PROBLEMAS MODERNOS (1981)
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PROBLEMAS MODERNOS (1981)



Poderes telecinéticos eram o assunto do momento entre a metade dos anos 1970 e o início da década de 80. Talvez o sucesso do "paranormal" israelense Uri Geller, que naquela época aparecia direto na TV entortando talheres com a "força da mente", tenha desencadeado a febre (depois descobriu-se que Geller era apenas um ilusionista dos bons, mas ele enganou as pessoas durante muito tempo).

São dessa época livros de horror e ficção científica como "Carrie", de Stephen King (publicado em 1974), e "A Fúria", de John Farris (1976), ambos coincidentemente adaptados para o cinema por Brian DePalma (respectivamente em 1976 e 1978), Também no cinema, filmes como "Patrick" (1978, de Richard Franklin), "Armadilha para Turistas" (1979, de David Schmoeller) e "Scanners" (1981, de David Cronenberg) mostravam o lado assustador (e destrutivo) dos poderes telecinéticos quando usados para o Mal.


E não demorou nada para que alguém resolvesse usar o mesmo tema para fazer graça. Assim, em 1981 - o mesmo ano de "Scanners" e suas cabeças explodidas com a força da mente -, chegava aos cinemas PROBLEMAS MODERNOS, de Ken Shapiro, estrelado por um jovem Chevy Chase.

Quem é da nova geração e cresceu vendo caras como Adam Sandler e Will Ferrell pode até não acreditar, mas houve um tempo em que Chevy Chase era um dos caras mais engraçados da comédia norte-americana. E quando você entrava na locadora e topava com um filme estrelado por ele, podia alugar sem medo porque sabia que o nome do astro na capinha era sinônimo de "filme engraçado pra caralho".


Chevy (cujo nome de batismo é, acredite se quiser, Cornelius!!!) começou a brilhar na 1ª temporada do programa humorístico de TV "Saturday Night Live". E isso em 1975, quando o elenco do programa era composto por gênios da comédia como Dan Aykroyd, John Belushi e Gilda Radner. No começo da 2ª temporada, ele já era tão popular nos EUA que resolveu abandonar o programa (foi substituído por outro futuro astro, Bill Murray!) para investir no cinema.

O problema é que o rapaz nunca foi muito esperto para escolher projetos. E após uma estreia bastante promissora com "Golpe Sujo" (1978), onde era praticamente um coadjuvante da verdadeira estrela Goldie Hawn, Chevy passou a intercalar comédias muito divertidas, tipo "Clube dos Pilantras" (1980) e "Férias Frustradas" (1983), com outras nem tanto. PROBLEMAS MODERNOS, feita bem no meio destas duas citadas, se encaixa na categoria "Nem tanto".


Curioso é que PROBLEMAS MODERNOS é aquele típico filme que você vê quando garoto e acha o máximo. Eu tinha gravado da TV, nos longínquos tempos do videocassete, e lembro que costumava reunir os amiguinhos na sala de casa para reassistirmos essa tralha diversas vezes. Todo mundo se mijava de dar gargalhada - e isso que algumas piadas não são exatamente compreensíveis para a faixa etária, se é que vocês me entendem.

Aí você cresce e começa a perceber que aquele clássico da sua infância na verdade é bem ruinzinho. O que, nesse caso específico, não é demérito, já que PROBLEMAS MODERNOS se revela um filme tão errado, e tão - desculpem o trocadilho - PROBLEMÁTICO que se torna até divertido quando você volta a reunir a turma envelhecida e se põe a reassistir, só que dessa vez rindo dos defeitos e da falta de graça generalizada da coisa toda.


No roteiro escrito a seis mãos pelo diretor Shapiro (em seu segundo e último filme) mais Tom Sherohman e Arthur Sellers, Chevy interpreta um estressado controlador de voo nova-iorquino chamado Max Fielder, que está passando por dias complicados: seu trabalho é um horror, seu carro está caindo aos pedaços (o teto solar não fecha justamente numa tarde de chuva torrencial) e sua namorada, Darcy (a gracinha Patti D'Arbanville), acabou de lhe dar um belo pé na bunda, acusando-o de ser excessivamente dominador e ciumento (o que, conforme veremos ao longo do filme, não é nenhuma injustiça por parte da moça!).

A cena inicial de PROBLEMAS MODERNOS é bastante feliz ao apresentar a rotina caótica do protagonista como controlador de voo em um grande aeroporto, onde a discussão do preço de um sanduíche de atum é interpretada pelo piloto como as coordenadas que deve seguir para pousar, e um copo de café derrubado num monitor provoca um pequeno incêndio que o colega ao lado se recusa a apagar - pelo contrário, ele acende seu cigarro usando a chama!


Quando parece que sua vida não pode piorar, Max é exposto ao lixo radioativo despejado de um caminhão. E ao invés de transformar-se num monstro mutante, ou derreter tipo aquele vilão de "Robocop", o protagonista ganha incríveis poderes telecinéticos. Usando o poder da mente, Max pode mover facilmente objetos e pessoas, além de provocar as reações mais extremas nos seres humanos.

E é óbvio que o pobre Max utilizará esses poderes para recuperar Darcy e ainda se vingar de seus rivais, principalmente o careca escroto que está tentando pegar sua ex (interpretado por Mitch Kreindel). Naquela que é disparado a melhor cena do filme, Max usa seus novos poderes para provocar um exagerado sangramento nasal no rival durante um jantar romântico num restaurante chique, em cena cujo mau gosto lembra a explosão do gordão em "O Sentido da Vida", do Monty Python (que saiu dois anos depois, em 1983).


Mas parece que Max não sabe direito o que fazer com seus novos poderes. E - vejam só que coisa - o diretor e co-roteirista Ken Shapiro também não. Por isso, PROBLEMAS MODERNOS praticamente desmorona depois de um início promissor. Da metade para o final (principalmente depois dos primeiros 40 minutos), o roteiro se perde completamente e parece até que estamos vendo outro filme. E bem sem graça.

Este ponto de virada na qualidade começa quando Max e Darcy, agora novamente juntos, são convidados para passar um final de semana na casa de praia dos amigos Brian (Brian Doyle-Murray, irmão de Bill Murray) e Lorraine (Mary Kay Place), ele um veterano do Vietnã confinado a uma cadeira-de-rodas, e ela a ex-esposa do próprio Max. Também aparece para o final de semana um famoso e arrogante escritor de livros de auto-ajuda, o "guru" Mark Winslow (Dabney Coleman), que irá bater de frente com o protagonista.


Esta segunda metade do filme é tão ruim que chega a ser constrangedora: sem nenhum motivo aparente, considerando que já recuperou sua amada, Max entra em depressão profunda e perde o controle sobre seus poderes. Durante a crise, descarrega sua frustração sobre Mark durante o jantar com os amigos. O tom é de um filme de horror, inclusive com o escritor humilhado arrumando um revólver para tentar deter a "ameaça" de Max.

A única parte digna de nota dessa segunda metade do filme é outro dos poucos momentos memoráveis de PROBLEMAS MODERNOS: Dorita (Nell Carter), a empregada haitiana que vive na casa, tenta "exorcisar" Max e faz um círculo com "pó mágico" ao redor dele; pois o protagonista aspira alucinadamente todo o pó branco do chão, como se fosse uma gigantesca carreira de cocaína (esta cena geralmente era cortada nas reprises do filme à tarde)!

"I like it!!!"



O diretor Shapiro é o grande culpado pela comédia de erros que é PROBLEMAS MODERNOS. Como escrevi lá em cima, este é o seu segundo e último filme; antes, ele só havia dirigido uma comédia chamada "The Groove Tube" (1974), também com Chevy Chase (em pequena participação). Só que não era bem um longa, e sim uma coletânea de esquetes sem relação, na linha de "The Kentucky Fried Movie" e "As Amazonas na Lua" (mas anterior aos dois).

Isso talvez explique porque PROBLEMAS MODERNOS, mesmo narrando uma história única e linear, sofra de uma perceptível falta de coesão. Não são apenas dois atos bem distintos (o primeiro, bom, com Max recuperando sua amada, e o segundo, ruim, com Max perdendo o controle sobre seus poderes, estilo "Carrie, A Estranha"); em vários momentos, Shapiro se perde na estrutura de "esquetes soltas" do seu trabalho anterior.


Para exemplificar: existe uma cena, sem nenhuma relação com a trama ou seus personagens, em que Max vai a um restaurante, e os casais em três mesas estão flertando um com o(a) acompanhante do(a) outro(a), através de trocas de olhares e piscadelas. É uma verdadeira sinfonia de sedução, com uma bela e rápida montagem das trocas de olhares, mas é um momento que só funciona "per se", e que não tem nada a ver com o resto do filme!

Por causa dessa narrativa episódica, alguns personagens até desaparecem sem maiores explicações. No ato final, por exemplo, o que acontece ao casal Bill e Lorraine depois que Max fica descontrolado? Não se sabe; talvez eles tenham ficado com medo e fugido para um filme melhor do que este. O personagem de Mark também some da história de repente, deixando o restante do show para Chevy, Patti e Nell Carter.


PROBLEMAS MODERNOS é mais um daquelas comédias que são engraçadas justamente pela falta de graça, e onde só podemos lamentar o potencial desperdiçado. Afinal, o personagem de Chase tem poderes fantásticos que poderiam render momentos muito divertidos, mas o diretor-roteirista Shapiro parece nunca saber o que fazer com seu personagem ou com suas habilidades.

Shapiro teria declarado, na época do lançamento, que seu filme era uma mistura de "Carrie" e "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa". Só que Chevy Chase não é Woody Allen, portanto não há nenhuma razão para dar-lhe um personagem que passa a maior parte do tempo introspectivo, na fossa ou com cara-de-cu - em outras palavras, sem ser engraçado.


O próprio Chevy Chase hoje assume que o filme é muito ruim, e deve ter péssimas memórias da sua realização, já que quase morreu durante as filmagens. Isso aconteceu na gravação de uma cena de pesadelo, em que Max vê a si mesmo como se fosse um avião em pleno voo. O ator teve luzes presas ao corpo, com fios que passavam por baixo da sua roupa. Quando os fios elétricos entraram em curto circuito, Chevy foi eletrocutado e chegou a ficar inconsciente, à la Lasier Martins naquele famoso vídeo da Festa da Uva!

E embora Chevy seja um sujeito naturalmente engraçado, que não precisa de um roteiro genial para provocar gargalhadas, em PROBLEMAS MODERNOS a direção lhe deu muita liberdade, e ele aparece careteiro demais, estilo Jim Carrey em "Ace Ventura". Sempre que Max usa seus poderes, o espectador não apenas é bombardeado com ridículos efeitos sonoros cômicos, mas ainda precisa aturar as caretas exageradas do ator - mas vem cá: se os poderes são mentais, por que ele precisa fazer aquelas caras e bocas ao invés de simplesmente usar a força do pensamento?


Com tantos defeitos, é até curioso constatar que PROBLEMAS MODERNOS acabou servindo de base para várias outras comédias, de ontem e de hoje, que exploram tema similar - ou seja, o sujeito comum que leva uma vida ordinária e de repente recebe poderes fantásticos, mas os utiliza principalmente para ridicularizar os rivais. "Click" (2006), com Adam Sandler, e "Todo Poderoso" (2003), com Jim Carrey, só para citar dois exemplos populares, são exatamente assim.

Inclusive "Todo Poderoso" tem uma cena muito parecida com PROBLEMAS MODERNOS: em ambos os filmes, os protagonistas usam seus super-poderes para fazer "sexo sem contato" com suas namoradas. Aqui, Chevy dá orgasmos múltiplos a Darcy apenas olhando para ela e fazendo suas caretas! Pena que Patti D'Arbanville não apareça pelada, enquanto Dabney Coleman (pasmem) aparece!


No fim, eu diria que esta comédia é muito mais divertida enquanto explora verdadeiramente os "problemas modernos" do protagonista (o estresse no emprego, os problemas com o carro), do que quando Max finalmente adquire seus poderes telecinéticos. Os efeitos especiais continuam eficientes (ainda mais considerando que já têm mais de 30 anos de idade), mas é de se lamentar a falta de criatividade de todos os envolvidos por não conseguirem criar situações mais interessantes envolvendo Max e seu "dom".

E embora eu já não ache PROBLEMAS MODERNOS tão engraçado quanto achava na minha infância, confesso que ainda prefiro um Chevy Chase fraquinho do que qualquer coisa desses "comediantes" de hoje (Adam Sandler, Will Ferrell, Kevin James, Danny McBride e cia). Até porque o filme termina sem dar nenhuma lição de moral: Max não aprende nada durante sua "jornada", e provavelmente continuará sendo um escroto ao perder seus poderes - além de tomar um belo processo judicial do personagem de Dabney Coleman pelas agressões sofridas!


Chevy só encontraria seu rumo e o verdadeiro sucesso no cinema com o filme seguinte, "Férias Frustradas". A partir de então, ele engatou uma comédia hilária atrás da outra, onde interpretava ou o patriarca atrapalhado, ou o tipo sedutor e malandrão. Para quem quer ver o homem no auge do talento, sugiro deixar esse de lado e procurar por "Os Espiões que Entraram Numa Fria", "Os Três Amigos" e "Assassinato por Encomenda", filmaços de afastar qualquer mau humor, e todos melhores e mais inteligentes do que qualquer comédia que se faça hoje.

Infelizmente, na vida real Chevy não era um cara legal como nos seus filmes. Diz-se que era insuportável de tão arrogante, e até teria trocado socos com Bill Murray nos bastidores do "Saturday Night Live". Depois de tentar dar um novo rumo à sua carreira, com o mais sério "Memórias de um Homem Invisível" (1992), ele mergulhou direto para o ostracismo, e hoje aparece em alguma pontinha aqui ou acolá, ou como coadjuvante no seriado "Community".

E fico até triste em dizer isso de um dos meus ídolos da juventude, mas hoje Chevy Chase está tão sem graça que nem mesmo os poderes telecinéticos de PROBLEMAS MODERNOS poderiam salvar sua carreira...

Trailer de PROBLEMAS MODERNOS



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Modern Problems (1981, EUA)
Direção: Ken Shapiro
Elenco: Chevy Chase, Patti D'Arbanville,
Dabney Coleman, Nell Carter, Mary Kay Place,
Brian Doyle-Murray e Mitch Kreindel.



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