Se a sua única referência de "pornô nacional" são aqueles filmes horríveis e padronizados produzidos pelas Brasileirinhas na última década, com pitboys cobertos de tatuagens e garotas siliconadas fazendo caras e bocas, sinto informar que você desconhece o que de melhor foi produzido dentro do rótulo "X-Rated" no país. E vou mais longe: algumas das obras mais inventivas, extremas e - por que não? - geniais do cinema brasileiro estão justamente entre estas películas pornográficas realizadas em escala industrial na Boca do Lixo paulistana durante a década de 80.
Há muita porcaria, claro, e nem sempre é fácil separar o joio do trigo. Mas quando você topa com um filme do Sady Baby ou uma sátira pornô tão bem bolada quanto "Um Pistoleiro Chamado Papaco", de Mário Vaz Filho (em breve aqui no blog), sabe que está vendo algo único. Na verdade, alguns desses filmes são tão criativos e interessantes que o sexo explícito só estraga o conjunto, e eles talvez até ficassem melhor SEM as trepadas!
Nossa resenha de hoje analisará um destes casos. Trata-se de um mistério chamado AS NINFETAS DO SEXO SELVAGEM, co-dirigido por Wilson Nunes da Silva e um famoso "pau pra toda obra" do pornô nacional, Fauzi Mansur, aqui escondido sob o bizarro pseudônimo "Hizat Surman" (um dos muitos que usou durante sua trajetória no sexo explícito, ao lado de "Victor Triunfo" e "Izuaf Rusnam").
Chamo essa obra de mistério porque temos ao mesmo tempo uma sofisticada história de ficção científica (!!!), sobre um apocalipse nuclear, as duas belas sobreviventes do desastre e um astronauta que volta à Terra, e também o tradicional sexo explícito feio, sujo e malvado que era feito na Boca do Lixo - neste caso numa história paralela sobre sobreviventes do fim do mundo que são aprisionados e estuprados (nem sempre nessa ordem) por um bárbaro que domina o Brasil pós-apocalíptico.
Os créditos iniciais do filme informam que serão apresentados dois episódios. O primeiro, chamado "Só Restam as Estrelas", foi dirigido por Silva e é o tal sobre as duas sobreviventes e o astronauta; o segundo leva o nome do longa, "As Ninfetas do Sexo Selvagem", tem direção de Fauzi (ou "Hizat Surman") e a trama sobre o bárbaro estuprador.
O problema é que os episódios não são apresentados separadamente, mas sim paralelamente. Você está acompanhando uma das histórias e, subitamente, a outra invade a narrativa de sopetão. É tão estranho que, na primeira vez que vi, fiquei boiando durante a maior parte do tempo até entender que na verdade eram duas historinhas independentes apresentadas em paralelo; numa reassistida consegui "pegar" melhor onde começa um e outro segmento, mas creio que o filme ficaria muito melhor se os episódios fossem separados.
A bem da verdade, parece que AS NINFETAS DO SEXO SELVAGEM é um filme meio improvisado. Fica difícil hoje saber como rolou o processo, mas aposto que Fauzi pegou um filme inacabado de Silva, sem nada de pornográfico (pelo contrário, as cenas do episódio "Só Restam as Estrelas" só mostram sexo simulado e nudez), e completou-o com cenas de sexo explícito filmadas por ele mesmo, e sem qualquer relação com a trama do outro diretor.
O fato de as cenas gravadas por Fauzi trazerem o mesmo elenco, cenário e figurinos de uma obra posterior do cineasta ("As Rainhas da Pornografia", de 1984) pode ser uma evidência de que ele filmou tudo ao mesmo tempo - o material para completar esse longa aqui e o outro filme. Além disso, Silva era um diretor veterano sem nenhuma experiência com o cinema pornô, outra prova de que talvez Fauzi tenha apenas completado um filme deixado inacabado pelo outro diretor.
Seja como for, AS NINFETAS DO SEXO SELVAGEM continua interessante para o cinéfilo curioso de hoje como uma obra híbrida e cheia de momentos inspirados, alguns pela beleza (principalmente nos trechos filmados por Silva), outros pela escatologia, incluindo uma terrível cena (real) de violência contra um animal que não faz feio em comparação ao clássico italiano "Cannibal Holocaust"!
Você já percebe que AS NINFETAS DO SEXO SELVAGEM não foi concebido como típico filme pornô só pelas primeiras cenas (dirigidas por Wilson Silva), que trazem dois atores famosos do cinema brasileiro da época, Milton Moraes e Ítala Nandi, num barco em alto-mar. Digamos apenas que nem Ítala e nem Milton eram figurinhas carimbadas nos pornôs da Boca do Lixo...
A trama aparentemente se passa naquele típico futuro pessimista concebido em plena época de Guerra Fria e Corrida Armamentista, já que, através de um rádio no barco, ouvimos notícias sobre um "encontro de chanceleres latino-americanos", protestando contra "a decisão das superpotências de incluírem bombas de nêutrons em seus sistemas orbitais de defesa" (lembre-se, era a Era Reagan com seu projeto "Guerra nas Estrelas"...).
Enquanto olha para suas duas filhas pequenas (interpretadas por Karen Louback e Cristie Stein), que brincam na praia, o personagem de Milton começa a filosofar sobre a situação do mundo, explicando-a didaticamente (até demais) para o espectador:
"Antes a guerra matava mil pessoas, agora mata milhões. Antes era a espada, agora é o SODE - Sistema Orbital de Defesa Estratégica. Defesa não sei de quê... É um satélite artificial lançador de bombas nucleares de 500 megatons de cada vez no alvo que quiser. Sem falar nas bombas de nêutrons, que destróem a vida deixando o resto sobre a Terra para o vencedor tomar conta. Se houver vencedor! Cada superpotência tem um super-assassino no céu. Sabe o que isso representa? Que nesse momento estamos embaixo de um poder maior que seis milhões de toneladas de dinamite! A dinamite pelo menos é limpa. O SODE não. Ele é sujo, imundo!"
O filósofo do apocalipse então explica à mulher - e ao espectador - que estão ancorados diante de uma ilha deserta que encontraram ao acaso, e que não consta nos mapas. Nesse exato momento, explode a guerra nuclear e o próprio barco, matando na hora os pais das meninas enquanto elas continuam brincando na praia. (Destaque para a cabeça decepada de Milton sendo arremessada na areia!!!)
Abandonadas à própria sorte, as duas garotinhas aprendem a se virar sozinhas - e peladas - na tal ilha deserta, e, numa bela elipse de tempo de uns 15 anos, aparecem já adultas, e ainda peladas, agora interpretadas pelas belas Marneide Vidal e Eva de Oliveira. As moças fazem praticamente todo o filme nuas!
Durante um bom tempo, acompanhamos o cotidiano silencioso de ambas, até que, aos 21 minutos, as cenas filmadas por Fauzi invadem a narrativa. Assim, de repente, somos transportados para uma vila (que, ao contrário do que imaginei inicialmente, parece não ficar na mesma ilha, mas em alguma parte do mundo devastado).
Ali, um bárbaro interpretado pelo grande comedor da Boca, Oásis Minitti (de "Coisas Eróticas"), aprisiona os poucos sobreviventes do apocalipse, fazendo os homens de escravos braçais e as mulheres de escravas sexuais.
Esta primeira cena mostra-o prendendo e estuprando duas garotas, interpretadas por Tatiana e Dinéia Dantas (irmãs?), mas as cenas ainda são de sexo simulado, sem os tradicionais inserts de penetração explícita. Aliás, estas duas irmãs provavelmente são as "ninfetas do sexo selvagem" do título, e não as náufragas do outro episódio.
Voltamos então ao episódio das irmãs na ilha (eu avisei que as histórias em paralelo eram confusas), cuja vida é alterada com a chegada de um astronauta norte-americano, Alex (Luiz Ernesto Imbassahy). Ciente de que é um dos poucos seres vivos na face da Terra, o astronauta se surpreende ao encontrar aquelas duas gatas peladas. Primeiro, tenta explicar-lhes a situação do mundo com mais uma caralhada de diálogos pseudo-filosóficos; depois, finalmente cala a boca e começa a passar o rodo nas duas!
Já na trama narrada por Fauzi, o bárbaro Minitti aprisiona Daniel (Alan Fontaine), em cena que rola ao som da trilha sonora de "Poltergeist - O Fenômeno". Depois de tomar uns cascudos de Minitti, Fontaine dá início a um diálogo espetacular:
- Por que me agrediu? - Porque você invadiu meus domínios. E quem faz isso morre ou se torna meu escravo!
Depois de Daniel, o bárbaro também aprisiona mais três pessoas (quanta gente sobreviveu ao apocalipse, hein?): um casal interpretado por Luiz Dias e Teka Lanza e uma lésbica (?!?) vivida pela loira Kristina Keller. Novamente, uma das mulheres é estuprada por Minitti (a personagem de Kristina, chamada Lilith, protesta dizendo que homem algum vai "possuí-la"), enquanto os homens apanham e se tornam escravos.
O sexo explícito só aparece aos 44 minutos, e a única atriz que protagoniza o tchaca-tchaca na butchaca sem simulação é Teka Lanza (loira jeitosinha que era figurinha carimbada nos pornôs da Boca, aparecendo também em "A B... Profunda" e em "Coisas Eróticas 2"). Teka transa primeiro com Dias, depois com Minitti (umas três vezes). Kristina só aparece tocando uma siririca, e nada mais.
Chegamos, então, ao auge do grotesco de AS NINFETAS DO SEXO SELVAGEM: perto do final do filme, Minitti ataca e mata um homem (MAIS um sobrevivente???) que carregava uma ovelha. O animal é pendurado de cabeça para baixo e degolado com um facão, numa cena real. Em seguida, Minitti e seus escravos esfolam e comem a carne crua do bicho, em momento gráfico e repulsivo que se aproxima das barbaridades vistas nos filmes italianos sobre canibalismo. Tenho certeza que tal cena deve ter sido muito excitante para quem foi ao cinema na época em busca de um filme pornô "normal"...
(Se tiver estômago, veja a cena da ovelha no vídeo abaixo.)
"Cannibal Holocaust" à brasileira
O filme termina tão bizarro quanto começou e se desenvolveu, com uma mal-sucedida tentativa de ligar as duas histórias: enquanto no episódio do astronauta o mar amanhece coberto de peixes mortos e uma das irmãs também morre contaminada por radiação, revelando que em breve o astronauta e a outra garota terão o mesmo destino, no episódio de Fauzi o bárbaro e seus escravos amanhecem moribundos, igualmente por causa da contaminação radioativa (quem mandou comerem a ovelha crua?).
Apenas Daniel e uma das mulheres aprisionadas sobrevivem e caminham rumo ao horizonte, quem sabe para reiniciar um mundo melhor... ou para morrer em breve, vítimas da mesma radiação que matou os demais personagens!
Subitamente, a trama volta para o barco do começo do filme (!!!), e os personagens de Milton Moraes e Ítala Nandi estão vivos!!! O quê??? É isso mesmo! As meninas estão brincando na praia, como no início, e o casal de pais se beija a bordo do barco, que então aparece navegando rumo ao horizonte. Logo, todo o filme foi um pesadelo, delírio ou "futuro alternativo" imaginado pelo personagem de Milton em sua já clássica divagação sobre o negro futuro da humanidade...
AS NINFETAS DO SEXO SELVAGEM é exatamente o que parece pela nem-tão-breve descrição acima: uma confusa e bizarra mistura de gêneros e tramas, onde o sexo explícito só aparece por exigências de mercado e não se encaixa de forma alguma na narrativa.
Também há uma queda de qualidade visível quando o filme pula de um episódio para o outro: enquanto o de Silva lembra um curioso cruzamento entre "A Lagoa Azul" e "O Planeta dos Macacos", o de Fauzi é uma apelativa versão pornô de "Mad Max", mas sem muita história para contar além dos estupros perpetrados por Minitti.
Quem sai perdendo com a mistura dos dois episódios é Wilson Silva, já que suas cenas são as mais belas e interessantes do longa - como aquela em que as náufragas, ainda meninas, precisam enfrentar um escorpião que invade sua tenda. Apesar das garotas crescidas aparecerem nuas o tempo todo (e logo também o personagem de Imbassahy), o episódio da ilha nunca cai na apelação, e as cenas de sexo são delicadas e bem realizadas, com certo romantismo e lirismo até.
Pena que estas cenas sejam entrecortadas pelo espetáculo "mundo cão" dirigido por Fauzi, onde sujeitos barbudos, sujos e vestindo farrapos aparecem estuprando garotas em closes ginecológicos, em mais uma bela amostra do sexo sujo e nojentão filmado na Boca do Lixo.
E a cena da ovelha sendo esquartejada é mais do que broxante num suposto "filme pornô", ultrapassando até algumas das barbaridades gravadas por Sady Baby.
Tudo considerado, o episódio de Fauzi também é o mais estúpido e duro de engolir. Afinal, o tal bárbaro interpretado por Minitti consegue aprisionar facilmente todos os personagens secundários sem que ninguém se rebele contra ele. A cena de "estupro" com Teka Lanza é até engraçada, pois a moça começa protestando e logo está curtindo animadamente o rala-e-rola.
Mas não dá pra aceitar momentos como o que SEIS prisioneiros dividem a mesma cabana com seu algoz, sem nem ao menos estarem amarrados, e ninguém tem a ideia de que pulem todos juntos sobre Minitti para subjugá-lo!
Assim, AS NINFETAS DO SEXO SELVAGEM hoje pode ser visto como um curiosíssimo exemplar de um período fascinante do cinema brasileiro, o dos filmes pornográficos da Boca, que não se contentavam apenas em mostrar gente trepando, como os similares estrangeiros, mas geralmente apelavam para histórias mirabolantes e fantásticas onde o sexo explícito é quase brinde - e geralmente soa deslocado.
Esse filme aqui, por exemplo, é uma mais do que óbvia história de ficção científica, que até poderia ser distribuída com esse rótulo se alguma alma caridosa fizesse o favor de cortar as trepadas explícitas com Teka Lanza. Até porque nada se perderia sem estas cenas - elas são rápidas e nada excitantes.
Até sugiro que alguém experiente no Adobe Premiere use seu tempo livre para eliminar da montagem todas as cenas gravadas por Fauzi (inclusive a chocante "cena da ovelha"), deixando apenas o material de Silva, que poderia ser reeditado e relançado como uma "fan cut" intitulada "Só Restam as Estrelas". Aposto que ficaria bem melhor do que este samba do crioulo doido chamado AS NINFETAS DO SEXO SELVAGEM.
Diferente de outros pornôs da Boca da época, que divertiam pela quantidade de bobagens e diálogos estúpidos, este aqui também tenta ser mais sério do que a média, e por isso nem sempre é tão engraçado - apesar dos longos e pomposos diálogos como o de Milton Moraes sobre o SODE ou o do astronauta sobre o declínio da humanidade.
De qualquer forma, a associação entre Silva e Fauzi tem seu valor justamente pela estranheza, picaretagem e escatologia, dando-nos a certeza de que poucas coisas eram tão malucas quando os pornôs brasileiros dos anos 80...
Cena inicial de AS NINFETAS DO SEXO SELVAGEM
******************************************************* As Ninfetas do Sexo Selvagem (1983, Brasil) Direção: Wilson Nunes da Silva e Hizat Surman (aka Fauzi Mansur) Elenco: Luiz Ernesto Imbassahy, Marneide Vidal, Eva de Oliveira, Oásis Minitti, Alan Fontaine, Milton Moraes, Ítala Nandi e Kristina Keller.
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