Os filhotes do "filme visionário"
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Os filhotes do "filme visionário"



Lembra quando eu escrevi, lá atrás, que sempre achei a graphic novel "Watchmen" infilmável, e que mesmo com a fidelidade mostrada no filme de Zack Snyder continuava pensando do mesmo jeito?

Pois agora os produtores da versão cinematográfica estão começando a lançar os primeiros filhotes do "filme visionário" (sim, isso é uma ironia), ou "spin-offs" de WATCHMEN - O FILME, com o objetivo de ampliar o universo fantástico concebido por Alan Moore e Dave Gibbons. Especialmente para aqueles que nunca leram os quadrinhos e, de certa forma, devem ter ficado boiando no cinema, ou pelo menos não entenderam certas coisas como deveriam.

Para estes: "Watchmen", no gibi, não era apenas uma historinha de super-heróis, muito pelo contrário. Ao final de cada um dos 12 capítulos, os autores apresentavam trechos de livros, páginas de revistas com entrevistas, correspondências, reproduções de jornais... Enfim, um monte de material fictício envolvendo os personagens da história, e que ajudava a mergulhar o leitor naquele mundo bizarro através de TONELADAS de textos (inclusive confesso que, quando li a minissérie pela primeira vez, isso no começo dos anos 90, pulei vários destes textos por pura impaciência, e só fui lê-los agora, ao adquirir a "Edição Definitiva" encadernada).


Na ordem de publicação, as 12 edições originais da graphic novel traziam, como "material extra", capítulos do livro "Sob o Capuz", escrito pelo primeiro Coruja, Hollis Mason, narrando sua carreira como super-herói e o surgimento (e os podres) do grupo de mascarados que ele integrava, os Minute Man; um ensaio de um certo professor Milton Glass sobre a importância do Dr. Manhattan na Guerra Fria, chamado "Dr. Manhattan: O Super-Homem e as Superpotências"; um capítulo de um livro chamado "A Ilha do Tesouro - A Tesouraria dos Quadrinhos", exclusivamente sobre a criação da HQ "Contos do Cargueiro Negro" (que um personagem secundário lê em vários capítulos da graphic novel); documentos retirados do arquivo policial sobre Walter Kovacs (o Rorschach), reproduzindo inclusive redações e desenhos que ele escreveu na infância, quando estava internado em um orfanato; o artigo "Sangue dos Ombros de Palas", publicado por Daniel Dreiberg (o segundo Coruja) num jornal de ornitologia; um exemplar do jornal de direita New Frontiersman defendendo a existência dos heróis mascarados, e com uma reportagem sobre o desaparecimento do escritor dos "Contos do Cargueiro Negro" (um detalhe essencial na graphic novel, mas não-aproveitado no filme com a mudança do final); recortes de jornal e cartas guardadas por Sally Júpiter, a primeira Espectral; cartas de Adrian Veidt ao seu departamento de marketing, sugerindo o desenvolvimento de novos produtos; e finalmente uma entrevista com Veidt num exemplar da revista Nova Express de 1975.

Precisa dizer que pouco ou nada deste material foi aproveitado em WATCHMEN - O FILME? No caso, um dos grandes problemas do filme é a ausência dos capítulos de "Sob o Capuz", que deixou beeeem no ar as histórias sobre o primeiro grupo de heróis e como a experiência acabou mal (o que é mostrado de maneira bem resumida na brilhante seqüência de créditos iniciais do filme, ao som de "The Times They Are A'Changin", de Bob Dylan).


Além disso, o filme não traz a história de piratas "Contos do Cargueiro Negro", que invadia a ação em diversas partes da graphic novel, através de um rapaz que aparece lendo a revista ao lado de um jornaleiro durante a iminência da guerra nuclear entre EUA e Rússia (por sinal, tanto o rapaz quanto o jornaleiro mal aparecem no filme, apenas de relance no final, e devem ter sua participação aumentada na "director's cut").

Eis, então, que agora surgem os "extras" de WATCHMEN para tentar preencher o vazio deixado pela inexistência deste material extra da graphic novel. E em breve estará chegando em DVD no Brasil WATCHMEN - OS CONTOS DO CARGUEIRO NEGRO, que de lambuja também traz o documentário SOB O CAPUZ.

Ao que parece, Zack Snyder e sua trupe filmaram uma quantidade absurda de material extra justamente para tentar adaptar o máximo possível do universo dos quadrinhos. Além destes dois filminhos que estão saindo em DVD, há inúmeros outros jogados diretamente no YouTube, como dezenas de comerciais de TV fictícios dos produtos das empresas Veidt (um deles apresenta o Método Veidt de fisicultura, conforme existia nos quadrinhos); um filme-educativo de 1977 intitulado "The Keene Act and You", que tenta justificar o ato político que encerrou oficialmente a atividade de heróis mascarados nos Estados Unidos; e cenas retiradas do noticíario NBS Nightly News de 1970, falando sobre os fantásticos poderes do Dr. Manhattan, entre outros. Acredito que tudo isso será reunido numa futura "Ultimate Edition" em DVD triplo, só pra faturar uns cobres da galera.

Mas vamos à análise dos primeiros filhos bastardos de WATCHMEN: os quadrinhos "Contos do Cargueiro Negro" foram adaptados para o cinema em forma de desenho animado, neste caso uma animação de 25 minutos escrita por Zack Snyder e Alex Tse (diretor e roteirista do filme) e dirigida por Mike Smith e Daniel DelPurgatorio.


Fica meio estranho assistir assim, deslocado da trama do filme, e confesso que fiquei curioso para saber se a narrativa iria funcionar caso fragmentos da animação fossem incluídos na montagem de WATCHMEN, mais ou menos como acontecia na graphic novel, em que o gibi invadia o gibi. Em todo caso, é uma curiosidade para quem não leu os quadrinhos e quer conhecer a famosa historinha de piratas.


A animação relata o drama de um marinheiro solitário (dublado por Gerald Butler, astro de "300", também dirigido por Snyder) após seu navio e sua tripulação serem destruídos pelo diabólico Cargueiro Negro. Perdido numa ilha no meio do oceano e rodeado apenas pelos cadáveres dos companheiros, ele resolve construir uma "jangada de mortos" (idéia brilhante) para retornar à cidade onde vive e alertar os moradores, especialmente sua esposa e filhos, sobre a iminente chegada dos sanguinários piratas. À medida que atravessa mil perigos, o marinheiro vai enlouquecendo e encaminhando a trama para um final trágico.


Em primeiro lugar, a violência da narrativa original na HQ foi quintuplicada, com muito sangue e detalhes nojentos dos cadáveres decompostos se esfacelando. Uma "liberdade poética" da adaptação são as conversas do náufrago com o cadáver de um dos seus companheiros, de quem, após um ataque de tubarões, o protagonista só consegue salvar a cabeça decepada, que guarda obsessivamente como única companhia na viagem (uma versão escatológica do "Wilson" de "Náufrago", talvez?). Mas a animação ficou realmente muito boa. É uma pena que acabou não sendo encaixada em momento algum do filme.


SOB O CAPUZ na verdade é um episódio do programa (fictício, claro) "The Culpeper Minute", que teoricamente teria sido exibido nos anos 80 e traz uma entrevista com Hollis Mason sobre sua autobiografia, "Sob o Capuz", e assim aproveita para traçar um histórico sobre o surgimento e desaparecimento do primeiro grupo de heróis mascarados dos Estados Unidos, os Minute Man, usando uma tonelada de fotos falsas e filmes de época.

O filminho tem 37 minutos e diversos "intervalos comerciais" com produtos da época (como relógios digitais da Cassio) e outros fictícios, relacionados ao universo da graphic novel (é o caso do perfume Nostalgia, das indústrias Veidt). Foi dirigido por Eric Matthies e escrito por Hans Rodionoff, que se baseou nos capítulos de "Sob o Capuz" reproduzidos na graphic novel e numa entrevista de Sally Júpiter que também aparecia nos quadrinhos.


Embora seja fraquinho como "falso documentário", já que os atores falham em passar a impressão de aquilo tudo é real (principalmente Carla Gugino na sua entrevista como Sally Júpiter), SOB O CAPUZ vale principalmente por apresentar o universo do Minute Men a quem não leu os quadrinhos e portanto não recebeu muitas informações sobre eles através do filme de Snyder.

Utilizando ótimos filmes de época em preto-e-branco, finalmente são mostrados os gloriosos atos dos primeiros heróis dos anos 40 e 50, como Dollar Bill (interpretado por Dan Payne), Capitão Metrópolis (Darryl Scheelar) e Justiça Encapuzada (Glenn Ennis), entre outros.




Este extra também dá mais tempo em cena para o ator Stephen McHattie, que interpreta Mason, o primeiro Coruja, e foi praticamente ignorado no filme (inclusive seu trágico destino nos quadrinhos nem aparece na versão cinematográfica, a não ser que esteja nas cenas a mais que veremos na director's cut de Snyder).


É ele quem mais aparece no documentário, contando ao "repórter" Larry Culpeper (interpretado por Ted Friend) como iniciou sua carreira como policial e resolveu tornar-se herói mascarado para combater o crime após o surgimento do pioneiro Justiça Encapuzada. Seguindo fielmente o texto da graphic novel, Mason relata as dificuldades da época, o surgimento do nome Coruja e até o processo de criação do uniforme, chegando finalmente à formação dos Minute Men.

Na segunda parte do documentário, fala-se sobre a polêmica Lei Keene e seu trágico efeito sobre os heróis mascarados, também seguindo fielmente o texto da graphic novel. Aparecem ainda entrevistas com o psiquiatra que, no filme, é responsável por acompanhar Rorschach após sua prisão; com o marido e empresário de Sally Júpiter, Lawrence Shexnayder; com o ex-vilão Moloch, e com o cientista e amigo do Dr. Manhattan, Wally Weaver, além de uma "tentativa de entrevista" com o Comediante. Todos os atores do filme aparecem de volta aos seus papéis, o que torna o trabalho bastante interessante.


Mas o melhor de SOB O CAPUZ, como escrevi lá atrás, é a reconstituição do universo dos mascarados como se fosse real, tal a riqueza de detalhes, fotografias e filmes de época mostrando os atos dos Minute Men. Fico imaginando o custo e o trabalho que deu para fazer tudo isso APENAS para utilizar num documentário de meia hora, o que dá uma idéia do carinho que o "visionário" Snyder tem pela graphic novel e a sua louvável tentativa de adaptar o máximo possível do texto da HQ para o cinema - embora, infelizmente, eu acredite que apenas uma pequena parcela do público de cinema de WATCHMEN vá perseguir este material extra.

O roteiro de SOB O CAPUZ também toma algumas liberdades poéticas em relação ao texto original escrito por Alan Moore nos quadrinhos, e sempre que o faz é com resultado negativo. Por exemplo, ao abordar a tentativa de estupro da primeira Espectral pelo Comediante (algo que aparece no filme), o documentário mostra uma entrevista com a moça e também com seu marido Lawrence, onde ambos negam veementemente o acontecido. Mas, nos quadrinhos, Sally Júpiter não apenas reconhecia a tentativa de estupro, como ainda perdoava o Comediante numa entrevista.


Infelizmente, o documentário não se aprofunda no triste fim da primeira leva de heróis mascarados, sem mostrar o assassinato de Dollar Bill durante um assalto a banco (porque sua capa ficou presa na porta giratória da entrada!), nem o fato de o Traça ter sido internado num manicômio por problemas relacionados ao alcoolismo (imagens destes acontecimentos são representadas nos créditos de abertura de WATCHMEN, mas é uma pena que não estão aqui também).

Enfim, o que importa é que tanto OS CONTOS DO CARGUEIRO NEGRO quanto SOB O CAPUZ funcionam como inteligentes e riquíssimos materiais extras para ampliar a trama de WATCHMEN aos não-iniciados na graphic novel. E certamente será muito legal ver uma futura edição especial em DVD reunindo todo este material extra e também os vídeos do YouTube, o que dará aos nerds deste planeta material suficiente para uma vida inteira de comparações entre filme e HQ.


Pessoalmente, acho que Snyder e sua trupe fizeram um belo trabalho produzindo este material para poder trabalhar com fatos e informações que não seria possível incluir no filme - a não ser que, como eu escrevi na minha análise anterior, a HQ tivesse sido adaptada na forma de uma minissérie luxuosa em capítulos, o que permitiria trabalhar com todo este material extra integrado à edição. Dado o desrespeito de alguns outros realizadores com a fonte que adaptam (vide "Constantine" e, principalmente, "A Liga Extraordinária"), o esforço do "visionário" (hahahaha) Snyder deve ser reconhecido.

Mas recomendo que ninguém compre o DVD caça-níqueis com estes dois "spin-offs" do filme, já que tudo está disponível livremente na internet. É melhor esperar pela futura edição especial que, acredito, não vá demorar muito a sair. Pelo menos no exterior, porque aqui todos sabemos como estas coisas funcionam...




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