e letais. Citando a frase no cartaz do filme: "Ele tem mais de uma dezena de maneiras de matar, e todas elas funcionam".


Embora nenhuma nota fiscal com o valor dos "serviços" do mecânico Bishop seja apresentada para sabermos se ele cobra um preço fixo ou não, foi com este título songo-mongo em português que os brasileiros receberam este belo filme de ação produzido em 1972, uma das primeiras produções norte-americanas dirigidas pelo inglês Michael Winner, que pavimentava sua carreira rumo a filmes mais ousados e bem-sucedidos.

Winner não foi a primeira opção para ASSASSINO A PREÇO FIXO, porém. O diretor (hoje) cult Monte Hellman estava cotado para comandar o filme, e chegou a trabalhar na história junto com o roteirista Lewis John Carlino, que por sua vez escreveu o roteiro baseado num livro de sua autoria que não tinha conseguido publicar. Consta que atores como Cliff Robertson e George C. Scott (para o papel que ficou com Bronson) e um jovem Jeff Bridges (para o personagem depois encarnado por Jan-Michael Vincent) envolveram-se de alguma forma com o projeto em seus primeiros estágios.


Quando o roteiro trocou de estúdio e foi parar nas mãos da United Artists, Hellman foi substituído por Michael Winner e o diretor inglês chamou seu amigo Charles Bronson para estrelar. Este é o segundo de seis filmes que fizeram juntos, sendo que o primeiro foi "Renegado Impiedoso", no ano anterior.

No fim, Bronson revelou-se uma escolha acertada para o papel, já que ele usa seu olhar frio e hipnotizante e seu semblante inexpressivo a serviço de um personagem digno dessas qualidades de "representação". Porque Arthur Bishop é um matador extremamente sofisticado e profissional, mas ao mesmo tempo solitário, melancólico e silencioso, e o rosto sem expressão do astro lhe dá um tom acentuadamente triste.


Para Bishop, a morte não é só uma fonte de renda, mas uma verdadeira arte. Ele trabalha exclusivamente para uma organização criminosa (que, suspeita-se, seja a Máfia), da qual seu pai foi conselheiro; goza, portanto, de uma posição de respeito diante dos empregadores. Vive sozinho numa bela casa - que tem até um quadro original de Bosch na parede! -, onde passa os dias em silêncio, reflexivo e solitário, estudando minuciosamente os detalhes para a realização de cada serviço.

A rotina do mecânico funciona mais ou menos assim: seus contratantes enviam um arquivo completo do alvo (incluindo até relatórios médicos!), que ele decora lentamente enquanto ouve música clássica, fuma cachimbo e toma vinhos finos; depois, Bishop segue a vítima durante dias e até semanas, para descobrir tudo sobre os seus hábitos e horários. Só depois de tudo isso é que o assassino age e despacha seu alvo.


"Não seria mais fácil dar logo um tiro na cabeça?", pode questionar o nobre leitor do FILMES PARA DOIDOS. Claro que seria. Mas, como eu escrevi ali em cima, Arthur Bishop encara o "negócio" do assassinato como uma arte, e não como um serviço sujo qualquer. E sua filosofia é executar trabalhos limpos que pareçam acidentes, onde a presença de um mecânico jamais possa ser identificada.

Esse preciosismo do personagem me lembrou uma cena incrível da comédia "Matador em Conflito", que traz John Cusack no papel de um assassino de aluguel em crise. Num de seus trabalhos, ele precisa pacientemente escorrer gotículas de veneno por um barbante suspenso sobre a boca aberta de um alvo que dorme tranquilamente!


E é mais ou menos dessa maneira que Arthur Bishop é apresentado ao espectador na cena inicial de ASSASSINO A PREÇO FIXO, uma brilhante sequência de 15 minutos sem nenhum diálogo, o que apenas enfatiza a solidão e o jeitão silencioso do personagem. Durante esses 15 minutos, Bishop segue pacientemente uma vítima e depois põe em prática uma sequência extremamente complexa de detalhes que resultarão numa inacreditável "morte acidental". Um trabalho perfeito que deve valer cada centavo do pagamento do mecânico - seja preço fixo ou não!

Apesar da vida reclusa, Bishop tem um amigo de longa data, Harry McKenna (interpretado por Keenan Wynn). Certo dia, ele pede que o mecânico converse com os chefes da organização para limpar seu nome, já que McKenna anda sendo ameaçado por eles. No mesmo dia, Bishop recebe um pacote com as fotos de sua nova vítima: o próprio Harry!


Aí percebemos mais uma faceta do nosso mecânico: seu profissionalismo exige que ele seja completamente desprovido de sentimentos, e é claro que ele não vai deixar que as relações de amizade atrapalhem a realização do serviço. Ele então despacha o pobre Harry, que só no fim da vida descobre que seu velho amigo será também o seu algoz.

Durante o funeral do falecido, Bishop conhece Steve McKenna (Jan-Michael Vincent, vergonhosamente canastrão), o problemático filho adolescente do morto, que parece até estar contente com o destino do pai, já que herdou a mansão e a fortuna do velho.


Aos poucos, um vai se aproximando do outro: Steve vê em Bishop a figura paterna que nunca teve, enquanto o mecânico enxerga em Steve a sua própria juventude, pois ele também é frio, calculista e não tem medo da morte. Quando ambos presenciam a tentativa de suicídio de uma ex-namorada de Steve, que nem ao menos tenta impedi-la enquanto ela corta os pulsos, Bishop tem a confirmação de que o rapaz pode virar um bom mecânico e, quem sabe, ser o herdeiro que ele nunca teve.

Steve aceita a proposta e passa por um rápido treinamento antes de executar sua primeira missão. Desenvolve-se uma relação estilo Batman & Robin, incluindo o respectivo ar homossexual (já falaremos sobre isso). Mas a organização que comanda Bishop fica enfurecida, pois não concorda com a associação do matador que sempre agiu sozinho.


Logo, nosso "herói" começa a desconfiar que é o próximo alvo dos próprios empregadores. E, pior, que o seu jovem ajudante é o mecânico contratado para eliminá-lo, exatamente como ele fez com o seu pai! Justiça poética?

A partir dessa relação ambígua entre mestre e pupilo que não podem confiar 100% um no outro, ASSASSINO A PREÇO FIXO desenvolve-se menos como um filme de ação e mais como um thriller de suspense, em que o medo da morte é frequente e ninguém sabe em quem confiar. O crítico norte-americano Roger Ebert definiu a trama de maneira brilhante: "A verdadeira ação do filme é psicológica, com duas cobras circulando uma à outra".


Apesar de optar por um ritmo mais lento e dialogado, e por uma construção pausada da relação entre os dois personagens, ASSASSINO A PREÇO FIXO também traz belas sequências de ação que são bem a cara do início dos anos 70: tiroteios, explosões e perseguições de carros e motos são filmadas de maneira fluida, sem a câmera sacolejante e a edição videoclipeira que são as marcas registradas da ação desse nosso novo século.

A única coisa que realmente me incomoda no filme é Jan-Michael Vincent no papel de Steve. Além de ser um péssimo ator (que depois seria relegado a papéis menores em filmes classe Z), ele compõe o jovem mecânico como um sujeito irritante, pedante e mimado, por isso nunca se justifica a adoração que Bishop tem por ele e nem o porquê de ficar obcecado em treiná-lo como seu parceiro - além, é claro, de já estar velho e querer um herdeiro do seu legado.


Se Steve é um pentelho de marca maior, Bishop, por outro lado, é um personagem riquíssimo - talvez um dos melhores de Bronson. Como um samurai, e ao contrário do seu jovem parceiro, o mecânico veterano vive num mundo guiado por um rígido código de honra, que não permite traições ou falhas; enfim, aquele estereótipo do "bandido honrado" que é mais comum no cinema oriental. Para ele, "assassinato é apenas matar sem licença. Policiais matam, soldados matam".

Para ilustrar a vida solitária que Bishop leva, ASSASSINO A PREÇO FIXO tem uma cena que é simplesmente genial: o encontro do matador com uma garota que parece lhe amar perdidamente. Ela escreveu uma carta de amor que lê apaixonada, e os dois têm uma noite de prazer. Parece um amor intenso, mas Bishop depois levanta da cama e pergunta "Quanto lhe devo dessa vez?", e a garota dá o preço justificando: "É mais caro porque deu um trabalhão escrever aquela carta". Ou seja, vivendo uma vida reclusa, o mecânico precisa pagar para uma prostituta parecer apaixonada por ele e inclusive lhe escrever cartas de amor! Ironicamente, a prostituta é interpretada por Jill Ireland, que foi esposa de Bronson na vida real.


Claro que o relacionamento "mecânico" (trocadilho intencional) com uma prostituta também pode ser uma evidência da falta de jeito de Bishop com o sexo oposto, o que apenas confirmaria aquele tom homossexual que eu citei lá em cima - talvez o caso entre o mestre e o pupilo não seja apenas profissional, afinal de contas...

No filme essa suspeita fica apenas no ar, com o amor platônico entre Bishop e Steve sendo sugerido bem de leve numa história com raríssimas personagens femininas. Mas essa não é nem de longe a tônica da aventura. Originalmente, entretanto, a relação dos dois mecânicos seria explicitamente gay, algo que estava no roteiro de Lewis John Carlino.


Numa entrevista, o roteirista confirmou isso e ainda falou que ASSASSINO A PREÇO FIXO é uma das grandes decepções da sua vida, porque os produtores pediram que ele retirasse (ou amenizasse, se preferirem) o tom homossexual dos personagens para transformar o roteiro em uma típica aventura com dois machões heterossexuais bons de tiro - ou um "pseudo-James Bond", nas palavras do próprio Carlino.

Gay ou não, ASSASSINO A PREÇO FIXO é um filme bastante eficiente, mesclando suspense e ação com bastante profissionalismo, num clima bem diferente daquelas aventuras alopradas que Bronson faria, nos anos 80, para a Cannon Films. Vale lembrar que, na época em que interpretou Arthur Bishop, ele era um astro mais popular na Europa do que no seu país de origem. Um dos primeiros sucessos de bilheteria do ator nos Estados Unidos foi justamente seu trabalho posterior com Winner, "Desejo de Matar", em 1974.


Recentemente, em 2011, as "aventuras" do mecânico Arthur Bishop ganharam um upgrade com uma refilmagem que, no Brasil, ganhou o mesmo título em português da aventura de 1972. Comparar os dois "The Mechanic" é como chutar cachorro morto, mas também é uma boa maneira de comprovar a imbecilização do cinema de ação norte-americano moderno.

Enquanto o original tinha a direção refinada de Winner e um personagem vivido de maneira fria e comedida por Bronson, o "Assassino a Preço Fixo" do século 21 tem um cabeça-de-bagre como diretor (Simon West, de "Tomb Raider" e do novo "Os Mercenários 2") e, no papel de mecânico, o inglês Jason Statham, que está mais para novo Chuck Norris ou Steven Seagal do que para novo Charles Bronson, e esbanja "brucutuzice" no papel que o outro interpretou com tanta "finésse", correndo, atirando, surrando e explodindo coisas sempre em alta velocidade, como se estivesse acelerado pelo efeito de anfetaminas.


Um espaço de tempo de 40 anos separa os dois filmes e o roteiro é praticamente o mesmo, mas é incrível como a refilmagem é covarde e parece ter sido produzida para débeis-mentais.

Primeiramente, porque os alvos do mecânico Statham são pessoas malvadas e muito piores do que ele - e, portanto, merecem morrer, tornando o mecânico muito mais "heróico" do que o profissional que matava por dinheiro no filme de Winner. Segundo porque algumas mudanças no roteiro subvertem praticamente toda a história do original, que aqui vira uma simples e rasteira trama de vingança, onde não falta nem mesmo o momento (absurdo, por sinal) em que Statham descobre que foi manipulado pela organização em que trabalhava e parte para dar o troco nos patrões (algo que jamais acontecia no filme de 1972, muito pelo contrário!).


Mas o mais cretino e bunda-mole do remake é o fato de que eles alteram o corajoso e cínico final-surpresa do ASSASSINO A PREÇO FIXO original, e que eu não vou contar aqui, mas é um daqueles desfechos que deixam o espectador com um sorriso no rosto mesmo quando o filme é revisto pela décima vez. Sendo a refilmagem uma aventura anabolizada feita para um público imbecil, o final-surpresa ganha outros contornos e passa longe daquele encenado 40 anos atrás.

Finalmente, há uma ironia brutal na comparação entre os dois filmes: no original, o Arthur Bishop de Winner odiava "agir como cowboy", ou seja, matar o alvo da forma mais rápida possível, sem muito planejamento ou frescura. Lembre-se que o velho mecânico passava dias estudando suas vítimas e a melhor forma de fazer o serviço.


Pois o Arthur Bishop do século 21, claro, "age como cowboy" o tempo todo, explodindo prédios, carros e pessoas num festival de grosseria que insulta aquele trabalho limpo e refinado demonstrado por Bronson lá em 1972. E naqueles 15 minutos iniciais de silêncio do filme de Winner, o mecânico de Statham já matou ou arrebentou uns vinte inimigos!

Mas o que mais podemos esperar desse "novo cinema de ação" que conseguiu transformar até os outrora refinados James Bond e Batman em brucutus que "agem como cowboys" e explodem tudo antes para perguntar depois?

PS: Reparem na picaretagem do trailer abaixo, que tenta vender o personagem de Charles Bronson como um "herói" que extermina o crime organizado!

Trailer de ASSASSINO A PREÇO FIXO



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The Mechanic (1972, EUA)
Direção: Michael Winner
Elenco: Charles Bronson, Jan-Michael Vincent, Keenan
Wynn, Jill Ireland, Linda Ridgeway, James Davidson,
Frank DeKova, Lindsay Crosby e Tak Kubota.



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