DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL é o último dos três "crossovers" produzidos na Itália no começo dos anos 1970 para tentar atrair fãs destes dois mitos do western spaghetti. E se os dois filmes anteriores não passavam de trasheiras que desperdiçavam a presença dos famosões ("Django Desafia Sartana" e "Django e Sartana no Dia da Vingança", ambos dirigidos pelo famigerado Demofilo Fidani), este aqui surpreende por ser uma aventura bem decente.
Além disso, ao contrário daquelas duas produções dirigidas por Fidani, em que Django e Sartana dividiam poucas cenas, e sem mostrar nenhum duelo entre os personagens, aqui ambos aparecem juntos na maior parte do tempo. E, sim, finalmente vemos um confronto entre os heróis, embora a peleja termine empatada - provavelmente para não enfurecer os fãs de um ou de outro personagem.
O filme foi escrito e dirigido por Pasquale Squitieri (com o pseudônimo "William Redford"), e este é o primeiro dos dois únicos westerns assinados por ele. Injustamente esquecido hoje, Squitieri dirigiu vários filmes policiais/políticos entre as décadas de 70 e 80, como "Camorra" (1972), "L'Ambizioso" (1975) e "O Prefeito de Ferro" (1977), com Giuliano Gemma, este último reprisado inúmeras vezes pelo SBT na Sessão das Dez de tempos longínquos.
O cineasta também detém a distinção de ter dirigido a musa Claudia Cardinale nove vezes, além de (dizem as fofocas) ter sido o responsável direto pelo fim do casamento dela com o produtor de cinema Franco Cristaldi em 1975, já que os dois vivem juntos desde então! Conversas de comadres à parte, Squitieri tem uma filmografia muito interessante que merece ser (re)descoberta, especialmente suas obras sobre a máfia napolitana.
Nas resenhas de "O Iluminado", muitos críticos reclamaram que Stanley Kubrick era muito "cerebral" para fazer horror. Bem, o mesmo se aplica a Pasquale Squitieri, que também pode ser considerado muito cerebral para fazer western spaghetti. Por isso, DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL foge um pouco daquele tipo de aventura rápida e simplória produzida na Itália da época, preferindo buscar enquadramentos diferentes, com uma fotografia deslumbrante e longos momentos de silêncio.
Pois é justamente aí que reside o charme do filme: enquanto diversos dos "Sotto-Djangos" (Sub-Djangos) eram produções meia-boca, produzidas e dirigidas de qualquer jeito por cineastas de quinta categoria, com o objetivo único de faturar com o nome do personagem no título, este aqui foi realizado com esmero e cuidado, como se Squitieri tivesse esquecido que dirigia uma aventura não-oficial de Django e Sartana e realmente quisesse mostrar serviço e fazer algo "diferente".
Na trama, Django (nesta encarnação interpretado por Tony Kendall) vive na cidade de Tombstone com seu irmão Steve (John Alvar). Peraí... irmão? Sim, desta vez Django tem um irmão, e este irmão sequer tem um nome tão sofisticado quanto o do herói. Mas não se esqueçam que, num outro "Sotto-Django", ele também teve irmã (isso aconteceu em "Django Não Espera... Mata").
Steve trabalha no banco local, dirigido por Singer (Bernard Farber, de "O Dólar Furado"). E justamente no dia em que Django está fora da cidade, ajudando o xerife e seus homens a caçar uma perigosa quadrilha de bandidos, aparece o misterioso Sartana (George Ardisson), que tem fama de criminoso e ladrão de bancos - embora não seja nem um, nem outro, mas apenas um anti-herói silencioso e meio assustador.
Preocupado com a segurança do dinheiro guardado em seus cofres, Singer convence Steve a oferecer uma propina de alguns milhares de dólares para que Sartana deixe a cidade sem assaltar o banco. Mas, como já sabemos, Sartana não é nenhum assaltante; portanto, ele desdenha da proposta do rapaz e devolve o dinheiro.
Pois eis que no dia seguinte o banco realmente é assaltado, e no processo Singer acaba sendo morto pelo criminoso. A população revoltada procura por um culpado, mas Sartana não está mais na cidade. Sobra para o pobre Steve, que é encontrado no bordel local, nos braços de uma dançarina, e ainda com a grana da propina que tinha recebido do diretor do banco na véspera. Furiosos, os moradores o acusam de ser cúmplice de Sartana. E, sem pensar nas consequências dos seus atos, lincham e enforcam o pobre bancário!
É claro que seu irmão Django não vai gostar nada disso. Principalmente quando volta à cidade e encontra Steve ainda pendurado pelo pescoço, balançando na chuva (uma bela cena, por sinal). Quando os assustados moradores lhe explicam a história toda, Django decide limpar o nome do irmão caçando e matando Sartana, que considera o grande culpado. E o encontra. E tenta matá-lo. E os dois se enfrentam numa pancadaria épica (especialmente para quem esperava algo do gênero nos dois "crossovers" dirigidos por Fidani, e ficou chupando o dedo).
Mas, depois de muitas porradas, os heróis resolvem esfriar a cabeça e pensar um pouco. Sartana explica que não tem nada a ver com o entrevero, e Django começa a desconfiar que alguém arquitetou um ousado plano para transformar Steve em bode expiatório do roubo ao banco. Juntas, as duas lendas do western spaghetti começam a investigar o caso - e coitado do verdadeiro responsável pelo crime!
Apesar desse toque de mistério policial (a investigação do verdadeiro criminoso, embora seja algo meio previsível porque não existem tantos personagens na trama), a melhor parte de DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL é, obviamente, o tal "duelo mortal"entre os dois personagens, que na verdade não chega a ser "mortal" como anuncia o título brasileiro, mas é bem decente (nada de propaganda enganosa dessa vez!).
Primeiro, Django e Sartana esporeiam seus cavalos em direção um do outro, e então finalmente trocando golpes com suas winchesters, como se fossem espadas, até caírem ambos das selas! Para o leitor ter uma ideia melhor de como isso é épico, imagine a luta final entre Tom Cruise e Dougray Scott em "Missão Impossível 2", só que trocando as motocicletas velozes por cavalos!
Depois, a dupla rola assustadoramente por um barranco de altura considerável (o que certamente deve ter deixado os dublês com arranhões até nos tímpanos!), e aí decidem deixar os revólveres de lado para sair no braço. Fãs de Django, de Sartana ou dos dois juntos certamente vão curtir muito a troca de sopapos, filmada com violência e ódio, como se os dois protagonistas realmente estivessem se surrando de verdade!
E embora a conclusão do "duelo mortal" seja com o esperado empate técnico, ao invés do óbito de uma das partes, esta pancadaria é o mais perto que Django e Sartana chegaram de um duelo em seus três encontros cinematográficos, o que torna DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL um filme obrigatório para os fãs dos personagens.
Assim que identificam o verdadeiro autor do crime (e o responsável direto pela morte do irmão de Django), os heróis partem para a fortaleza do vilão, acompanhados por um amigo mudo de Django (José Torres), e iniciam um duelo infernal, com larga contagem de cadáveres e muitas cenas legais - digamos apenas que Django começa a punir o grande vilão dando-lhe um tiro na orelha, o que talvez seja uma citação à famosa cena da orelha arrancada no "Django" de Corbucci!
DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL é apenas o segundo filme de Squitieri, que no ano anterior (1969) havia dirigido um dramalhão chamado "Io e Dio". Quem o convidou para estrear no western spaghetti foi o produtor Roberto Bessi, que nos anos 80 se associaria à Empire Pictures de Charles Band, ajudando a produzir famosos filmes de horror daquela década, como "Do Além", de Stuart Gordon, e "Perversão Assassina", de David Schmoeller.
Há relatos de que o processo de filmagem desta aventura foi tão violento quanto a briga de socos entre Django e Sartana. Em seu primeiro western, Squitieri quis fazer algo longo e épico, com muitos tempos-mortos e momentos reflexivos. Em entrevista reproduzida no livro "Dizionario del Western all'italiana", de Marco Giusti, o produtor Bressi explicou o caso: "Squitieri estava tentando fazer um faroeste como os de Sam Peckinpah, e filmou cenas demais. Mas quando entregamos o material a um editor experiente (Amedeo Giomini), ele o deixou muito curto, com apenas uma hora de duração".
Diante da recusa do diretor de filmar mais cenas adicionais para fechar um longa-metragem, Bressi teria chamado Sergio Garrone (diretor de "Django, O Bastardo") para rodar cenas adicionais, o que talvez justifique uma certa indefinição da obra entre a seriedade e o humor em alguns momentos.
De qualquer forma, hoje ninguém sabe dizer o que foi filmado por Squitieri e o que foi refeito por Garrone, e nem mesmo o IMDB traz a informação de que o segundo teria participado da equipe como diretor não-creditado. Na dúvida, deixo a hipótese em aberto: acredita no produtor quem quiser! O autor Marco Giusti também falhou em resolver o mistério: em entrevistas que conduziu, um dos astros do filme, Kendall, confirmou que Garrone esteve no set, enquanto o outro, Ardisson, garantiu que foi Squitieri quem filmou tudo.
O próprio Squitieri não tem boas recordações da época, e disse, em entrevista ao mesmo livro, que só fez seus dois westerns spaghetti "pelo dinheiro e para ganhar experiência, porque nunca frequentei uma escola de cinema". Mas releve a opinião ranzinza do sujeito, porque tanto DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL, quando o seu faroeste posterior - "A Vingança é um Prato que Se Serve Frio" (1971) - são dois belos filmes, recomendadíssimos para fãs do gênero.
Os dois atores principais não são figuras tão comuns no gênero (ao contrário de, por exemplo, Gianni Garko em "10.000 Dólares para Django" ou Anthony Steffen em "Django, O Bastardo"), o que torna a coisa toda ainda mais curiosa. O italiano Tony Kendall (nome de batismo: Luciano Stella) era mais conhecido na época por ter interpretado o personagem de romances policiais 'Kommissar X" em sete co-produções ítalo-alemãs. Anos depois, ele faria o papel principal em "O Retorno dos Mortos-Vivos" (1973), do espanhol Amando de Ossorio.
Embora diversos outros atores já tivessem interpretado o personagem até então, Kendall consegue compor um Django só seu, menos calado e violento, e mais humano e emotivo (talvez seguindo os passos de Gianni Garko em "10.000 Dólares para Django"). A bem da verdade, pouco ou nada nele lembra o Django de Franco Nero, nem sequer as roupas, já que aqui o herói tem preferência por trajes mais claros e menos soturnos, e no início usa até um poncho!
Aliás, é incrível como Kendall está idêntico ao Armand Assante neste filme, e no ano seguinte (1971), graças ao "milagre" das redublagens em outros países, voltou a interpretar "Django" em "Sartana - Uma Pistola e 100 Cruzes", de Carlo Croccolo. Na verdade, seu personagem originalmente chamava-se "Santana", mas em alguns países ele foi rebatizado como Django, e em outros (tipo o Brasil) como Sartana!
Por falar nele, George Ardisson (nome de batismo: Giorgio Ardisson) interpreta um Sartana bem parecido com o personagem oficial de Gianni Garko. Bem, pelo menos no figurino. Seu comportamento, entretanto, se assemelha mais ao Django de Sergio Corbucci, fazendo aquele tipo calado e perigoso, ao contrário do Sartana fanfarrão da série oficial.
Antes de Sartana, Ardisson já tinha interpretado Zorro numa série de aventuras não-oficiais do personagem (como "Zorro, O Justiceiro Mascarado", de Guido Zurli), e também uma cópia italiana de James Bond, o agente 3S3, em duas produções baratas dirigidas por Sergio Sollima.
Além do elenco, o que realmente diferencia esta obra de tantos outros "Sotto-Djangos" produzidos no período é o cuidado visual e os ângulos de câmera inusitados buscados por Squitieri e por seu diretor de fotografia Eugenio Bentivoglio (com quem o cineasta trabalharia quase sempre a partir de então).
É um contraste muito grande quando você compara o filme com outras aventuras picaretas de Django dirigidas por Edoardo Mulargia ou Demofilo Fidani; eu até diria que este aqui é sofisticado demais para ser apenas uma aventura picareta de Django, e que com certeza o diretor tinha maiores pretensões do que apenas fazer um produto descartável para consumo rápido.
Por exemplo, a montagem faz belo uso de "freeze frames" em momentos importantes, como a chegada de Sartana na cidade e o linchamento de Steve, além de curiosas associações entre cenas diferentes: quando o grande vilão é molhado pelo vinho que vaza de um barril furado a tiros por Django, a montagem imediatamente alterna este momento com a cena anterior do cadáver enforcado de Steve balançando na chuva!
DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL também tem um belo elenco feminino, composto pela péssima atriz, mas gracinha Adler Gray, como a moça boazinha, e por Mirella Pamphili ("Boot Hill") como a malvada assecla do vilão. Esta última tem direito a uma cena pavorosa, quando morre pisoteada por cavalos, mas percebe-se claramente que as patas dos animais estão a metros de distância da atriz enquanto ela se contorce exageradamente pelo chão!
Falando em cavalos, uma curiosidade dos bastidores é que a produção economizou uma graninha alugando cavalos NÃO-ADESTRADOS para os atores, o que nem sempre funcionou bem. Isso é perceptível em várias cenas, mas principalmente naquela em que os dois heróis se encaram antes da sua luta, pois o animal cavalgado por Django simplesmente não pára quieto!
Outra curiosidade é que a trilha sonora de Piero Umiliani reaproveita algumas (se não todas) as músicas compostas por ele para outro "Sotto-Django", o ruinzinho "O Filho de Django", incluindo a música-tema deste, o que simplesmente não faz sentido. Afinal, a letra da canção cita diretamente a morte de Django e a busca de vingança de seu filho ("They call him Django / A coward gun him down / I won't rest easy / Until that coward is found. / I kill for Django / And for his memory / He was my father / A man of high degree"), mas aqui Django não morre e sequer tem filho (e a letra da música nunca cita Sartana)!
Ao lado de filmaços como "Viva Django!" e "10.000 Dólares para Django", DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL é a prova de que você pode demonstrar esmero e sofisticação mesmo numa aventura não-oficial (picareta, dirão alguns) de um personagem famoso, entregando um produto final que se sobressaia e que pode ser visto como um ótimo filme independente da inevitável comparação com o original. Não por acaso, eu o colocaria tranquilamente num Top 5 dos "Sotto-Djangos".
Infelizmente, outros realizadores não pensavam da mesma forma e nem seguiram este exemplo, optando por continuar fazendo aventuras medíocres apenas para faturar uns trocos com o nome do famoso personagem, conforme veremos nos capítulos finais da MARATONA VIVA DJANGO!.
E se você acha que juntar Django e Sartana numa mesma aventura foi o auge da picaretagem da italianada, saiba que em 1963 um certo Umberto Lenzi (aquele mesmo dos filmes sobre canibais) dirigiu "Zorro Contra Maciste", um absurdo "crossover" que reúne personagens DE ÉPOCAS DIFERENTES (Maciste é dos tempos dos gladiadores, Zorro do século 19!). Perto disso, Django x Sartana é fichinha, e podiam até colocar o Trinity e o Ringo no bolo também!
PS: Este filme foi vítima da dança dos títulos, bastante comum aqui no Brasil. Embora ele tenha sido lançado em VHS como "Django x Sartana - Duelo Mortal" (e optei por este para a resenha), nos cinemas e em DVD o nome adotado foi "Django Desafia Sartana", uma tradução literal do original italiano. O problema é que este foi o mesmo título dado para "Quel Maledetto Giorno d'inverno... Django e Sartana all'ultimo Sangue", de Fidani, em VHS e DVD (embora nos cinemas o filme tenha sido lançado com uma tradução mais apropriada, "Django e Sartana - Até o Último Sangue").
Trailer de DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL
******************************************************* Django Sfida Sartana (1970, Itália) Direção: Pasquale Squitieri Elenco: Tony Kendall, George Ardisson, José Torres, Bernard Farber, Adler Gray, Mirella Pamphili, John Alvar, Teodoro Corrà e Fulvio Mingozzi.
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