O Código dos Anjos e Demônios
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O Código dos Anjos e Demônios



Muita gente vai pensar que levei o título deste blog muito a sério e fiquei doido, mas mesmo assim vou na contramão dos críticos "sérios" e de toda a blogosfera: eu gostei de "Anjos e Demônios". Inclusive acredito que seja, até agora, o segundo melhor blockbuster hollywoodiano de 2009. O primeiro, obviamente, é o "visionário" filme de super-heróis do Zack Snyder, que fica ainda melhor diante de bombas do calibre do "Wolverine" ou do "The Spirit".

Isso quer dizer que "Anjos e Demônios" é um graaaaande filme? Não, não é. Mas garante umas boas duas horas de diversão sem muita enrolação. Porque, sabem, "só trabalho sem diversão faz de Jack um bobalhão"...

"Anjos e Demônios" é baseado em outra obra de Dan Brown, o mais famoso "escritor de livros de rodoviária" dos Estados Unidos, e praticamente traz de volta toda a equipe técnica responsável pelo péssimo "O Código Da Vinci" em 2006: o diretor Ron Howard, o astro Tom Hanks e o "roteirista" (sim, as aspas significam ironia) Akiva Goldsman, aquele mesmo senhor que escreveu coisas como "Eu Sou a Lenda" e "Batman & Robin".

Bem, para começo de conversa, "Anjos e Demônios", o filme, é bem melhor que "O Código Da Vinci", o filme - o que não quer dizer muita coisa, dada a extrema ruindade da associação anterior entre Ron Howard, Tom Hanks, Akiva Goldsman e um livro de Dan Brown.


Pelo visto, a trupe toda aprendeu com os erros da primeira adaptação, quando, na ânsia de serem fielmente reverentes à mirabolante trama escrita por Brown, acabaram com um monstruoso e prolixo filme ruim repleto de diálogos expositivos e personagens que precisavam explicar as coisas tintim por tintim enquanto andavam ou corriam, para dar tempo de adaptar toda a história do livro.

O novo filme tem dois grandes acertos. O primeiro é não ser tão reverente à literatura de rodoviária de Dan Brown, mudando-a e modelando-a para o universo cinematográfico. Algumas coisas ficaram piores que o livro, risco que sempre se corre nesse tipo de adaptação; mas a maioria das mudanças aqui foi para melhor. O segundo grande acerto é transformar em seqüência uma trama que, no livro, era anterior a "O Código Da Vinci". Assim, o Robert Langdon do filme "Anjos e Demônios" é o Robert Langdon que comeu o pão que o diabo amassou em "O Código Da Vinci" e sabe que a Igreja Católica é um ninho de cobras e de mentiras.

Filme e livro se passam após a morte do Papa (um pontífice fictício, obviamente) e durante a realização do conclave dos cardeais para elegerem seu sucessor. O mais irônico é que o livro de Brown foi publicado em 2000, alguns anos antes da morte do Papa João Paulo II na vida real, quando pouca gente sabia como era o ritual de eleição de um novo pontífice - coisa que a mídia tratou de explicar detalhadamente na época da eleição do atual Bento XVI.


A trama começa com o assassinato de um cientista do projeto LHC, e segue com o seqüestro dos quatro cardeais mais cotados para assumir o cargo mais importante da Igreja Católica. A responsabilidade recai sobre uma misteriosa sociedade secreta chamada Illuminati, que pregava a ciência e a razão ao invés da religião, e por isso seus membros foram caçados e mortos pela Igreja séculos antes. Agora, eles aparentemente voltaram à ativa e pretendem se vingar não só matando os quatro cardeais, mas também fazendo explodir uma bomba de anti-matéria (não pergunte...) bem no centro da Praça de São Pedro, no coração do Vaticano.

E como o simbologista norte-americano Langdon havia escrito um livro sobre os Illuminati, ele é convocado para ir até o Vaticano ajudar nas investigações, ao lado da bela cientista Vittoria Vetra (interpretada por Ayelet Zurer). Langdon cita uma lenda sobre os quatro "Altares da Ciência" escondidos pelos Illuminati em igrejas de Roma, e que representariam os quatro elementos (água, ar, fogo e terra); seguindo-os, seria possível chegar ao "Caminho da Iluminação", onde o herói acredita estar a solução para impedir as mortes e encontrar a tal bomba.

Durante a aventura pela Itália, a dupla é ajudada pelo camerlengo (nome dado ao assessor pessoal do falecido Papa), interpretado por Ewan McGregor, e atrapalhada pelo comandante da Guarda Suíça, interpretado por Stellan Skarsgård.

A estrutura básica de "Anjos e Demônios" é muito parecida com a de "O Código Da Vinci": Langdon e sua parceira feminina passam o filme caçando pistas escondidas em velhas igrejas reais e em obras de artes reais, principalmente as esculturas do artista italiano Gian Lorenzo Bernini. Outras famosas figuras históricas, como Rafael e Galileu Galilei, são citadas o tempo inteiro.


Isso quer dizer que "Anjos e Demônios" é uma cópia xerox de "O Código Da Vinci"? Bom, na verdade é justamente o contrário, pois nas livrarias ele foi lançado ANTES de "O Código Da Vinci". O que ocorre é que o autor Dan Brown, apesar de hábil em manipular o suspense e a atenção do leitor, é um escritor medíocre e repetitivo, pois os livros têm estrutura praticamente idêntica. Aliás, analisando friamente, é a MESMA HISTÓRIA, com pequenas alterações. Se duvida, confira:

- Nos dois livros, o simbologista Robert Langdon investiga um mistério cujas pistas estão espalhadas em prédios históricos (igrejas italianas em "AED", igrejas francesas em "CDV") e obras de arte (as esculturas de Bernini em "AED" e os quadros de Da Vinci em "CDV")

- Ambos começam com o assassinato de uma figura proeminente (um famoso cientista do projeto Grande Colisor de Hádrons em "AED", o curador do Museu do Louvre em "CDV")

- Langdon é ajudado por uma garota diferente em cada livro, mas a dita cuja sempre é ligada por algum laço de família ao tal primeiro assassinado de cada livro (filha adotiva do cientista assassinado em "AED", num detalhe eliminado do filme, e "sobrinha adotiva" do curador do Louvre assassinado em "CDV"). Para piorar, Langdon não pega nenhuma das duas!!!

- O casal sempre precisa correr contra o relógio para decifrar os enigmas (em "AED" para tentar evitar a morte dos quatro cardeais, em "CDV" porque são perseguidos pela polícia)

- Uma misteriosa sociedade (Illuminati em "AED", Opus Dei em "CDV") sempre parece estar por trás dos crimes

- O grande vilão que articula tudo é apresentado apenas como "Mestre", e sua identidade só é revelada nas páginas finais. Mas, nos dois livros, Brown usa a mesmíssima tática: jogar a culpa num personagem nada simpático (o chefe da Guarda Suíça em "AED" e o inspetor de polícia em "CDV") para depois revelar que o culpado era o menos suspeito de todos, em ambos os casos um aliado dos heróis (bom, essa eu não vou entregar para não estragar a surpresa).



Com tanto em comum entre os dois livros, ainda bem que o roteiro de "Anjos e Demônios" faz o favor de mudar algumas coisas e deixar outras de lado. O novo filme também corrige o principal defeito da adaptação de "O Código Da Vinci": o excesso de informação. Este novo roteiro de Goldsman (argh!) e David Koepp enxugou ao máximo o texto original, mas mantendo a essência.

Assim, apesar de várias bobagens aqui e ali, "Anjos e Demônios" até consegue criar suspense e tensão em alguns momentos, já que agora Langdon está correndo contra o relógio para tentar impedir quatro mortes e evitar uma tragédia na Praça de São Pedro - ao contrário da outra aventura, em que ele buscava apenas liv'rar o próprio pescoço. Ao contrário do livro, o destino do quarteto de cardeais é diferente no filme, o que garante algumas surpresas para quem já leu a obra (ao contrário do que acontecia em "O Código Da Vinci").

Embora volta-e-meia o filme sofra do mal "muito enfeite para pouca informação" (como o injustificável excesso de efeitos computadorizados durante a experiência com anti-matéria, no início), os produtores ganham pontos por "diminuir" vários absurdos gritantes do texto de Dan Brown (digamos apenas que Langdon também estava no helicóptero na cena final, para quem já viu o filme mas não leu o livro, e escapava da morte de um jeito à la McGyver!), e também por eliminar clichês como o seqüestro da mocinha pelo vilão (sim, isso também acontecia no livro!).


Porém o mais interessante de "Anjos e Demônios", o filme, é o contraste gritante entre os rituais seculares da Igreja Católica, cheios de frescuras seguidas à risca (da destruição do anel do Papa morto até o excesso de detalhes da preparação do conclave), com o mundo moderno da tecnologia e da ciência. Chega a ser irônico ver o conclave seguindo regras medievais numa cena e os cardeais utilizando telefones celulares e filmadoras digitais no momento seguinte (bem como usar fumaça preta/fumaça branca em plena era da informática!). Também chama a atenção a alta tecnologia de preservação dos documentos nos arquivos secretos do Vaticano.

Infelizmente, o roteiro de Goldsman e Koepp não escapa de furos gritantes, que parecem insultos à inteligência do espectador. O principal deles é o assassino anônimo (interpretado pelo ótimo Nikolaj Lie Kaas), que é implacável e sangue-frio na hora de matar cardeais, policiais e até agentes especiais do Vaticano, mas nunca atira em Langdon ou Vittoria, mesmo tendo ao menos umas cinco chances de fazê-lo ao longo do filme. A cena mais ridícula, inclusive, é aquela em que o assassino rende a dupla de heróis, mas solta algo do tipo "Não tenho motivos para matá-los, a não ser que vocês me sigam", e realmente vai embora sem atirar neles, apesar de ter matado muita gente antes por menos que isso!


E "Anjos e Demônios" provavelmente entrará para a história do cinema como um dos maiores desperdícios de talentos já filmados, pois astros como Tom Hanks e Ewan McGregor e grandes atores como Stellan Skarsgård e Armin Mueller-Stahl passam pelo filme sem nem tentar interpretar, em atuações nada memoráveis, dignas de novela das seis. Do jeito que está, podia até ser C. Thomas Howell no papel principal que ninguém iria perceber.

O mesmo vale para o diretor Ron Howard: parece que ele ficou dormindo no set e deixou o eletricista filmar. Dá para contar nos dedos as cenas realmente marcantes - uma delas é a exumação do falecido Papa.

Mas, somando prós e contras, o resultado é um passatempo bastante aceitável, um blockbuster disfarçado de "filme culto" que realmente diverte e prende a atenção, ainda que seja facilmente esquecível. E é uma aventura que cumpre melhor o papel de levar alguma cultura às massas, de Bernini a Galileu, do que a maioria dos programas supostamente "educativos" da Rede Globo, por exemplo.

Como o Indiana Jones do século 21 está muito ocupado caçando alienígenas, ainda bem que sobrou o Robert Langdon para resolver interessantes mistérios históricos baseados em relíquias reais. Entre a "Caveira de Cristal" e esse aqui, fico com o Langdon!


PS: É bom não encarar tudo o que Dan Brown escreve como verdade absoluta (como fizeram também com "O Código Da Vinci"), pois basta pesquisar um pouco para perceber a quantidade de informações equivocadas presentes tanto no livro quanto no filme "Anjos e Demônios". Por exemplo: o Papa João Paulo II extinguiu a eleição de um novo Papa por aclamação em 1996; o camerlengo deve sempre ser um cardeal, e não um padre, como no filme; com a morte de um Papa, o poder da Igreja passa para um grupo de cardeais, e não para o camerlengo, e por aí vai...



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