TORTURA CRUEL - FÊMEAS VIOLENTADAS (1980)
Filmes Legais

TORTURA CRUEL - FÊMEAS VIOLENTADAS (1980)



Em 1974, no clássico "Desejo de Matar", Charles Bronson interpretou um homem levado ao limite após o estupro e assassinato da sua esposa, e que, para dar o troco - e ao mesmo tempo combater a violência urbana -, saía pelas madrugadas enchendo marginais de tiros. Na época, muita gente criticou a violência do personagem de Bronson e a apologia de justiça pelas próprias mãos feita pelo filme de Michael Winner, que foi um grande sucesso e gerou uma série com quatro continuações inferiores.

Mas acredite: os bandidos correriam felizes da vida ao encontro de Paul Kersey se soubessem como Tony Vieira lidou com uma situação parecida em TORTURA CRUEL - FÊMEAS VIOLENTADAS, policial exploitation de 1980 que é um colírio para os olhos de quem acha que "bandido bom é o bandido morto".

Salu, o personagem de Vieira neste filme barato que ele mesmo produziu, escreveu e dirigiu (!!!), faria o próprio Paul Kersey correr de medo e se esconder junto com Chico, o justiceiro interpretado por Francisco Cavalcanti em "Horas Fatais - Cabeças Trocadas", e com o dr. Rogério, o justiceiro interpretado por Carlo Mossy em "Ódio", outros dois bons filmes brasileiros sobre justiça com as próprias mãos.


E se você duvida, saiba que o bandido que menos sofre nas mãos de Salu é enterrado vivo. Imagine o triste destino dos outros!

Salu é um bandido que acabou de sair do presídio e pensa em se regenerar, já que sozinho precisa sustentar a família - composta pela mãe, velha e doente, e por duas irmãs que não trabalham (a mais velha, interpretada por Aryadne de Lima, sonha em ser cantora).

O problema é que vida de ex-presidiário em cidade pequena é fogo, e o coitado não consegue arrumar nenhum trabalho. Mesmo quando salva uma garota de ser estuprada por três marginais, e ela intercede junto ao seu marido para que Salu seja contratado como peão de obra, o emprego dura só até o patrão saber que ele é ex-presidiário.


Obrigado a lavar carros para faturar uns trocos e poder comprar o remédio que sua mãe precisa, ele se recusa a aceitar a ajuda financeira da amante, que é prostituta (interpretada pela bela Maristela Moreno, de "A Quinta Dimensão do Sexo"), e prefere jogar na loteria esportiva, sonhando em ficar milionário. Para piorar a situação do sujeito, a polícia fica na sua cola, considerando-o suspeito de qualquer crime que seja cometido na região - e isso inclui, claro, tentativas de confissão na base da porrada, já que ninguém acredita que Salu realmente está tentando se regenerar.

Paralelamente, uma quadrilha formada por quatro bandidos da pesada chega na cidadezinha, após uma série de assaltos e estupros pelas redondezas. Ela é chefiada por Raja (o futuro diretor Rajá de Aragão, que realizou o inacreditável "Hospital da Corrupção e dos Prazeres", em breve aqui no blog), que não gosta de estupros e prefere ficar dando discursos sociológicos para suas vítimas, do tipo "Vida de rei, né doutor? Pobre se danando, comendo casca de banana, e vocês comendo franguinho de leite... Filho da puta!". Seus três asseclas são um tuberculoso que é alvo de gozações dos colegas por não conseguir estuprar ninguém de dia (diz ele a uma vítima: "A sua sorte é que eu sou que nem vampiro: só como à noite"), e dois violentadores profissionais, Nivaldo e Toninho, que não podem ver um rabo-de-saia passar que já pensam em cair em cima. Furioso, Raja pede aos seus comparsas que fiquem na moita, sem estuprar ninguém para não chamar a atenção.


Os primeiros 40 minutos do filme mais parecem um dramalhão mexicano, com Salu procurando e perdendo empregos por ser ex-presidiário, e apanhando direto da polícia (é preciso lembrar que esse tipo de produção era voltada a um público de classe média para baixo). Mas então sua sorte muda: Salu finalmente ganha na loteria e fica multimilionário da noite para o dia!

E adivinha qual é a primeira providência do cara? Comprar o remédio para a mãe? Ajudar as irmãs com o aluguel atrasado? Comprar uma casa nova para a família? Tirar a amante da prostituição? Que nada: Saul faz o que todo homem sensato faria, e se manda para um puteiro para fazer uma comemoração em alto estilo, fechando a zona para ficar com todas as putas só pra ele! (Num momento impagável, rodeado de mulheres nuas, ele pega o garçom do recinto pelo colarinho e grita: "Já falei que não quero homem nenhum aqui dentro além de mim!").

Enquanto nosso herói comemora sua vida de milionário, o trio parada dura do estupro aproveita um momento em que Raja não está por perto para controlar e invade a casa de Salu, matando sua mãe e estuprando as duas irmãs. Algo me diz que eles escolheram a pessoa errada para sacanear...


O restante de TORTURA CRUEL é Salu caçando os quatro bandidos, infiltrando-se em sua quadrilha como se fosse um puxador de carros roubados, e finalmente arquitetando mortes sofridas e tenebrosas para cada um deles.

Como eu escrevi lá em cima, ser enterrado vivo é o castigo mais brando, considerando que um dos pobres coitados é amarrado de quatro para ter o fiofó arrombado por ninguém menos que Satã (aquele moreno careca e gigantesco que aparece em vários filmes do Zé do Caixão), e outro acaba envolvido numa trama diabólica que lembra "Oldboy", de Chan-wook Park, só que 23 anos antes!!! Finalmente, o quarto criminoso, amarrado à linha do trem, ainda tenta protestar: "Mas você não pode me matar assim!". Irônico, o herói apenas retruca: "Quem vai te matar é o trem, e não eu".


O filme em si é bem fraquinho, com uma narrativa simples e sem grandes surpresas, muita mulher pelada e diversas cenas de sexo ou estupro - bem exploitation mesmo.

Duro é suportar os primeiros 15 minutos, já que a trilha sonora utiliza algumas lastimáveis músicas de corno interpretadas pelas piores bandas de baile que a produção pôde pagar (a letra de uma delas, repetida duas vezes ao longo da película, diz: "Deixou a sua casa/Cegamente iludida/Pra tentar a sua sorte/Mas caiu despercebida/Com a sua pouca idade/Se tornou mulher da vida").

Mas após o ataque à família de Salu, a coisa vai ficando cada vez mais interessante, até porque o espectador espera ansioso pelo castigo que os "pusilânimes" receberão. E a generosa quantidade de mulher pelada (inclusive a belíssima Maristela, que aparece quase o tempo todo nua, frente e verso) já vale o programa, pelo menos para os taradões.


Como diretor, Tony ainda consegue a façanha de intercalar a cena alegre da festa do seu personagem no puteiro com o violento ataque dos bandidos à sua família, numa triste (e até sádica) ironia. Mas também sai com várias abobrinhas, como um desfile de escola de samba que cai do céu e não tem qualquer objetivo no enredo, ou a aparição-relâmpago de um "louco assassino de prostitutas" que foge do manicômio e só dá as caras por uns cinco minutinhos (pelo jeito, foi a única saída encontrada para sumir com a amante de Tony da história!!!).

Felizmente, o filme inteiro está repleto daqueles diálogos engraçadíssimos que a gente não costuma ver fora das obras da Boca do Lixo, como "Sexo a gente faz em qualquer lugar. No mato é até mais gostoso porque o capim faz uma cósquinha" e "Dinheiro não é problema, bem. Enquanto eu tiver essas pernas pra abrir uma pra cada lado, nós não vamos ficar duros".

Para quem não conhece o homem, Tony Vieira (pseudônimo de Maury de Oliveira Queiróz) foi um dos mais bem-sucedidos produtores de cinema barato da Boca do Lixo. Ele fazia filmes extremamente populares, econômicos e rápidos, que tinham a cor e o cheiro do povão, além do linguajar e dos cenários que o povão queria ver (e muita mulher pelada e violência, claro, pois também é disso que o povão gosta). Os diálogos de TORTURA CRUEL, por exemplo, não têm firulas, usando e abusando de expressões populares e de gírias da malandragem - algumas chegam a soar estranhas para o espectador contemporâneo.


Entre o início da década de 70 e a metade dos anos 80, Tony produziu cerca de 15 filmes baratíssimos, com histórias policiais ou de western, sempre assumindo ele mesmo o papel principal, e volta-e-meia dirigindo. Investia pouco e lucrava bastante, numa época em que cinema para o povão ainda era rentável no país (lembre-se: era a época dourada das salas de cinema de rua, não dentro de shopping centers).

Em várias entrevistas do período, Tony reclamou que não gostava de dirigir, mas não encontrava ninguém para filmar o tipo de história que filmava. "Faço o que o povo gosta. Vejam as rendas. E eu, inicialmente, atendo o público. Quando tiver dinheiro até para perder, farei o filme que eu gosto", declarou certa vez.

No começo da década de 80, quando a produção cinematográfica da Boca do Lixo descambou para o sexo explícito, Tony também se rendeu aos filmes pornôs, dirigindo, entre diversos, "Banho de Língua" (1985) e "Eu Adoro Essa Cobra" (1987). Em 1988, tentou voltar ao gênero policial com "Calibre 12", mas o fracasso de bilheteria da obra decretou a aposentadoria precoce do ex-galã da Boca do Lixo.


Desanimado e doente, ele voltou para o Estado onde nasceu, Minas Gerais, e lá morreu no começo dos anos 90. Apesar de uma vasta filmografia, composta inclusive de diversos sucessos de bilheteria, suas obras continuam praticamente desconhecidas e inéditas no Brasil. É o caso de TORTURA CRUEL, que até chegou às nossas locadoras nos primórdios da fase áurea do VHS, e hoje só circula em cópias piratas com legendas em castelhano (!!!).

Quando vejo esses DVDs de luxo lançados na gringolândia para filmes de diretores tão mequetrefes quanto o italiano Andrea Bianchi, fico sonhando com o dia em que teremos, aqui no Brasil, um box bem-feitinho com as obras de Tony Vieira, trazendo pérolas remasterizadas como "Gringo, O Último Matador", "O Exorcista de Mulheres", o impagável "O Último Cão de Guerra" ou o policial "Os Pilantras da Noite" (que tem, no elenco, Tony Tornado, Helena Ramos e Aldine Müller!!!!).

Mas o sonho logo se transforma em pesadelo quando eu me lembro da falta de memória (e de valorização) dos brasileiros para com seu cinema, de como a maioria nem liga para o que foi produzido no país pré-Globo Filmes e do triste fim do herdeiro direto de Tony Vieira, o brasiliense Afonso Brazza (que inclusive trabalhou na equipe técnica de vários filmes assinados por Tony). Brazza não só ficou com a esposa de Tony (Claudette Joubert) após sua morte, como seguiu a triste sina do seu mentor: morreu pobre e fazendo apenas filmes baratíssimos que quase ninguém viu.

Lobby card de "Tortura Cruel" com Tony e Rajá


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Tortura Cruel - Fêmeas Violentadas
(1980, Brasil)

Direção: Tony Vieira
Elenco: Tony Vieira, Maristela Moreno,
Aryadne de Lima, Rajá de Aragão, Clery
Cunha, Satã e Lúcia Alves.



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