WHITE CANNIBAL QUEEN (1980)
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WHITE CANNIBAL QUEEN (1980)



Em 1972, um filme de baixo orçamento chamado "O País do Sexo Selvagem" ("Il Paese del Sesso Selvaggio / The Man From the Deep River"), dirigido pelo italiano Umberto Lenzi, lançou as bases de um dos ciclos mais infames do cinema classe B produzido na Itália: as aventuras envolvendo ataques de canibais. Enquanto a de Lenzi não passava de uma mistura do western "Um Homem Chamado Cavalo" (1970), de Elliot Silverstein, com o clima do documentário sensacionalista "Mundo Cão" (1962), de Paolo Cavara, Franco Prosperi e Gualtiero Jacopetti, o que veio depois era tão sangrento e apelativo que já entrava no território do cinema de horror, com direito a cenas reais de animais sendo mortos e esquartejados diante da câmera!

Ao longo da década de 1970, e até o começo dos anos 1980, vários diretores se aventuraram por este subgênero: Ruggero Deodato (com seus clássicos "O Último Mundo dos Canibais" e principalmente "Cannibal Holocaust"), Sergio Martino ("A Montanha dos Canibais"), Joe D'Amato ("Emanuelle and the Last Cannibals" e "Papaya dei Caraibi"), e o próprio Lenzi (de volta à carga com "Os Vivos Serão Devorados" e "Cannibal Ferox"), entre outros menos expressivos.


Enquanto isso, o cineasta espanhol Jess Franco estava fazendo filmes sob encomenda para a Eurociné, uma pequena produtora de cinema de Paris que pertencia aos seus mais antigos colaboradores, Marius e Daniel Lesoeur. E não via nada de bom no tal ciclo italiano de filmes sobre canibais. Mesmo assim, quis o destino (ou a falta de opção melhor) que pai e filho Lesoeur contratassem justamente o pobre Jess para rodar não um, mas DOIS filmes sobre o tema!

O primeiro deles foi "Mondo Cannibale", mais conhecido pelos títulos em inglês "The Cannibals" e principalmente WHITE CANNIBAL QUEEN. O outro, "Manhunter - O Sequestro", foi rodado alguns meses depois e é bem melhor, principalmente por ser menos "canibais x homens brancos" e mais filme de monstro. Ambos foram estrelados por Pier Luigi Conti, cujo nome artístico é "Al Cliver".


Sobre os tais filmes italianos de canibais que estavam no auge do sucesso na época (foi o ano da estreia de "Cannibal Holocaust"), Jess disse o seguinte, em entrevista para o DVD norte-americano de WHITE CANNIBAL QUEEN: "Eu vi alguns deles e não gostei, eram repulsivos. Vi um ou dois, e não quis ver mais nenhum. Estes filmes tentavam ser realistas, mas eram o oposto, falsos e baratos".

Entretanto, segundo ele, havia pelo menos três coisas boas a tirar de um filme do gênero quando você era contratado para filmar um: "Eles são exóticos, têm ação, aventura e horror, e o único tipo de drama é que às vezes você precisa fazer um close de alguém comendo um pedaço de carne crua com sangue falso". 


WHITE CANNIBAL QUEEN foi co-produzido pelo italiano Franco Prosperi (um dos diretores de "Mundo Cão") e rodado em Alicante, na Espanha, numa floresta de coqueiros que ficava a apenas 10 quilômetros da cidade. Praticamente ao mesmo tempo, uma outra produção sobre canibais da Eurociné era filmada nos mesmos cenários e com os mesmos atores, figurantes e equipe técnica para economizar - trata-se do infame "Cannibal Terror", de Alain Deruelle.

É até engraçado assistir aos dois em sequência, porque você percebe direitinho as semelhanças entre eles, e quase consegue imaginar Franco fazendo um intervalo para o cigarrinho e Deruelle assumindo a câmera para rodar as cenas do outro filme - que, só para registrar, é ainda pior que essa tranqueira aqui do velho Jess!


No roteiro escrito pelo próprio Franco (com uma mãozinha de um não-creditado Jean Rollin, segundo algumas fontes), Cliver interpreta o Dr. Jeremy Taylor, um antropólogo que está viajando de barco pela "Amazônia" - mas as cenas foram todas filmadas no litoral da Espanha, que em nada se parece com a Amazônia, como você pode ver pelas imagens acima (lá pelas tantas, aparece até um belo jacaré de plástico!).

Com ele viajam a esposa Manuella (Pamela Stanford, atriz francesa que, à época, já era veterana nos filmes de Franco) e a filha pequena Lena (interpretada por Anouchka Lesoeur, filha do produtor Daniel). Digamos apenas que não é uma boa ideia você levar sua família para uma perigosa expedição em pleno território canibal...


Aí dá a lógica: um grupo de selvagens invade o barco, mata o capitão e ataca Manuella, que é lentamente devorada viva diante dos olhos do marido - e considerando que a atriz Pamela Stanford fez várias cenas safadas em filmes anteriores do diretor, é impossível não visualizar o ataque dos quatro ou cinco canibais ao mesmo tempo como um gang-bang!

Taylor não consegue salvar a esposa e ainda é aprisionado pelos índios, enquanto sua filha fica escondida no porão. O barco sem rumo naufraga (off-screen, pois não havia dinheiro suficiente para filmar o desastre), e a pequena Lena só sobrevive porque fica presa em alguns galhos na margem do rio.


Enquanto isso, seu pai é levado à aldeia e tem o braço decepado e devorado pelos gulosos canibais (um pobre manequim visivelmente perdeu seu braço de plástico para poupar o ator de tal sacrifício). Taylor só escapa de ser completamente comido (opa!) porque o chefe da tribo (que lembra muito o Renato Aragão dos anos 1980!) encontra Lena desacordada na margem do rio e a leva até a aldeia para ser venerada como "Deusa Branca" (no estilo do que acontecerá com Katja Bienert no posterior "Diamonds of Kilimandjaro", também dirigido por Franco).


Aqui, é necessário fazer uma pausa na narração da história para comentar uma ou duas coisinhas sobre o nível de tranqueira de WHITE CANNIBAL QUEEN, baseado apenas nesses 10 ou 15 minutos iniciais...

Primeiro que os tais "índios canibais" de Franco são ainda mais falsos que os sujeitos bronzeados com perucas gigantes que Umberto Lenzi usou em "Cannibal Ferox". Cara-de-pau que só ele, o espanhol convocou CIGANOS para fazer o papel de canibais, e nem se preocupou em arranjar perucas para a galera, que circula tranquilamente com barrigões de cerveja, bigodões ao estilo mexicano e até costeletas e topetes tipo os do Elvis Presley!


Para piorar, a "maquiagem" dos ciganos canibais é de chorar de rir. Acontece que aquela tribo completamente selvagem no coração da "Amazônia" (pffff...) parece ter acesso a tintas guache multi-coloridas, que os "índios" usam para pintar seus rostos como se fossem uma grande banda cover do Kiss!

Outro detalhe legal na caracterização da "tribo selvagem" é que os índios não apenas vestem retalhos de toalha de mesa ou de banho ao invés de peles de animais, mas também circulam pela floresta usando sandálias de couro para não machucar os pés - e, volta-e-meia, canibais calçando tênis e botas também vazam acidentelmente no quadro!


Já as cenas de pessoas sendo devoradas foram filmadas da maneira mais esdrúxula possível: ao invés de intercalar takes bem curtos e editá-los com cortes rápidos, para não denunciar os efeitos precários que tinha à disposição, o diretor filmou super-closes dos "índios" arrancando pedaços de carne das vítimas e depois mastigando-os em câmera lenta - e os takes são tão fechados que nem dá para distinguir que tipo de naco de carne está sendo arrancado de qual parte do corpo!

Isso faz cada ataque dos canibais durar de cinco a oito intermináveis minutos, com direito a sons exagerados de pessoas mastigando como "trilha sonora"! Em outras palavras, os ataques dos "índios" em WHITE CANNIBAL QUEEN são tão chatos e longos (a vítima aparentemente morre de tédio) que este deve ser o único filme de canibais em que o espectador torce para que ninguém seja devorado!


Mas voltando ao filme: quando Didi Mocó, o chefe da tribo, aparece com a menina desacordada, e fala algo do tipo "Uga Buga Uga Buga, White Goddess!" (sim, porque os canibais de Franco misturam "uga-buguês indígena" com inglês tranquilamente), o agora maneta Taylor aproveita para sair à francesa, cruzar meia floresta a pé SEM MORRER POR HEMORRAGIA (lembra que ele teve o braço cortado?) e só então desmaiar em choque, apenas para ser encontrado por dois caçadores que "passeavam" por ali e o resgatam.

Aí rola um mal-explicado salto no tempo de pelo menos uma década, porque a pequena Lena já é uma adolescente quando aparece novamente. Taylor passou esse tempo todo internado num hospital (?!?) em Nova York, sem braço e sem memória. Fisicamente, a única mudança perceptível nesses 10 anos é que antes ele não tinha barba, e agora tem. O caso do antropólogo está sendo acompanhado pela Dra. Ana (interpretada por Lina Romay, creditada com seu pseudônimo de peruca loira chanel "Candy Coster", embora aqui ela esteja com o cabelo natural).


Por conveniências de roteiro, Taylor subitamente recupera a memória, lembra que tem uma filha perdida em plena "Amazônia" e procura os diretores da Fundação Shelton, os mesmos que financiaram sua primeira viagem, para bancar uma expedição de resgate. Mas é claro que os gananciosos executivos do grupo, Barbara (Shirley Knight) e Charles (Olivier Mathot, de "Diamonds of Kilimandjaro"), o expulsam do escritório, provavelmente em virtude do fracasso da PRIMEIRA expedição.

Nosso herói decide ir até a "Amazônia" por conta própria (?!?), acompanhado apenas pela sua médica - que, aparentemente, não tem outros pacientes para cuidar além dele; ou isso, ou o plano de saúde do cara é muito bom!

Chegando lá, o casal tenta contatar um guia português, Manuel (o próprio Jess Franco, em participação especial!); depois, encontram Barbara e Charles, que pensaram melhor e resolveram financiar a tal expedição de resgate, desde que possam levar junto seus amigos riquinhos e esnobes, que querem ter a experiência de uma aventura na selva - e sim, eu juro que isso é sério!


Novamente, acontece o óbvio: assim que a ridícula expedição formada por bunda-moles adentra o "território selvagem", seus integrantes começam a morrer um após o outro. Pelo menos Franco nos poupa temporariamente daquelas cenas de banquete canibal em câmera lenta, e as vítimas são mortas com simples flechadas e dardos envenenados, ou então esquartejadas "off-screen". Mas não comemore: ainda acontecem um ou dois banquetes canibais em câmera lenta até o final!

E quando Taylor reencontra sua filha, agora crescida e interpretada pela italianinha Sabrina Siani, descobre que ela não apenas é a "Deusa Branca" da aldeia, mas também foi prometida em casamento para o jovem chefe dos canibais, Yakaké (Antonio Mayans, que aparece em quase todos os filmes da fase oitentista do diretor). Logo, não será nada fácil levá-la de volta à civilização!


WHITE CANNIBAL QUEEN é uma daqueles filmes tão ruins e tão cheios de erros e de defeitos que definem perfeitamente a expressão "filme trash". Franco dirigiu visivelmente de má vontade e apenas para faturar o cheque da família Lesoeur, e não há um único momento visualmente inspirado que lembre, mesmo de longe, aquele cineasta que fez obras-primas como "Vampyros Lesbos" apenas dez anos antes!

Pelo menos a ruindade geral da produção torna a coisa toda muito engraçada. Se era para os canibais parecerem ameaçadores, Franco falhou miseravelmente: é difícil não rolar de rir toda vez que aparecem aqueles tiozinhos com barrigão de cerveja ou a cara pintada como se estivessem num baile de Carnaval. E vários deles ainda ficam olhando para a câmera o tempo inteiro (como se quisessem ter certeza de que Franco está filmando) ou então rindo no meio da cena (provavelmente do próprio mico).


Um detalhe que sempre acho bem engraçado é o fato de o chefe interpretado por Antonio Mayans ostentar sempre a mesma pintura no rosto, lembrando uma espécie de caveira estilizada.

Fico até imaginando o pobre coitado do índio acordando todo dia de manhã e perdendo duas horas do dia para refazer aquela maquiagem. Ou quem sabe ele vai dormir sempre daquele jeito e nunca lava o rosto. Seja como for, simplesmente não vale o trabalho - e é óbvio que esas pinturas esdrúxulas são apenas um subterfúgio para disfarçar os atores brancos interpretando índios!


Na entrevista que rola como extra do DVD norte-americano de WHITE CANNIBAL QUEEN, o próprio diretor se diverte muito ao lembrar da pobreza da produção: "Não filmamos um único segundo em Nova York. Aquelas cenas [que mostram externas da cidade] foram tiradas de um documentário que eu peguei na biblioteca de Madrid".

Sobre os "efeitos especiais", Franco também foi bem humorado: "Nós só tínhamos dois ou três pedaços de carne preparados para as cenas de gore, sangue para esguichar no rosto dos atores, e era basicamente isso". Nos créditos, Michael Nizza aparece como o responsável pelos efeitos (seu outro único crédito é o abominável "Zombie Lake", de Jean Rollin!).

Curiosamente, há uma cena em que restos esquartejados de um cameraman aparecem ao lado de sua câmera (abaixo). Pode ser só coincidência, mas me pareceu uma citação ou brincadeira com "Cannibal Holocaust".


WHITE CANNIBAL QUEEN também tem erros grosseiros de continuidade e uma risível tática para simular o braço cortado do personagem de Al Cliver (já que o ator obviamente tem os dois braços na vida real): o pobre coitado teve que passar o resto do filme com o membro "cortado" dobrado e amarrado nas costas, e isso é perceptível quase que o tempo inteiro!

No quesito sacanagem, o filme é bem mais comportado que outras produções do diretor, e até a musa Lina Romay aparece mais vestida do que de costume (só aparece de peitos de fora quando é atacada pelos canibais). Menos mal que uma ainda adolescente Sabrina Siani, com 17 anos na época das filmagens, garante a cota de peladice.


Por sinal, a declaração de Jess sobre a pobre atriz italiana corresponde ao momento mais engraçado da sua entrevista no DVD de WHITE CANNIBAL QUEEN: "Sabrina Siani foi a atriz mais estúpida com quem eu já trabalhei... Não, não vou exagerar, porque tive duas ou três que eram as rainhas da estupidez. Mas Sabrina certamente era uma delas. Ela era muito bonita, tinha um corpo muito bonito, mas era completamente estúpida! Completamente! E isso que eu não pedi que ela decorasse diálogos de [James] Joyce, era só coisa simples!"

Esse é um dos primeiros filmes da moça, que acabaria se tornando uma daquelas estrelinhas sempre peladas do cinema classe B italiano, mostrando o corpitcho em produções como "Conquest", de Lucio Fulci, e "A Espada de Fogo", de Michele Massimo Tarantini. Inclusive eu lembro que, no tempo das videolocadoras, o nome "Sabrina Siani" na capinha da fita era certeza de que o filme teria mulher pelada!


Como a "Rainha Branca dos Canibais" do título em inglês, Sabrina realmente está inexpressiva. Mas, para compensar, ela aparece em todas as suas cenas com os peitos de fora e a bunda quase de fora, "coberta" apenas por um barbantinho enfiado no rego (que devia incomodar bastante).

Ainda na entrevista do DVD, Franco sugere que a moça só conseguiu seguir adiante na carreira de "atriz" porque tirava a roupa nos filmes: "Sabrina Siani só conseguiu fazer outros filmes porque os italianos eram piores do que eu. Eles diziam: 'Ah, ela é uma idiota, mas veja só que rabo!'."


Trocando em miúdos, WHITE CANNIBAL QUEEN é mais uma daquelas terríveis comédias involuntárias que Jess fez unicamente por dinheiro nos anos 80 (filmes ainda piores viriam depois, marcando uma das fases menos inspiradas do diretor). Mas pelo menos é uma bomba razoavelmente divertida, e bem mais fácil de suportar do que as terríveis produções que ele gravou direto em vídeo do ano 2000 em diante.

Eu até sugiro reunir toda a galera na sala para uma sessão do filme (pode ser até uma sessão dupla com "Cannibal Terror", para comprovar como quase tudo foi reaproveitado no outro filme de outro diretor). Com direito a "drinking games", tipo um shot de tequila ou golão de cerveja toda vez que aparecer um "canibal" de tênis, ou cada vez que o braço do Al Cliver que deveria estar cortado vazar no quadro. Prepare-se para a ressaca no dia seguinte!


Franco conseguiria um resultado mais interessante na sua segunda e última aventura com canibais, o já citado "Manhunter - O Sequestro", que é igualmente ruim, mas muito mais divertido e engraçado, com um monstro canibal usando bolinhas de pingue-pongue no lugar dos olhos, Al Cliver repetindo o papel de herói fodão (dessa vez com os dois braços) e uma gostosa peladona bem melhor que Sabrina Siani, a alemã e coelhinha da Playboy Ursula Buchfellner.

A julgar por WHITE CANNIBAL QUEEN, a única contribuição de Jess Franco para o ciclo de filmes de canibais foi comprovar como produções do gênero podem sair assustadoramente ruins quando realizadas por diretores sem nenhuma afinidade e/ou interesse pelo material.

Mas pelo jeito os italianos não aprenderam nada, e tentaram espremer o suco do bagaço até a última gota, lançando alguns filmes ainda piores (porque se levavam a sério) ao longo da década, como "Amazonia: The Catherine Miles Story" (1985), de Mario Gariazzo, e "The Green Inferno" (1988), de Antonio Climati.

Digamos que os do Franco pelo menos fazem rir. Já esses outros...


Trailer de WHITE CANNIBAL QUEEN



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Mondo Cannibale / The Cannibals /
White Cannibal Queen (1980, França)

Direção: Jess Franco (aka Clifford Brown)
Elenco: Al Cliver, Sabrina Siani, Antonio Mayans,
Lina Romay, Olivier Mathot, Shirley Night, Pamela
Stanford, Anouchka Lesoeur e Jess Franco.



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