Surrealismo no cinema brasileiro
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Surrealismo no cinema brasileiro



Indico aqui o link para a revista Taturana. Além da dica da revista, que vale por si, divulgo a entrevista feita comigo pelo jornalista Marcelo Miranda, na terceira edição. Foi uma conversa bem legal que tivemos sobre o surrealismo no cinema brasileiro.

http://issuu.com/revistataturana/docs/taturana_3_corterx

Trechos da entrevista:


MM - A expressão "surrealismo no cinema brasileiro" te remete a alguma coisa?
A expressão "surrealismono cinema brasileiro" me remete a muitas coisas, mas, em primeiro lugar, a algumas ressalvas. Quando falamos em cinema brasileiro, o que nos vem à mente é o longa-metragem de ficção, mas creio que o surrealismo possa ser encontrado de maneira muito mais disseminada nos curtas de ficção e experimentais, que têm menos compromisso com exibição comercial e, por isso, podem se arriscar mais em conceitos transgressores como muitos dos que definem o surrealismo. Outra ressalva a ser feita diz respeito ao que se entende por surrealismo no cinema. Se estivermos falando simplesmente na presença de elementos oníricos, a lista de filmes brasileiros de ficção será enorme, mesmo nos longas-metragens. Porém, se levarmos em conta os aspectos transgressores preconizados pelo movimento surrealista, além das idéias de associação livre e a influência do pensamento de Freud, aí o escopo diminui bastante. Ainda mais uma ressalva é necessária. O surrealismo é um movimento estético europeu que tem um "primo" na narrativa realista-maravilhosa latino-americana do século XX, que me parece muito mais presente no cinema brasileiro do que o surrealismo. A diferença entre as duas é que, enquanto o surrealismo traz o elemento estranho pela via do onírico, o realismo-maravilhoso aceita o elemento estranho como fazendo parte da "paisagem natural" (como em "Saramandaia", do Dias Gomes). Isso pode ser justificado à própria culura latino-americana, muito mais aberta ao sobrenatural do que a européia.

MM - Se fosse pra falar em um cineasta surrealista no país, em qualquer época, existiria algum?
No sentido de um cineasta comprometido com o surrealismo, que eu saiba, não.

MM - Nem mesmo nos curtas, tipo um Dennison Ramalho ou um Fernando Severo?
O Dennison faz filmes de horror, e diz isso para quem quiser ouvir! Não vejo porque dar outro nome ao que ele faz. Além disso, sua obra, ainda está no começo, então seria absurdo rotulá-lo de qualquer coisa. Já o Severo tem uma obra um pouco mais extensa e bem mais variada, com filmes de fantasia, experimentais e até documentais, então talvez seja possível apontar momentos surrealistas, mas não rotular o conjunto.

MM - Será que o Brasil absorveu alguma lição de gente como Luis Buñuel, David Lynch ou mesmo Tim Burton?
Certamente que sim, mas talvez não da forma que a crítica espere. Um cineasta que chegou a ser comparado com o Buñuel foi o Mojica, mas num registro mais popular e explícito, totalmente ligado aos elementos do gênero horror (que nunca fizeram parte do projeto do Buñuel ou de outros surrealistas). Os cineastas chamados de marginais também trazem essa influência. Nesse sentido, acho bacana lembrar de filmes como PRATA PALOMARES, do André Faria Jr. e OS MONSTROS DO BABALOO, do Elizeu Visconti. O David Lynch, segundo me parece, é muito influente entre cineastas mais jovens, em particular os curta-metragistas. Mas longas como O CORPO, do Rubens Rewald, também podem ser mencionados. Já o caso do Tim Burton é bem mais complicado, pois, além de ele não ser propriamente um surrealista, o tipo de cinema que ele faz exige orçamentos que não estão ao alcance do cinema brasileiro. No máximo, encontra-se algo no cinema infantil, mas com roteiros bem mais "comportadinhos". Exemplo disso poderia ser O CASTELO RÁ-TIM-BUM.

MM - Surreal é a gente falar de um filme infantil num papo sobre surrealismo!
Todas as vanguardas do começo do século XX tinham um enorme interesse pelo trabalhos artísticos de crianças, que lhes pareciam expressões totalmente livres do imaginário. É só lembrar de um artista como o Miró (que chegou a passear pelo surrealismo) para perceber que o universo infantil interessa muito à toda a arte moderna.

MM - O surrealismo e o terror podem caminhar juntos? Em que sentido e sob quais aspectos?
Podem, principalmente pela presença da agressividade, do grotesco e dos elementos que não se adaptam à visão que temos do "mundo natural" (como a presença do sobrenatural). Mas, em geral, o horror pressupõe que os personagens da história reajam a esses elementos com estranhamento, enquanto, no surrealismo, o elemento estranho é contextualizado pela atmosfera onírica. Não são tantos os cineastas que conseguem misturar bem o surrealismo com horror. Entre eles, podemos citar o chileno Alejandro Jodorovski, o italiano Dario Argento, o estadunidense David Lynch e o brasileiro José Mojica Marins.

MM - Mojica ou Ivan Cardoso fizeram alguma obra que você considere surrealista?
Do Mojica, sem dúvida "O Despertar da Besta" é um filme comprometido com o surrealismo, embora o cineasta talvez não tivesse total consciência disso. O próprio fato de descrever devaneios dos personagens sob supostos efeitos de drogas parte de um princípio surrealista, que é o da expressão livre dos processos inconscientes. Outro filme dele que se relaciona mais diretamente com o surrealismo é A PRAGA. Já quanto aos outro filmes, prefiro chamá-los de filmes de horror, mesmo, que é o que eles são. No caso do Ivan Cardoso, vejo muito mais influência das chanchadas e do besteirol do que do cinema surrealista. Mas UM LOBISOMEM NA AMAZÔNIA, ao trazer a viagem de Daime dos personagens, talvez possa ser considerado um "parente distante". De qualquer maneira, eu consideraria um exagero afirmar isso.

MM - O cinema brasileiro pós-retomada, com um certo tom anódino que o caracteriza, pode ser chamado de surrealista - no sentido de ser tão distinto do que o país já foi capaz de fazer?
Não sei se o cinema da pós-retomada é tão distinto do que já fomos capazes de fazer, mas certamente não é surrealista. O que se percebe, no máximo, é um gosto pelo fantástico e pelo onírico, mas num registro muito pouco transgressor. Exemplos disso existem aos montes nas produções da Globo Filmes como O CORONEL E O LOBISOMEM, A MULHER INVISÍVEL, SE EU FOSSE VOCÊ, O HOMEM QUE DESAFIOU O DIABO, FICA COMIGO ESTA NOITE etc.

MM - Pois é, o uso que fiz da palavra "distinto" é porque, surreal ou não, o uso dos tais "elementos estranhos" no passado do cinema brasileiro era bem mais arriscado do que hoje. Esses filmes todos que você citou são quase infantis, no mau sentido do termo, e parecem ter medo de levar pra longe as noções das quais eles partem. Você acha que nem o Mojica, com o "Encarnação do Demônio" (que eu sei que você não gosta), tirou um pouco o marasmo, nesse sentido? E "O Fim da Picada", do Cristian Sagard, onde entra na equação toda?
Não sou saudosista com o cinema do passado, pois noto que muitos filmes dos quais hoje "sentimos saudades" foram ignorados ou francamente atacados pela crítica e pela academia na época em que foram feitos. No caso do filme do Mojica, não é que eu não goste, mas acho que os realizadores não conseguiram nem recuperar o Zé do Caixão original e nem aproveitar a figura divertida que ele se tornou. Quanto ao surrealismo nesse filme, a gente pode encontrar alguns momentos (como no encontro dele com o Zé Celso no purgatório), mas é filme de horror típico, inclusive assumindo essa linha bem contemporânea do "torture porn" (da qual, aliás, o Mojica foi um dos precursores!). Por fim, o filme do Christian, se eu tivesse que classificar (o que é complicadíssimo e polêmico!) eu o colocaria na linha do realismo-maravilhoso, pela presença de figuras do folclore nacional misturadas à paisagem urbana.

Exemplo de curta surrealista brasileiro



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