Depois do apocalíptico "Desejo de Matar 3", parecia mais do que óbvio que a carreira cinematográfica do vigilante Paul Kersey estava encerrada. Afinal, não havia mais história para contar. A parceria entre a Cannon Films e Charles Bronson continuou com os filmes policiais "O Vingador" (1986) e "Assassinato nos Estados Unidos" (1987), e por algum tempo Kersey realmente permaneceu aposentado.
O problema é que, à época, a Cannon andava mal das pernas por causa do investimento exagerado - e nunca recuperado nas bilheterias - em filmes como "Falcão - O Campeão dos Campeões" (em que só o astro Sylvester Stallone embolsou 12 milhões de cachê!) e "Superman 4 - Em Busca da Paz". Os produtores Golan e Globus decidiram que a melhor forma de sair do vermelho era lançar continuações de suas franquias mais lucrativas. Sem pensar duas vezes, colocaram em pré-produção "Braddock 3", com Chuck Norris, e DESEJO DE MATAR 4 - OPERAÇÃO CRACKDOWN.
Como Bronson e o diretor inglês Michael Winner se estranharam após o lançamento do terceiro filme, a direção da quarta aventura de Kersey passou para outro inglês, o veterano J. Lee Thompson, que já tinha trabalhado com Bronson cinco vezes (incluindo "Dez Minutos Para Morrer"). Era um verdadeiro encontro de dinossauros: o ator estava com 66 anos, e o cineasta com 73. Thompson já trabalhava para a Cannon há algum tempo, dirigindo aventuras como "As Minas do Rei Salomão" e "Os Aventureiros do Fogo", e estava acostumado a fazer filmes para os primos israelenses com orçamentos irrisórios.
Definido o diretor, o problema agora era qual direção seguir depois de "Desejo de Matar 3": continuar apostando no exagero e no absurdo, ou voltar àquele tom mais sério e realista dos dois primeiros filmes?
Nem os próprios Golan e Globus sabiam a resposta. Por isso, vários argumentos para DESEJO DE MATAR 4 foram analisados por eles, incluindo uma ideia sugerida pelo próprio Brian Garfield (autor do romance "Death Wish", que deu origem ao primeiro filme, lembra?).
Depois de muitas idas e vindas, Golan e Globus lembraram de Gail Morgan Hickman e das várias ideias não-aproveitadas que ele havia escrito alguns anos antes para a Parte 3. Hickman tinha roteirizado uma outra aventura de Bronson ("O Vingador"), e seu trabalho foi tão satisfatório que resolveram chamá-lo de volta para escrever DESEJO DE MATAR 4 a partir de um daqueles argumentos descartados em 1984.
Inicialmente, Hickman escreveu uma aventura mais séria que era continuação direta de "Desejo de Matar 2", fingindo que aquela Terceira Guerra Mundial num bairro pobre de Nova York, mostrada na Parte 3, nunca aconteceu! No argumento inicial, um envelhecido Kersey, ainda vivendo em Los Angeles, aposenta seu passado como vigilante e volta a se relacionar com aquela ex-namorada interpretada por Jill Ireland na Parte 2, prometendo a ela nunca mais fazer justiça com as próprias mãos. Só que namorar com Kersey é zica, e logo a moça seria executada por bandidos durante um assalto. Como o herói tinha feito a promessa de abandonar as armas, ele tenta agir conforme a lei dessa vez, levando os culpados a julgamento. Só que os assassinos são inocentados e voltam às ruas. É quando Kersey também resolve sair da aposentadoria e vingar-se ao seu estilo.
Parece até interessante no resumo, mas o roteiro de Hickman não foi bem recebido pela Cannon, que queria uma aventura com mais tiros e explosões e menos drama, questionamentos e conflitos internos do vigilante. Além disso, a atriz Jill Ireland estava se tratando de um grave câncer de mama e não se sentia confortável para interpretar uma personagem que morria. E sem ela, a ideia perdia todo o sentido.
Assim, Hickman voltou à estaca zero, e, entre as várias ideias surgidas no processo, bolou uma completamente absurda em que Kersey caçava um perigoso terrorista para vingar um amigo da CIA morto pelo vilão (coincidentemente, argumento parecido já havia aparecido na aventura "Exterminador Implacável", com Rutger Hauer, um ano antes)!
Finalmente, o roteirista chegou à ideia que acabou se transformando em DESEJO DE MATAR 4, baseada tanto no western "Por um Punhado de Dólares" quanto na fonte inspiradora deste, o filme japonês "Yojimbo": o vigilante Kersey agora agiria de maneira mais cerebral, colocando duas quadrilhas de traficantes de drogas uma contra a outra, e matando aqueles que sobrassem no final!
Naquela etapa dos anos 80, a Cannon Films estava buscando temas "socialmente engajados" para suas aventuras. Se "Superman 4 - Em Busca da Paz" era um libelo anti-corrida armamentista, DESEJO DE MATAR 4 seria uma aventura anti-drogas. A própria família Bronson sofria com o problema, já que o filho adotivo do astro, Jason McCallum, travava uma dura batalha contra o vício em drogas (mas nunca se soube se isso influenciou ou não no argumento do filme, e se foi Bronson quem sugeriu abordar o tema).
Fazendo de conta que "Desejo de Matar 3" nunca aconteceu, o filme mostra Kersey trabalhando normalmente como arquiteto em Los Angeles, e com um novo caso amoroso: trata-se de mais uma jornalista, Karen Sheldon (Kay Lenz, de "A Casa do Espanto"), e novamente com a metade da idade dele (Kay tinha 34 anos, Bronson 66!). Para quem não lembra, na Parte 2 a namorada de Kersey também era jornalista.
Embora sofra pesadelos frequentes relacionados a suas incursões anteriores como vigilante, Kersey parece ter aposentado seu passado para levar uma nova vida com Karen e sua enteada adolescente, Erica (Dana Barron, que interpretou a filha de Chevy Chase em "Férias Frustradas").
Sem que os pais saibam, Erica e seu namorado Randy (Jesse Dabson) são usuário de drogas. E, certa noite, a garota exagera no crack e acaba comendo capim pela raiz, morrendo de overdose. Isso tudo acontece já nos primeiros 10 minutos de filme, pois desenvolvimento de personagens parece não interessar muito nesse quarto filme.
Kersey sequer espera o cadáver esfriar: ele segue Randy até o traficante que vendeu a droga, Jojo (Héctor Mercado), testemunha a execução do rapaz (que, burramente, ameaçou entregar o traficante à polícia) e resolve sair da aposentadoria, dando o devido castigo ao "assassino" da sua enteada. Ok, os culpados pela overdose estão mortos, então parece que é o fim, certo? Errado.
As mortes de Randy e Jojo são investigadas por uma dupla de policiais, os detetives Reiner (George Dickerson) e Nozaki (Soon-Tek Oh). E como Nozaki é interpretado pelo mesmo ator que fez o vilão de "Braddock 2", é óbvio que mais cedo ou mais tarde ele vai se revelar um policial corrupto.
Paralelamente, o vigilante é procurado por um poderoso milionário, dono de um império de veículos de comunicação, chamado Nathan White (John P. Ryan). Ele quer "contratar" o justiceiro para um trabalhinho: aniquilar as duas quadrilhas de traficantes que comandam o império dos entorpecentes em Los Angeles. Nathan alega que sua única filha também morreu de overdose, e por isso não vai economizar dinheiro ou armas para que Kersey acabe com a raça dos bandidos. Apesar de não ter mais nada a ver com a história, e de não ser nenhum mercenário ou guerrilheiro, o vigilante aceita a proposta - com a desculpa de acabar com aqueles que estão matando "as crianças".
As duas quadrilhas são chefiadas por Ed Zacharias (Perry Lopez, que depois trabalhou com Bronson no ótimo "Kinjite - Desejos Proibidos") e pelos irmãos latinos Jack (Mike Moroff) e Tony Romero (Dan Ferro). Como já acontecia em "Por um Punhado de Dólares" e "Yojimbo", um grupo não se bica com o outro, e só precisa riscar um fósforo para explodir o barril de pólvora.
Kersey percebe isso e dá uma de Clint Eastwood/Toshiro Mifune, jogando uma quadrilha contra a outra, matando os homens-chave de cada organização e fazendo parecer que foi trabalho do outro grupo. O resultado é uma mini-guerra que quase lembra "Desejo de Matar 3", aquela aventura exagerada que o astro, o roteirista e os produtores estavam tentando esquecer...
Uma das minhas principais queixas em relação a DESEJO DE MATAR 4 é que ele parece não ter nada a ver com o restante da série - tudo bem, o terceiro também não, mas pelo menos era engraçadíssimo e já estava de bom tamanho para fechar a franquia. Não consigo engolir um justiceiro como Paul Kersey fazendo intriguinha nos bastidores, colocando bandidos uns contra os outros ao invés de atacá-los por conta própria e matar todo mundo, ao seu estilo. Soa tão imbecil quanto aquele filme do Justiceiro com o Thomas Jane.
O roteirista Hickman merece crédito por ter tentando ligar a história com os dois primeiros filmes, e até faz diversas citações a eles, quando os policiais que investigam o caso citam as tragédias acontecidas na família Kersey em "Desejo de Matar" e "Desejo de Matar 2"; além disso, novamente Kersey se identifica com o nome falso "Kimball", como fez na Parte 2 (e também na terceira, mas lembre-se que essa não foi levada em consideração aqui).
O problema é que Hickman não percebeu que Kersey não é um soldado, um policial ou um mercenário, mas sim um cara normal com desejo de matar (dã!). Eu consigo engolir o protagonista lutando sujo contra os punks do terceiro filme, mas não sua cruzada patrocinada contra os traficantes de drogas. Aliás, por que diabos o personagem de Ryan contrata Kersey para fazer o serviço ao invés de um mercenário ou assassino profissional?
Sem contar que é praticamente impossível acreditar que Kersey consiga esconder de todo mundo (da nova namorada, da polícia...) o seu trabalho atual como vigilante, já que aparece o tempo inteiro com armas de grosso calibre e até explosivos para despachar os traficantes. E a maneira como ele consegue se infiltrar com a maior facilidade em qualquer lugar - como ao entrar disfarçado de garçom numa festa promovida por Zacharias, ou fingindo ser funcionário numa refinaria de cocaína do mesmo traficante - é forçar demais a amizade!
Há algumas reminiscências daquele primeiro roteiro que Hickman escreveu e que não foi aprovado pela Cannon - aquele mais sério e tal -, e esses pequenos detalhes são a melhor coisa de DESEJO DE MATAR 4, o que me leva a imaginar como este primeiro roteiro poderia ter sido um filmaço antes da mudança para a trama chupada de "Por um Punhado de Dólares".
Por exemplo, a primeira cena do filme, que Hickman disse ter sido a única coisa que conseguiu manter daquela sua primeira versão do roteiro, é um pesadelo em que Kersey aparece interrompendo uma tentativa de estupro. "Quem é você?", pergunta um dos estupradores. "A morte", responde o herói antes de passar chumbo no sujeito, mas só para descobrir que acabou de matar um clone de si mesmo. Kersey então acorda suado e gritando na cama, comprovando que ele ainda é assombrado pela culpa de todos os crimes cometidos, numa ideia interessante que infelizmente é abandonada pelo filme no momento em que o vigilante inicia sua cruzada anti-drogas.
No livro "Bronson's Loose! - The Making of the 'Death Wish' Films", o roteirista explicou ao pesquisador Paul Talbot como foi o processo de destruição da sua história original: "Ficou bastante claro para mim que a Cannon queria que o filme fosse apenas entretenimento. Meu primeiro roteiro era muito sério, e acho que só existem duas maneiras de contar a história de um vigilante: uma é abordar seriamente as implicações morais da justiça pelas próprias mãos, e o que isso faz com você; a outra é fazer algum cartunesco, só para diversão".
Hickman também comparou a série "Desejo de Matar" com as franquias de James Bond e Dirty Harry, em que cada sequência vai ficando mais exagerada. Inclusive eu não entendo porque teimaram em passar a borracha na absurda Parte 3 se esta aqui também tem uma contagem de cadáveres altíssima e inverossímil, a segunda maior da série!
Para não ser injusto, DESEJO DE MATAR 4 tem algumas ótimas cenas de ação, especialmente o ataque de Kersey à refinaria e o massacre coletivo das duas quadrilhas. Algumas piadinhas inspiradas aqui e ali também ajudam a espantar a sensação de estarmos vendo algo completamente descartável. Gosto muito da cena em que um capanga flagra Kersey dentro de sua casa e pergunta o que ele faz ali, e o vigilante responde, com a maior cara-de-pau: "Estou só fazendo um sanduíche".
Outro diálogo inspirado acontece quando Kersey aborda um dos traficantes mostrando a foto da sua finada enteada Erica, e dizendo que fez tudo aquilo por ela. O bandido responde: "Mas eu nem a conheço!". Antes de disparar à queima-roupa, o vigilante retruca: "Mas eu sim!".
O final de DESEJO DE MATAR 4 envolve uma intereressante reviravolta (pouco convincente, mas, vá lá, inesperada) relacionada ao personagem de John P. Ryan. Mas até chegar nela será preciso resistir a cenas francamente estúpidas, como aquela em que o herói explode um trio de vilões usando uma garrafa de vinho-bomba, à la 007 (qual o problema em simplesmente chegar atirando?). Ou o momento patético de "crítica social" em que um médico-legista apresenta à personagem de Kay Lenz várias jovens vítimas do consumo de drogas.
Por sinal, o roteiro fraquinho desperdiça este novo interesse amoroso de Kersey. A pobre Karen aparece apenas no começo do filme, quando vê a filha morrer de overdose, e então desaparece da trama até o final, quando é sequestrada pelos bandidos e, claro, tem o tradicional final trágico reservado a todas as namoradas ou familiares de Paul Kersey. Ninguém se preocupa em explicar o que a personagem fez durante todo o tempo em que esteve sumida da narrativa, mas sabemos que ela não se encontra mais com Kersey - pois o vovô tem todas as noites livres para sair matando bandidos pela cidade!
Não faltam culpados para a inconsistência geral do filme. Um deles é o diretor Thompson, que naqueles tempos lutava contra o alcoolismo. Outros dois são Golan e Globus, que baixaram tanto o orçamento da produção que até reaproveitaram músicas de seus filmes "Braddock - O Super Comando" e "Invasão USA" na trilha sonora para economizar uns trocados, além de colocar pôsteres e displays de várias produções da Cannon em algumas cenas para fazer merchandising grátis. Ironicamente, o trailer de cinema do filme anunciava "The biggest 'Death Wish' ever!"...
Porém o maior culpado talvez seja o próprio Bronson. No livro "Bronson's Loose!", o roteirista Hickman lembra que o ator estava um verdadeiro pé no saco durante as filmagens, reclamando o tempo inteiro que não queria gravar cena "x" ou diálogo "y", e obrigando-o a fazer incontáveis mudanças no roteiro.
Originalmente, por exemplo, o grande vilão do filme morreria asfixiado pelo próprio veneno, quando Kersey o trancava numa sala com o ar impregnado de cocaína; na hora de filmar, optaram pelo velho e direto "Vamos explodir o filho da puta", já visto no final de "Desejo de Matar 3" e também de "Invasão USA". (Traficantes asfixiados com seu próprio veneno apareceriam dois anos depois no obscuro "Esquadrão Cobra 2", com Lorenzo Lamas.)
Também segundo o roteiro original, a namorada do herói permaneceria viva na conclusão, e até prometendo ajudar o vigilante em ações futuras para compensar a perda da filha. Temendo que isso provocasse polêmica pela velha questão do pró-vigilantismo, diretor e produtores optaram por matar a personagem no final, só para manter a tradição da série de que os interesses românticos de Kersey devem morrer!
Por causa dessa soma de fatores, DESEJO DE MATAR 4 - OPERAÇÃO CRACKDOWN é bem decepcionante. Quando vemos o velhote Bronson correndo com uma metralhadora maior que ele, parecendo prestes a ter um infarto, fica claro que o filme funcionaria muito melhor como veículo para Chuck Norris ou, sei lá, Michael Dudikoff.
Enfim, esta Parte 4 só não é a mais fraca da série porque, anos depois, um ainda mais envelhecido Bronson cometeria a imbecilidade de voltar no fraquíssimo e ordinário "Desejo de Matar 5", um dos piores (e últimos) filmes de sua carreira.
Como já havia acontecido com os outros filmes da série, esta quarta aventura traz pelo menos dois atores que ficariam mais famosos depois em pequenas participações. Um deles é o Machete em pessoa, Danny Trejo, interpretando um dos homens de Zacharias (e uma das vítimas da hilária garrafa de vinho explosiva); o outro é Mitch Pileggi, o Skinner do seriado "Arquivo X", como um traficante que toma umas bolachas de Kersey na refinaria de cocaína. Suas participações são no estilo "piscou, perdeu", então aproveite para dar uma boa olhada em ambos nas imagens acima.
E um detalhe trágico: num daqueles casos em que a vida imita a arte, o filho adotivo drogado do astro, Jason McCallum, morreu dois anos depois de overdose. Pena que, na vida real, Bronson estava muito velho para sair matando traficantes ao estilo Paul Kersey no filme...
PS: Michael Winner nunca mais voltou a dirigir uma aventura de Paul Kersey, mas em 1993 revisitou o universo do vigilantismo em "Beleza Fatal", que é praticamente uma paródia de humor negro da série "Desejo de Matar", mas com UMA vigilante em ação. Para quem gosta do tema, vale a pena procurar!
FICHA CRIMINAL: * Pessoas ligadas a Kersey agredidas: namorada (morta), filha adotiva (morta por overdose) e namorado da filha adotiva (morto) * Armas usadas pelo vigilante: pistola Walther PPK .32, pistola Walther PP .32 (outro modelo), submetralhadora MAC-10, submetralhadora Uzi, rifle M16 com lançador de granadas M203, rifle Ruger Mini-14, garrafa de vinho explosiva, porta-malas de carro * Contagem de cadáveres: 50 (Kersey 34 + 3 em pesadelo x 13 Marginais)
Trailer de DESEJO DE MATAR 4 - OPERAÇÃO CRACKDOWN
******************************************************* Death Wish 4: The Crackdown (1987, EUA) Direção: J. Lee Thompson Elenco: Charles Bronson, John P. Ryan, Kay Lenz, Perry Lopez, Dana Barron, George Dickerson, Soon-Tek Oh, Jesse Dabson, Mike Moroff, James Purcell e Danny Trejo.
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