Existe um subgênero pavorosamente ruim surgido nos anos 90 e que atingiu o ápice da mediocridade neste nosso novo século: os filmes com animais gigantes assassinos toscamente produzidos por computação gráfica, geralmente produções paupérrimas realizadas para a TV a cabo. E como volta-e-meia eu gosto de analisar filmes REALMENTE RUINS aqui no FILMES PARA DOIDOS, hoje vamos colocar em discussão um deles.
Trata-se de BOA VS. PYTHON, mistura de aventura e horror produzida pelo Sci-Fi Channel (atualmente "SyFy") com a mixaria de US$ 1.200.000, e rodada na Bulgária para economizar. Como a maioria desses novos filmes com bichos monstruosos (pode colocar "Sharktopus" no mesmo balaio), esse aqui também comete o erro mortal de se levar a sério demais, gastando um precioso tempo para "contar história" ao invés de investir no duelo prometido pelo título ou no gore (reduzido ao mínimo).
O pior é que qualquer besta-quadrada veria potencial na história de duas cobras gigantes que saem na porrada enquanto brincam para ver quem devora mais o elenco humano. Roger Corman e Charles Band fariam miséria lá nos anos 80, e o resultado certamente seria muito mais divertido, inconsequente e sanguinolento.
Infelizmente, as bestas-quadradas que escreveram, produziram e dirigiram BOA VS. PYTHON não parecem ter visto esse potencial. Afinal, sabe-se lá por que motivo, resolveram levar o projeto mais a sério do que deveriam.
O resultado é uma enfadonha trama onde as duas cobras, verdadeira razão de ser de um filme chamado BOA VS. PYTHON, não passam de meras coadjuvantes, e ainda por cima produzidas naquele já tradicional CGI de fundo de quintal (de maneira que você até fica feliz enquanto as tosquíssimas cobras NÃO aparecem!!!).
BOA VS. PYTHON é uma espécie de continuação/cruzamento de outras produções com cobras gigantes feitas anos antes pelo mesmo Sci-Fi Channel: a série "Python" (com dois filmes, o primeiro dirigido por Richard Clabaugh em 2000 e o segundo por L.A. McConnell em 2002) e o filme "Terror em Alcatraz", assinado por Phillip J. Roth em 2002, que traz uma gigantesca cobra jibóia ("boa", em inglês) como vilã.
Inclusive o roteiro aqui faz citações explícitas a estes três filmes, como quando um agente da CIA informa que as operações da agência com cobras gigantes foram suspensas na Rússia (conforme foi visto no horrendo "Python 2").
A trama deste confronto de titãs é absurda, ridícula e inverossímil, o que novamente me faz questionar por que motivo, razão e circunstância não virou algo assumidamente divertido na linha de "Serpentes a Bordo": Broddick (Adam Kendrick) é um milionário entediado e amante de caçadas, que resolve "importar" uma gigantesca cobra python mutante de 25 metros de comprimento para realizar um safári particular com seu grupo de amigos.
Detalhe: embora o ricaço tenha grana suficiente para comprar o tal monstrengo, e embora possua seu próprio avião (com o nome dele escrito na fuselagem e tudo mais), o sujeito precisa alugar os serviços de uma transportadora (!!!) para levar o contêiner com a python até o local da caçada - o que, claro, vai acabar mal.
A serpente foge do contêiner, devora os homens responsáveis pelo transporte e se esgueira pela tubulação de água e esgoto. Como o caminhão onde a cobra era transportada acabou explodindo no processo de fuga do réptil, a CIA entra em cena para investigar a possível ligação com algum atentado da Al-Qaeda (pós-11 de setembro, sabe como é...). E não demora para o agente Sharpe (Kirk B.R. Woller) concluir que uma serpente gigante está à solta.
É aí que a trama começa a ficar ainda mais improvável: Sharpe e a especialista em animais marinhos (hein?) Monica, que vem a ser uma loira gostosa e siliconada (Jaime Bergman, infelizmente vestida o tempo inteiro), descobrem que existe outra serpente gigante nas redondezas, uma imensa jibóia-vermelha de 20 metros criada por um especialista em cobras, o dr. Emmett (David Hewlett, que teve tempos melhores em "Scanners 2" e "Cubo", e é a cara do Bono Vox).
O cientista, acredite se quiser, mantém a cobrona trancada numa salinha apertada de seu laboratório (!!!), e deixou-a gigante para "pesquisar a cura para os venenos das serpentes", depois que sua irmã foi morta por uma cobra em Buenos Aires (!!!). Por que uma cobra de 20 metros ajudaria na descoberta da cura dos venenos das serpentes é algo que foge à minha compreensão. Por outro lado, também não consigo entender como é que esse pessoal consegue criar cobras mutantes gigantescas com tanta facilidade, mas vamos em frente...
O plano de Sharpe e Monica é fantástico de tão implausível: colocar sensores de movimento, câmeras e até GPS na jibóia de Emmett (epa, nada de maliciar!), e depois soltá-la nos esgotos da cidade para caçar a python fugitiva.
O plano seria fantástico se as duas cobras não começassem a devorar todo o elenco humano antes de propriamente saírem no pau entre elas - o que acontece apenas na conclusão, depois que quase todos os personagens já foram comidos ou partidos no meio. Paralelamente, Broddick (o milionário fã de caçadas, lembra?) convida os melhores caçadores do mundo para participar do safári e caçar a python.
BOA VS. PYTHON tem algumas coisas bem legais, como o início que faz um paralelo do combate das cobras com uma exibição de luta livre, mas esses elementos são desperdiçados porque a narrativa abre um espaço gigantesco para a "investigação" do paradeiro dos monstros e para as explicações científicas, ao invés de concentrar-se na sangueira e na matança.
Há três situações distintas no roteiro de Chase Parker e Sam Wells (cobras matando geral, cobra versus cobra e caçadores excêntricos versus cobra), mas filme e roteiro desperdiçam as três, sem trabalhar satisfatoriamente nenhuma delas.
A qualidade do texto da dupla é de chorar, ainda mais quando eles tentam dar profundidade aos personagens (o pobre dr. Emmett que perdeu a irmã em Buenos Aires, a especialista em vida marinha que aprendeu, com os golfinhos, a respirar por longos minutos debaixo d’água...). Até mesmo frases com alto potencial cult-trash (do tipo "Die you slithering piece of shit!", gritada por um sujeito que tenta torrar a gigantesca jibóia usando um lança-chamas!) acabam perdidas num conjunto medíocre.
E se o roteiro já é ruim, todas as cenas com potencial ainda são lamentavelmente estragadas pelo cineasta de primeira viagem David Flores (editor de "Python 2" e "Terror em Alcatraz", que depois dirigiria "Pânico no Lago 2").
O ponto alto da película é a cena de sexo entre dois jovens no banco de trás de um carro; eis que a python ataca no auge de uma sessão de sexo oral que o garoto fazia na moça, devora o garanhão e enfia a própria língua na garota, que vai à loucura sem perceber a diferença entre a língua humana e a língua descomunal do réptil (!!!).
O problema é que a cena foi filmada de maneira tímida e rápida, e a pobre mocinha nem mesmo aparece nua - há uma cena de sexo interrompido por cobras muito mais interessante em "Serpentes a Bordo", com direito a cobra (o bicho) abocanhando o peito siliconado da garota). Nas mãos de um cineasta menos cagão, o sexo oral com a cobra gigante poderia ter rendido algo tão escroto quanto a cena da cabeça decepada em "Reanimator"...
Outra furada gigantesca está na conclusão: quando a jibóia e a python finalmente se encontram face a face (???) numa festa rave, onde também está o exército atrás dos monstrengos, qualquer cineasta digno desse nome faria miséria. Imagine as serpentes devorando a rapaziada, sangue e membros decepados espalhados por toda a parte, tiros e explosões a rodo, o som tecno rolando no fundo, luzes piscando, etc etc...
Mas o que faz David Flores? Primeiro evacua rapidamente o recinto para que as duas serpentes possam brigar sozinhas (!!!), depois corta imediatamente (e de maneira absurda) para uma estação de metrô completamente deserta, sem qualquer explicação! Como escrevi lá em cima, a contagem de cadáveres é mínima e a violência acontece quase sempre off-screen.
É uma pena, considerando que o filme tenta ser apelativo às vezes (como ao mostrar a gostosa Angel Boris Reed completamente pelada em um demorado banho de banheira, e na já citada cena de sexo oral com uma python de 25 metros), mas na maior parte do tempo é quase inocente.
Os ataques das cobras praticamente não são mostrados, e todos sabemos que esse tipo de tralha só funciona com sangue e tripas - um bom exemplo recente é o divertidíssimo e infinitamente superior "Frankenfish", de Mark A.Z. Dippé, realizado no mesmo ano.
No fim, o espectador fica se sentindo um bocó, porque o título e a capinha (as duas serpentes lutando no meio da cidade enquanto um helicóptero dispara mísseis contra elas, algo que NÃO acontece no filme) anunciam um confronto trash de dimensões épicas, mas na verdade as duas serpentes raramente aparecem, raramente se encontram e raramente lutam - e, quando o fazem, é sempre em lugares fechados, nunca no meio da cidade, como mostra o cartaz.
Por isso, BOA VS. PYTHON tem um lugar de honra numa longa galeria de tranqueiras que inclui outras bombas atômicas semelhantes, como "Sharktopus" e "Mega Shark Vs. Giant Octopus" (e, como esses citados, têm um trailer onde já são mostradas as únicas cenas boas). Todos eles são uma bela evidência de que fazer filmes ruins é muito fácil; fazer bons filmes ruins, entretanto, é bem mais complicado...
Trailer de BOA VS. PYTHON
******************************************************* Boa Vs. Python (2004, EUA) Direção: David Flores Elenco: David Hewlett, Jaime Bergman, Kirk B.R. Woller, Adam Kendrick, Angel Boris Reed, Marianne Stanicheva, Griff Furst e George R. Sheffey.
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