Ao ver o obscuríssimo filme TILT, era essa a pergunta que não me saía da cabeça. Especialmente após os créditos iniciais, que apresentam a obra como "Rudy Durand's Tilt" (!!!), e informam que o prezado desconhecido acumulou as funções de diretor, produtor, roteirista, diretor musical e até de responsável pelos efeitos sonoros!!!
Seria Rudy Durand um novo Orson Welles e TILT o seu "Cidadão Kane"?
Por isso, logo que acabei de ver o filme, eu corri para o IMDB e descobri que, afora um crédito como ator coadjuvante num filme desconhecido chamado "Gemini Affair", de 1975, o misterioso Rudy Durand só tem mesmo todos estes créditos de TILT no seu currículo, e nada mais. E lá se vão 30 anos em que o sujeito não fez nenhum outro filme...
Assim sendo, não dá para entender como é que o homem acumulou tanta moral para rodar um filme tão autoral, e que leva até o seu próprio nome no título. Mas é o IMDB, de novo, que explica que Durand teve a idéia para a obra ainda nos anos 60, e passou praticamente duas décadas batalhando para levá-la às telas.
A grande chance apareceu quando ninguém menos que Orson Welles (o próprio "Cidadão Kane") gostou do projeto e do entusiasmo do jovem roteirista, incentivando-o a dirigir ele mesmo a película e falando bem da idéia ao ser entrevistado no programa de TV The Tonight Show, com Johnny Carson, o que ajudou o praticamente desconhecido Durand a encontrar investidores para seu primeiro projeto.
Ninguém menos que a Warner Bros. (!!!) entrou na jogada, e, apesar de um roteirista "profissional" (Donald Cammell) ter sido contratado para trabalhar no argumento de Durand, o próprio Rudy bateu pé para manter sua "integridade artística" e reescrever o roteiro da forma como havia imaginado!
Resultado: finalizado em 1979, TILT ficou durante dois anos na geladeira. Neste período, ao que parece, a Warner tentou consertar o tal "Rudy Durant's Tilt" para deixá-lo mais "Warner Bros' Tilt".
Depois de desanimadoras exibições de teste, o filme sofreu cortes e teve cenas refilmadas, sendo finalmente lançado nos cinemas em 1981, e então partindo direto para a obscuridade em que se encontra até hoje. E há mais de 30 anos não se ouve falar de um "Rudy Durand's" qualquer coisa...
Mas afinal, há algo que valha a pena neste primeiro e único trabalho do incansável Rudy Durand?
Bem, digamos que TILT é um filme muito estranho, e que eu acho que tem potencial para, um dia desses, virar cult. É só ser redescoberto por uma nova geração de fãs.
Obra esquisita, não tem um gênero bem definido, acumulando elementos de road movie, história de rebeldia juvenil, drama, aventura, musical e comédia (o velho Guia de Filmes Nova Cultural chegou a classificá-lo como suspense, sabe-se lá por quê!).
Em tempos de Playstation, Nintendo WII e jogos de videogame que mais parecem filmes, soa até meio estúpido ver um filme de duas horas sobre máquinas de pinball - sim, aquele jogo mecânico que no Brasil era conhecido como "fliper", e que consistia em ficar rebatendo uma bolinha metálica para atingir alvos luminosos e somar pontos.
Pois TILT não só é um filme sobre máquinas de pinball, mas também sobre sujeitos que vivem de jogar e apostar fortunas no pinball (!!!), quase como um "A Cor do Dinheiro" com máquinas de fliperama no lugar de mesas de sinuca! E se você nunca tinha ouvido falar de sujeitos jogando pinball a dinheiro, bem-vindo ao clube.
A história começa numa cidadezinha do interior do Texas, onde um jovem músico folk-country chamado Neil Gallagher (Ken Marshall, de "Krull") desafia o maior campeão de pinball do mundo, Harold Remmens (Charles Durning), conhecido como "The Whale" (Baleia) por causa da pança descomunal.
Whale é um tipo meio gângster que trata uma velha máquina de pinball como se fosse uma garota, alisando-a enquanto joga. Quando ele descobre que Neil tentou vencê-lo trapaceando (com um imã montado sob a máquina para conduzir a bolinha), manda quebrar o rapaz a pancadas.
Fracassada a tentativa de engambelar Whale, o trapaceiro e seu amigo se mudam para Hollywood, onde tentam investir na carreira de cantor de Neil. Mas as coisas vão de mal a pior. Finalmente, Neil conhece uma garotinha rebelde de 13 anos chamada Brenda Davenport (Brooke Shields, ainda menininha!), mas apelidade Tilt por sua habilidade quase sobrenatural nas máquinas de pinball.
(Para quem não sabe, "tilt" é o nome em inglês usado para definir aquele momento em que um jogo "trava" por qualquer motivo. No pinball, era comum "dar tilt" quando alguém sacudia muito a máquina, tentando fazer a bolinha atingir determinado alvo. FILMES PARA DOIDOS também é cultura!)
Enxergando na menina um futuro promissor, Neil consegue convencê-la a colocar o pé na estrada e fazer fortuna com apostas em jogos de pinball. Mas não consegue esquecer a agressão sofrida a mando de Whale, e resolve voltar para o Texas com Tilt para desafiar o grande campeão e ganhar uma fortuna em apostas.
TILT já começa esquisito pela sua proposta: um filme todo sobre jogadores de fliperama soa no mínimo curioso. Não bastasse isso, ainda tem um clima bem suspeito de pedofilia, pois embora a relação de Neil e Tilt seja mostrada como algo inocente e na base da "amizade", ambos dormem juntos em quartos de motel e viajam pelo país quase como se fossem um "casal".
E há dois momentos bem politicamente incorretos: primeiro, a personagem de Brooke Shields pega carona com um caminhoneiro e se oferece para fazer um ménage a trois com ele e sua esposa; depois, um adulto aparece olhando com segundas intenções para a bunda da menininha - que usa uma calça com as palavras "Pinball Champ" bordadas nas nádegas!
Tirando isso, no geral a história é bastante moralista, principalmente por causa do seu absurdo final feliz, que resolve seu grande conflito... sem qualquer conflito! Para falar a verdade, não acontece praticamente NADA durante o filme inteiro!!! E o que você esperava de uma história sobre jogadores de pinball, caramba?!?
Mas o diretor-roteirista-produtor-diretor musical Durand merece no mínimo algum crédito por ter feito um filme com quase duas horas sobre um jogo pouco ou nada emocionante que basicamente consiste em ficar impulsionando uma bolinha pelo maior tempo possível, e mesmo assim conseguir manter a atenção do público até o final.
Eu mesmo joguei muito pinball na juventude, e imagino que devia ser um saco para qualquer outra pessoa ficar me assistindo rebater aquela bolinha para cima e para baixo.
Entretanto, embora as partidas apresentadas durante a trajetória dos "heróis" sejam sonolentas, o duelo final de Tilt com Whale tem certo estilo e, com edição dinâmica, até empolga.
Em tempos pré-computação gráfica, Durand desmontou uma mesa de pinball para conseguir filmar o jogo "por dentro", com criativos ângulos de câmera, praticamente seguindo a bolinha desde o seu disparo até atingir os "alvos luminosos".
Bem filmados e editados, estes momentos já valem a espiada - e hoje seriam facilmente e artificialmente feitos no computador, sem o mesmo charme.
TILT é um sério candidato a cult não só pela sua trama e proposta "diferentes", mas também pelo elenco maluco que reúne, num só filme, Brooke Shields na puberdade, o galã-que-não-deu-certo Marshall e o eterno balofo Charles Durning, ao lado de nomes como Geoffrey Lewis (o caminhoneiro "assediado" pela menina), Fred Ward (de "Remo - Desarmado e Perigoso", como um apostador que aparece durante menos de um minuto) e até Lorenzo Lamas (!!!) irreconhecível no papel de Casey Silverwater, um campeão de pinball que, claro, leva uma sova de TIlt e perde toda a sua grana.
Mas há algo de constrangedor na coisa toda, principalmente quando vemos um ator consagrado, como Charles Durning, na pele de um obeso jogador de pinball que fica rebolando e dançando rock-and-roll enquanto joga.
E convenhamos que o pinball é um "esporte" que não exige taaaaaaaanta habilidade assim - é mais ter reflexos para ficar rebatendo a bolinha na hora certa e um montão de sorte. Portanto, este é um filme de "esporte" onde nem ao menos temos cenas com os jogadores "treinando" e "se preparando" para o confronto final...
Talvez seja justamente esse o charme da obra do diretor-roteirista-produtor-diretor musical Rudy Durand: é um filme sobre o nada, ou sobre o menos interativo e emocionante dos "esportes". E repleto de "frases de efeito" ao nível de Forrest Gump, como "A vida é como uma gaivota: quanto mais você a alimenta, mais ela caga em você!".
Perfeccionista como outros autores que fazem tudo em seus filmes, Durand chegou a selecionar pessoalmente os barulhinhos e efeitos sonoros para as máquinas de pinball que os personagens jogam, demonstrando certo conhecimento e muita preocupação com o resultado do seu primeiro trabalho no cinema.
Por tudo isso, é até meio lamentável o fato de nunca mais termos visto um "Rudy Durand's" qualquer coisa. Pois se o cara conseguiu produzir um filme de duas horas sobre jogadores de pinball, qual seria seu projeto seguinte? Um edificante drama sobre dominó? Uma ousada aventura com jogadores de ludo? Ou quem sabe uma explosiva e emocionante história sobre um campeonato de bocha da terceira idade?
PS: Como milhares de outros filmes, TILT pertence à geração do VHS e nunca foi relançado em DVD, nem mesmo nos Estados Unidos, o que só contribui para sua fama entre aqueles que gostam de garimpar produções obscuras. No Brasil, a extinta Tec Home Vídeo lançou a "director's cut" (com 111 minutos), e não a edição reeditada a mando da Warner, que tinha 11 minutos a menos. Mas sabe quando você vai encontrar novamente essa fita dando sopa por aí, meu amigo? Só quando o Dia de São Nunca cair num feriado de 30 de fevereiro!
Trailer de TILT
******************************************************* Tilt (Rudy Durand's Tilt, 1979, EUA) Direção: Rudy Durand Elenco: Brooke Shields, Ken Marshall, Charles Durning, John Crawford, Karen Lamm, Geoffrey Lewis, Lorenzo Lamas e Fred Ward.
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