O DÓLAR FURADO (1965)
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O DÓLAR FURADO (1965)



Você sabe que fez parte da Era de Ouro do VHS no Brasil se alguma vez o seu pai chegou em casa com a velha fitinha do bangue-bangue O DÓLAR FURADO - aquela mesma que ele já havia assistido e reassistido inúmeras vezes em outras oportunidades -, e o tema inconfundível de Gianni Ferrio ecoou pela sala em glorioso som mono, cheio de chiado, mas mesmo assim assobiado a plenos pulmões pelo seu velho.

Considerado um clássico do western spaghetti, O DÓLAR FURADO na verdade tem bem pouco em comum com outras obras bem mais famosas do ciclo - além, é claro, do óbvio fato de também ter sido produzido na Itália.

O filme foi dirigido por Giorgio Ferroni (recém-saído dos "peplums", aquelas aventuras épicas baratas produzidas na Terra da Bota) em 1965. No ano anterior, 1964, Sergio Leone lançara "Por um Punhado de Dólares", considerado por muitos pesquisadores a epítome, a obra inaugural, a pedra fundamental do western spaghetti, e largamente imitado a partir de então.


O DÓLAR FURADO, entretanto, não teve tempo de pegar carona no ciclo, e seus realizadores ainda imitavam a fórmula bem-sucedida (e bem mais comportada) daqueles westerns norte-americanos certinhos do período, como "Os Brutos Também Amam" (1953) e "Sete Homens e um Destino" (1960). Assim, não há anti-heróis cafajestes vestidos de negro e com barba por fazer, nem tiros pelas costas, nem violência nua e crua, nem sujeira e roupas em farrapos, muito menos a ironia que marcou os verdadeiros western spaghetti.

O herói comportado, limpinho e bem barbeado é encarnado por Giuliano Gemma, considerado o primeiro grande astro do faroeste italiano, aqui em seu primeiro papel em filmes do gênero, também saído das produções "peplum" com Hércules e Macistes genéricos.


Como o filme tenta se passar por produção norte-americana ("estratégia de marketing" muito comum na época), todo mundo esconde seus nomes de batismo com pseudônimos em inglês. Gemma optou por "Montgomery Wood", nome pomposo que só usaria em mais dois filmes antes de assumir o seu nome verdadeiro.

Embora não siga de perto os cânones do western spaghetti, o diretor Ferroni (rebatizado "Calvin Jackson Padget" nos créditos iniciais!) copia pelo menos as vinhetas animadas nos créditos iniciais, que se tornariam um referencial do subgênero depois de "Por um Punhado de Dólares".


O DÓLAR FURADO começa com o final da Guerra da Secessão, entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos. Gary (Gemma) e Phil O'Hara (Nazzareno Zamperla, ou "Nick Anderson") são dois irmãos confederados (os sulistas, lado derrotado da batalha) que estão entre os diversos soldados libertados de um campo de prisioneiros de guerra.

Como uma espécie de humilhação, os nortistas (vencedores da guerra) devolvem aos derrotados seus revólveres com os canos serrados - o que arruína completamente a mira da arma.


Sem perspectivas de vida após o final do conflito, os irmãos se separam: Phil resolve seguir para o Oeste em busca da sorte grande, e Gary volta para seu velho rancho, onde reencontra a esposa Judy (Ida Galli, ou "Evelyn Stewart").

Algum tempo depois, Gary também resolve tentar a sorte e segue os passos do irmão até a cidade de Yellowstone, dominada por um figurão, McCory (Pierre Cressoy, ou "Peter Cross"), que está forçando os pequenos fazendeiros a venderem suas propriedades a preço de banana - coisa típica de vilão de western.


Num argumento parecido com tragédia grega, Gary é engambelado por McCory e convencido a matar um "sanguinário bandido" chamado Black Eye, que, na hora H, descobre ser seu próprio irmão Phil!

O saldo da brincadeira é que Phil/Black Eye é morto pelos homens de McCory, e Gary acaba sendo mortalmente atingido com um disparo no coração, mas salvo milagrosamente por uma moeda de dólar que levava no bolso e que desviou a trajetória da bala - o "dólar furado" do título.


De volta do mundo dos mortos, Gary corta a barba e o bigode e, de cara limpa, infiltra-se no bando de McCory para semear a discórdia e acabar com todos os facínoras. Mas a situação se complica quando a "viúva" Judy aparece na cidade em busca de notícias do marido.

Muito diferente dos filmes de Leone, Corbucci e cia, O DÓLAR FURADO tem um clima de ingenuidade que às vezes chega a irritar, principalmente porque o mocinho interpretado por Giulianno Gemma é bonzinho DEMAIS. Até mesmo sua vingança lhe é roubada na cena final, quando a população da cidade impede que Gary mate um desafeto desarmado, e os próprios cidadãos fazem justiça com suas pistolas.


Embora o filme de Ferroni seja muito bem dirigido, contornando com habilidade as limitações de orçamento e produção, a narrativa é excessivamente lenta, dando ao herói pouquíssimas oportunidades de sacar seu revólver para passar chumbo nos bandidos. Pelo contrário, Gary prefere usar a astúcia, jogando os criminosos uns contra os outros e deixando que os próprios se matem!

Mesmo assim, há algumas coisas bem interessantes neste "pré-western spaghetti", como a idéia dos canos serrados das armas, uma curiosa alusão à castração e à perda de masculinidade. Embora faltem bons tiroteios no filme, o duelo final entre O'Hara e McCory, envolvendo um destes revólveres sem o cano, é antológico - talvez a coisa mais memorável de O DÓLAR FURADO depois da música-tema.


E num filme que é bem comportado na maior parte do tempo (sem sangue ou buracos de bala nas trocas de tiros, algo que só viraria moda anos depois), duas cenas surpreendem pela violência.

A primeira é a morte de um dos capangas de McCory, que leva uma punhalada no pescoço. A segunda é o espancamento de O'Hara pelos bandidos, que culmina com uma tortura sádica e inusitada: o herói é deixado amarrado ao sol com a boca cheia de... sal!!!

O DÓLAR FURADO foi um sucesso estrondoso na Itália e alavancou a carreira de Giulianno Gemma, que a partir de então se tornaria figurinha carimbada dos faroestes feitos no país.


No mesmo ano, ele apareceria também em "Adiós Gringo", dirigido por Giorgio Stegani. Com o pseudônimo "George Finlet", Stegani escreveu O DÓLAR FURADO ao lado de Ferroni, e levou para "Adiós Gringo", além de Gemma, boa parte do elenco deste filme: Ida Galli, Pierre Cressoy e vários figurantes (sabe como é, em time que está ganhando não se mexe...).

A verdade é que o astro faria produções muito melhores nos anos seguintes, especialmente "O Dia da Ira", e Tonino Valerii, e "Quem Dispara Primeiro?", de Giulio Petroni.


E, como aconteceu com Terence Hill e Trinity, Gemma ficou associado eternamente ao personagem "Ringo": embora tenha interpretado Ringo em único filme ("Uma Pistola Para Ringo"), vários de seus trabalhos posteriores ganharam títulos "alternativos" como o nome Ringo, mesmo que interpretasse personagens com outros nomes.

Uma das produções posteriores dirigidas por Ferroni e estreladas por Gemma, por exemplo, chama-se "Per Pochi Dollari Ancora" (Por Alguns Poucos Dólares), mas no Brasil o título foi "Ringo Não Perdoa" (1966).

Por sinal, "Per Pochi Dollari Ancora" é considerado uma espécie de continuação de O DÓLAR FURADO - neste caso seria uma "prequel", já que o personagem de Gemma é um soldado confederado durante a guerra (e também se chama Gary, embora tenha outro sobrenome, Diamond).


Ainda que visivelmente datado, e lento demais na maior parte do tempo, O DÓLAR FURADO continua tendo o mérito de ter iniciado toda uma geração (este que vos escreve inclusive) no ciclo do western italiano, graças às já citadas fitinhas VHS que foram um verdadeiro fenômeno nos primórdios do vídeo no Brasil. Locadora que se prezasse tinha que ter o filme do Ferroni na estante, ou perdia dinheiro.

Em DVD, o filme ganhou algumas edições péssimas e uma surpreendente cópia de ótima qualidade lançada por uma revista virtual, a Showtime. Essa é a única que vale comprar: traz o áudio original em italiano e imagem cristalina em widescreen, sem os abomináveis cortes laterais para a imagem "caber na tela", que muitas distribuidoras ainda adotam (esquecendo que a Era do VHS já acabou faz anos).


Enfim, é aquele tipo de filme antológico que é obrigatório conhecer, nem que seja para ficar assobiando a inesquecível música-tema, que posteriormente foi parar em filmes tão díspares quanto "Patricia Gennice" (uma produção independente dirigida por... eu mesmo!) e "Bastardos Inglórios", de Quentin Tarantino - mas que fique registrado que eu usei a música antes dele!!!

PS: Embora lembrado com carinho pelos fãs de western spaghetti, hoje Giuliano Gemma vive meio abandonado lá na Terra da Bota, fazendo pequenas participações em minisséries e filmes da TV italiana. Ele completou 72 anos no começo de setembro, e merecia um pouco mais de consideração por ter sido um ídolo para diversas gerações.

Trailer de O DÓLAR FURADO



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O Dólar Furado (Un Dollaro Bucato/
One Silver Dollar1965, Itália/França)

Direção: Calvin Jackson Padget (Giorgio Ferroni)
Elenco: Montgomery Wood (Giuliano Gemma), Evelyn
Stewart (Ida Galli), Peter Cross (Pierre Cressoy) e
Max Dean (Massimo Righi).



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